ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Muito fã
O japonesinho do Geisel e o leilão de Libra
Daniela Pinheiro | Edição 86, Novembro 2013
Faltavam duas horas para o começo de sua palestra sobre exploração de gás natural quando Shigeaki Ueki – ministro de Minas e Energia e presidente da Petrobras durante dois governos militares, somando mais de uma década no centro do poder – apareceu sorridente no hall de um prédio comercial no Centro de São Paulo. Eram sete horas da manhã e ele usava terno cinza, gravata roxa e carregava uma pastinha preta, que remetia aos tempos em que era o mais poderoso tecnocrata do petróleo no Brasil.
Um dos formuladores do Proálcool, negociador da compra de milhares de barris nas duas crises mundiais do petróleo, foi Ueki quem também, num dia de janeiro de 1975, apresentou ao mundo um vidrinho com óleo extraído das profundezas da Bacia de Campos – o que mudou em definitivo os rumos das políticas econômica e energética brasileiras.
Naquele início de manhã, “o japonesinho do Geisel” – como ficou conhecido depois do personagem criado pelo humorista Chico Anysio em sua homenagem – estava exultante com o resultado do leilão do Campo de Libra, ocorrido quatro dias antes. A maior área de pré-sal do Brasil tem reservas estimadas entre 8 e 12 bilhões de barris. O leilão foi criticado por ter regras draconianas para formação dos consórcios, ter afastado empresas reputadas e ter sido arrematado pelo lance mínimo. “Quem fala mal é porque quer polemizar ou não entende nada do assunto”, disse. “Nunca ouvi tanta besteira.”
Aos 78 anos, baixo, ágil e um poço de discrição, Ueki é um requisitado consultor da área de energia. Segundo ele, desde que deixou o governo evita consultorias em solo nacional. Seus clientes são empresas estrangeiras com vistas a negócios além-mar. Gente do ramo aposta que Ueki ainda nada de braçada no mar do ouro negro brasileiro.
Ele também é sócio de empresas de reflorestamento, de produção de fertilizantes, de suplementos vitamínicos para incrementar a produção de leite em vacas, de uma fábrica de resinas e até é dono de um restaurante japonês – o Shintori, em São Paulo –, administrado por seu filho. Quando lhe sobra tempo, Ueki percorre o país ministrando palestras, cuja remuneração – ele contou – é doada para a caridade. “Mas é coisa pequena. Se me pagassem igual ao Fernando Henrique e ao Lula, eu largava tudo.”
Durante décadas, foi perseguido pelo boato – espalhado, segundo ele, pelo jornalista Helio Fernandes, da Tribuna da Imprensa – de que seria dono de poços de petróleo no Texas. Ele apertou os olhos – que se transformaram em dois risquinhos –, abriu um sorriso largo e falou sem alterar o tom de voz. “Meu amigo Rolim Amaro sempre me disse: ‘Não conteste. Quando o absurdo é muito grande, é melhor ficar calado.’” Ele atribui a fofoca ao fato de os dois filhos terem ido morar em Austin, onde cursaram faculdade. “Foi uma questão de segurança. Recebíamos ameaças de morte por telefone, era coisa muito pesada”, contou.
Quando fala sobre Libra, não esconde o entusiasmo. “Eu achava que não ia aparecer ninguém, mas quando vi o consórcio formado, fiquei muito contente”, disse. O campo, na Bacia de Santos, será explorado em conjunto pela Petrobras, pela anglo-holandesa Shell, pela francesa Total e pelas chinesas CNOOC e CNPC.
Segundo Ueki, o consórcio é perfeito para os interesses do Brasil. O risco de inadimplência, ele disse, é zero – já que as empresas juntas faturaram mais de 1 trilhão de dólares no ano passado. No que diz respeito à tecnologia, idem. Ele citou que a Shell é pioneira em exploração em águas profundas desde a década de 70, e a Total foi a responsável pela invenção do tubo de aço flexível, essencial para a perfuração em águas profundas. “E as duas empresas chinesas querem ver o petróleo saindo o mais rápido possível porque têm forte dependência externa e não estão preocupadas com lucro.”
Quando ouviu o potencial candidato tucano à Presidência, Aécio Neves, dizer que o leilão havia sido um “fracasso”, ele contou ter ficado revoltado. “Olha, não conhece o assunto, é melhor ficar calado”, disse. Segundo ele, os brasileiros deveriam agradecer a ausência de empresas de países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, como a Venezuela, a Arábia Saudita e o Catar. “Eles fazem cartel. Têm como estratégia deixar a produção baixa para manter os preços altos. Certamente, iriam querer ver o petróleo do pré-sal à distância”, comentou.
O mesmo sobre as americanas, como a Chevron e a ExxonMobil. “A prioridade deles é produzir o gás de xisto, o que pode fazê-los deixar de ser importadores para virar exportadores mundiais. Petróleo do pré-sal é concorrência.” Ueki disse ter apenas uma dúvida: se o custo da produção de Libra vai compensar o preço pelo qual será vendido. “Mas isso não dá para saber”, comentou.
O mérito do leilão, segundo ele, deve ser atribuído à presidente Dilma Rousseff. “Eu não sou petista, mas ela en-ten-de desse assunto”, disse enfatizando as sílabas. “Não sei se fizeram de propósito, mas espantar várias empresas grandes foi ótima estratégia”, disse. Espontaneamente, passou a elogiar o Mais Médicos (“Só posso aplaudir”) e o Bolsa Família (“Mudou o país”). Uma coisa ele não perdoa: “Acho o fim da picada manter o preço da gasolina para segurar a inflação.” Quando ouviu a pergunta se estava se tornando petista, ele arregalou os olhos. “Petista, não! Mas a presidente virou as costas para os radicais e fez a coisa certa.”
Em junho de 2010, Ueki recebeu o Prêmio Top Etanol, o principal reconhecimento de lideranças que contribuíram para o desenvolvimento do setor. Na plateia, estavam Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, na época os três principais candidatos à Presidência. No final da solenidade, Ueki foi abordado por Serra – que quis saber se havia discursado bem — e por Dilma. “Quando ela se aproximou, eu fiquei pensando: eu era governo quando ela estava presa”, disse. “Imagina o que ela devia pensar de mim? Só coisa horrível, né? Mas eu também pensei muito mal dela na época: terrorista, assassina, essas coisas.”
Dilma quis saber se ele era Ueki, ao que ele consentiu com a cabeça num típico gesto nipônico. Em seguida, ela disse que gostaria de dar-lhe parabéns por tudo o que ele havia feito pela Petrobras. “Aí, eu fiquei fã dela, né?”, contou Ueki, sorrindo. “Todo mundo é meio egoísta, não tem jeito, mas fiquei fã. Fazer o quê?”
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