Ação apressada de topo de prédio pelo grupo ANTBOYS. Quando o céu começa a clarear e a cidade acorda, o risco de ser avistado pendurado e escrevendo, aumenta muito FOTO: CHOQUE PHOTOS
Na corda bamba, mano
Choque Photos | Edição 47, Agosto 2010
Como alguém conseguiu rabiscar lá em cima? – se espanta o paulistano preso no engarrafamento, quando olha entediado para uma das muitas pichações no topo de algum prédio muito alto. Esse “como” é a ação, uma das características fundamentais da arte urbana de letras e frases – a chamada pichação, ou pixo, na fala de quem é do meio. No começo dos anos 80, os pichadores se limitavam ao rolê de chão: equipado com balde de tinta, rolo de espuma e muita atenção para evitar a polícia, o pichador espalhava pela cidade a sua mensagem, com os dois pés firmes no chão.
Hoje, o balde, o rolo e o olho-vivo permanecem, mas a pichação se adaptou às transformações da cidade. Foi subindo cada vez mais alto pelas paredes e completou trinta anos com um repertório de ações cada vez mais arriscadas. Na cadeirinha, um rapel improvisado, o pichador desce do topo do prédio pendurado em uma corda enquanto dois companheiros encarapitados no alto fazem contrapeso. No circense pé nas costas ou jeguerê, que envolve duas, três e até quatro pessoas, o pichador conquista altura subindo na escada formada pelas costas dos companheiros. A ação janela de prédio consiste em alcançar a fachada por meio de uma janela e escalar o prédio por fora, andar por andar. Um companheiro sobe nas costas do primeiro, dá o impulso e se pendura na janela do andar imediatamente acima. O que ficou embaixo galga as pernas do que está pendurado, dá um impulso, se pendura no próximo andar e assim vão subindo. Na topo de prédio, o pichador escreve pendurado de ponta-cabeça na parede externa do último andar, só ou assistido por um companheiro. Na ação mais difícil e perigosa, a escalada, os acidentes são mais frequentes: o pichador solitário sobe ou desce a extensão da parede do prédio pelo fio do para-raios, escrevendo com uma mão enquanto se sustenta com a outra.
Numa relação íntima com a arquitetura, é a parede que determina o tipo de ação e de escrita. Cada fachada exige que o pichador ganhe uma nova senha, isto é, que estude detalhadamente a estratégia da escalada, da descida e principalmente as rotas de fuga. Coragem e planejamento não bastam. Para merecer respeito, um pichador deve ser capaz de traçar a assinatura com o rolo, pendurado precariamente no escuro, seguindo regras muito precisas. O desenho característico das letras da pichação é inspirado nas runas anglo-saxônicas e nos logos das bandas de heavy metal, punk rock e hardcore. Na pichação paulistana, a letra bem-feita deve ter altura e largura uniformes, desenho constante e estar perfeitamente alinhada no topo e na base. Se desenhado rigorosamente dentro dos padrões, o caractere do pixo terá qualidades tipográficas similares à das fontes criadas por designers profissionais.
Estima-se que, em São Paulo, atuem mais de 7 mil grupos. Cada um deles procura desenvolver um estilo característico e inconfundível de assinatura, reconhecível pelos pares. Autoria é assunto da maior importância e nos encontros semanais no centro de São Paulo, integrantes dos vários grupos trocam “folhinhas”, páginas de papel com desenhos de assinatura, que são arquivadas cuidadosamente. Isso serve para divulgar o estilo e garantir que, quando o nome aparecer lá no alto, não se tenha dúvidas quanto à autoria. A boa pichação é visível, arriscada e reconhecível. Mas não por todos. A maioria dos pichadores vem da periferia de São Paulo e opera de noite. Quando a cidade acorda, dá com berros gráficos claríssimos e ilegíveis. A cidade vê, mas não entende. A periferia bate o olho e já entendeu tudo.
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