ILUSTRAÇÃO: DESENHO DE LUCIO COSTA_ACERVO CASA DE LUCIO COSTA
Na Glória
Augusto Massi | Edição 107, Agosto 2015
NOSSA SENHORA DA GLÓRIA DO OUTEIRO
Te vejo do avião
Te vislumbro do Aterro
Pela janela do táxi
Do morro de Santa Teresa
Do quarto dos fundos do hotel
De uma rua qualquer no Catete
Te rodeio
Fixa na noite
Te revejo no Ermitão da Glória
Nas páginas de Quincas Borba
Irmandade do tempo
Limite da memória
Tuas ladeiras
Teus recados
Teus recessos
Leve, leve, leve,
Me leve de volta
Talismã da história.
NOTURNO DA GLÓRIA
Às quatro horas da manhã
caminho
entre as árvores do Aterro.
Mar agitado de mim mesmo.
Eu,
(a quem a memória não traiu)
cão teimoso,
farejando fúria,
combustão, saudade.
Noite adentro,
em meio à hemorragia de nuvens,
abismos de abril.
Caminho
contra a ventania
varrendo ruas,
espalhando pessoas.
Cruzo,
em alta velocidade,
o túnel de uns olhos
rumo à antiga noite.
Sobre escombros,
transitivo,
avesso a tudo,
(quase fora do alcance)
longe,
lá longe,
caminho.
Às quatro horas da manhã,
entre as árvores do Aterro,
luto
contra um mundo esquivo,
contra tua ausência,
incompreensível,
latejando dentro da noite.
HOTEL GLÓRIA
Precipitando tua presença,
dezembro insinua-se pelo tato:
cotovelo de rua, entrada da baía,
nudez mergulhada no quarto.
A janela aberta sobre a marina
modula linhas de fuga no corpo
(passam olhos pelas tuas costas),
num fraseado bem bossa nova.
A tarde tomba vertiginosa,
recorta morros pelo ombro,
desce por encostas barrocas,
contorna tua cintura carioca.
O verão se alastra selvagem,
radioso, lateja, sangra, vaza,
desorbita, arremete: vem!
Disjecta membra da ressaca.
Ex-voto na capelinha da Glória,
lavrado no outeiro do teu corpo.
Lá fora, o sol é mera dedicatória.
11 dezembro 1998
RELÓGIO DA GLÓRIA
Quando o galo das trevas
disparou contra as têmporas da noite
maio soletrou suas primeiras sílabas de pólvora.
Ao lado do pé de fícus,
sob o relógio da Glória,
a morte cravou suas esporas.
O mundo bateu em retirada.
Pedro Nava foi embora.
URCA
Vento persuasivo da tarde,
sintaxe límpida do outeiro.
No primitivo quebra-mar:
onda maleável do desejo.
Prosa ensolarada dos seios,
Urca seduzindo o Aterro.
HOTEL NOVO MUNDO
Na cerração do quarto
um corpo descobre
outro
Na arrebentação da cama
um corpo cobre
outro
Na cabeceira da noite
um corpo
outrora