O crítico teatral Anatol Rosenfeld com a filha da fotógrafa Hildegard Rosenthal. A experiência de caixeiro-viajante inspirou escritos que provocaram a comunidade judaica a que pertencia FOTO: HILDEGARD ROSENTHAL_ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
Na montanha-russa do século
Paradoxos do progresso em Corumbá aos olhos de um intelectual refugiado do nazismo
Roberto Schwarz | Edição 85, Outubro 2013
Anatol Rosenfeld morreu há quarenta anos, em 1973, tempo mais do que suficiente para que um professor de literatura seja esquecido. Não foi o caso dele, cuja obra continua viva, especialmente no meio teatral, em que os seus estudos sobre o teatro épico, os escritos de Brecht e o movimento cênico dos anos 60 e 70 se tornaram clássicos e fazem parte da dieta intelectual da nova geração. Com menos presença, mas qualidade igual, os demais ensaios sobre literatura também continuam a ser lidos, sendo que alguns são bibliografia obrigatória. Penso particularmente nas “Reflexões sobre o romance moderno” e no trabalho sobre “Mário e o cabotinismo”, ambos publicados em Texto/Contexto, um dos bons volumes de ensaio em nossa literatura. Hoje, graças à tenacidade da Editora Perspectiva, a obra completa de Anatol está editada e disponível.
Para evitar a nota acadêmica, que não combinaria com os fatos, quero começar pelas circunstâncias desfavoráveis, ou melhor, catastróficas, em que se deu a vinda dos intelectuais refugiados ao Brasil. Quando chegou, em 1937, Anatol – que era judeu e de esquerda – tinha 25 anos, acabava de escapar por pouco a uma intimação da polícia nazista, que podia significar a morte, e deixava para trás, provavelmente para sempre, um doutorado semifeito sobre o romantismo alemão, na Universidade de Berlim. Também a hospitalidade brasileira, que mais adiante seria generosa, inicialmente foi relativa, sem contar que o país, naquele ano de 1937, estava se tornando por sua vez uma ditadura, embora incomparavelmente menos drástica do que a europeia. Na época, a orientação oficial quanto aos imigrantes era aproveitar o braço estrangeiro na lavoura, possivelmente para proteger da concorrência o emprego dos trabalhadores já instalados nas cidades. E, de fato, Anatol começou trabalhando na enxada, numa fazenda no interior do estado de São Paulo, onde seu serviço consistia em arrancar pragas de uma plantação de eucalipto novo. Como ele mesmo gostava de contar, a tarefa era um problema, pois ele não sabia distinguir entre a muda da planta e a praga que devia eliminar.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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