No fim de sua viagem, Sophia de Mello Breyer escreveu: “Aquilo que no Brasil é português comove-me, mas aquilo que no Brasil é universal exalta-me, como progresso para um novo humanismo” CREDITO: ACERVO PESSOAL
No centro do reino de Ártemis
A viagem da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen ao Brasil
Eucanaã Ferraz | Edição 159, Dezembro 2019
“Tomando banho de mar em Copacabana a famosa poetisa portuguesa Sofia [sic] de Mello Breyner Andresen, ora no Brasil, a convite do Itamarati [sic].” A nota no diário carioca Tribuna da Imprensa, coluna Fatos e rumores, assinada pelo eminente jornalista Hélio Fernandes em 10 de junho de 1966, dá a ver algo bem mais prosaico do que as imagens extraordinárias de versos como: As ondas quebravam uma a uma/Eu estava só com a areia e com a espuma/do mar que cantava só para mim. Em vez da solidão absoluta, ao mesmo tempo silenciosa e ritmada, desponta a orla ruidosa de Copacabana, nome inscrito no imaginário brasileiro e mundial como símbolo de urbanidade, com seu glamoroso hotel e sua calçada de pedras portuguesas. Sophia terá percebido que as ondas calcárias em preto e branco repetiam de Lisboa o desenho Mar Largo na Praça do Rossio? Não é difícil imaginá-la de maiô, chapéu, óculos escuros, a reservada poeta de Coral, que decerto se supunha anônima ali, mas cujo banho de mar convertera-se em carioquíssima nota social.
Tinha então 46 anos. Desembarcara no Rio de Janeiro havia aproximadamente um mês, no dia 12 de maio, convidada pelo Itamaraty. Um telegrama da Divisão de Difusão Cultural da Embaixada do Brasil em Lisboa para a Secretaria de Estado das Relações Exteriores (sede do Itamaraty no Brasil), datado de 4 de maio de 1966, quarta-feira, e transmitido às 17h55, consigna que a escritora, atendendo ao convite que lhe fora feito, viajaria num voo da Varig para o Brasil, onde se demoraria um mês. Assina Aguinaldo Boulitreau Fragoso, na época embaixador do Brasil em Portugal. Segue-se um segundo telegrama, de 11 de maio, quarta-feira, 14h15, com idênticos remetente e destinatário (os documentos se encontram no arquivo do Itamaraty, em Brasília):
Escritora e poetisa Sophia Mello Breyner Andresen atendendo convite Governo brasileiro segue hoje onze à noite pela Varig para o Rio. Encabeço significação dessa visita que deverá prolongar-se por um mês de acordo com programa que vier a ser organizado pela Secretaria Estado. Senhora Andresen é figura primacial na vida intelectual portuguesa contemporânea sendo de destacar que mediante programação prévia seja posta em contato com seus colegas brasileiros e lhe seja facultada uma visita coordenada aos principais centros culturais e universitários do país.
Não havia, portanto, programa definido; datas, nomes, endereços seriam acertados depois da chegada. Mais importante era que a agenda correspondesse à estatura da “escritora e poetisa”. Assim, a visita, ainda que encaminhada por vias diplomáticas, parece ter transcorrido desde o início de maneira muito livre.
Sei de apenas três comparecimentos aos “principais centros culturais e universitários do país”. Os dois primeiros foram registrados pela própria Sophia num caderno que não chegou a ser uma agenda, tampouco um diário de viagem:[1] no dia 1º de junho falou às 9 horas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) sobre o tema “Poesia e realidade” e às 14 horas, na Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), sobre “A poesia na unidade do homem”.
Na PUC, o encontro foi no Departamento de Letras, onde conversou com os alunos de literatura portuguesa da professora Cleonice Berardinelli. A autora correspondeu perfeitamente à imagem que dela faziam os estudantes: “Idealizada à imagem e semelhança de seus versos, tinham diante de si uma bela figura feminina, harmoniosa e serena”, lembra Dona Cléo, acrescentando que Sophia, “sem se fazer rogar, falou sobre sua criação poética e disse poemas com uma voz quente e branda, musical e envolvente. Às perguntas curiosas dos jovens respondeu sem desvios, sem disfarces, lisa, livre, limpa, para usar adjetivos que habitam suas páginas e bem a definem.”[2]
Não descubro informações sobre a palestra na Universidade do Brasil, mas sei que o terceiro encontro ocorreu no dia 8, já no final da estadia, quando Sophia discursou e leu poemas na Academia Brasileira de Letras. A sessão foi pouco concorrida, pois contou com a presença de apenas sete dos quarenta acadêmicos. O presidente da instituição, Austregésilo de Athayde, lamentou o baixo comparecimento e justificou-o, dizendo que a sessão fora antecipada devido a um feriado no dia seguinte, louvou a “maior poetisa de Portugal”, queixou-se do fraco intercâmbio cultural entre os dois países, não sem observar que a academia era também uma casa lusitana, citou João Cabral de Melo Neto e Cecília Meireles, e, por fim, ao pedir que Sophia tomasse seu lugar, arrematou com a afirmação de que todos ali a admiravam e amavam – referia-se aos pouquíssimos presentes e aos muitos ausentes. A homenageada fez um breve balanço de sua estadia no país e acrescentou:
Eu creio que a melhor maneira de me exprimir é ler dois poemas, um dedicado a Manuel Bandeira, onde está sintetizada a minha grande admiração, minha apaixonada admiração pela poesia brasileira; e outro poema que escrevi sobre Brasília, onde realmente tentei exprimir a emoção do meu encontro com Brasília. Vou ler estes dois poemas que trouxe, e esta será a minha maneira de agradecer a honra que me deram dentro desta academia.[3]
É possível que Sophia tenha visitado outros centros de ensino e cultura, interessada por aproximações que, suponho, fossem mais íntimas do que cerimoniosas. Também não é difícil conjecturar que os dias fluíram sem muitos planos, ao gosto das novidades, conforme a vontade da hora, ao acaso das conversas. Mas, se os jornais quase nada assinalaram das prováveis visitas a entidades educativo-culturais, não descuidaram do registro das homenagens festivas, daí resultando algumas notas de sabor especial.
No Correio da Manhã de 22 de maio, a seção Vamos Falar de Mulheres, assinada por Ylcléa, fez o seguinte registro sob o título Visita Portuguesa:
Passando curta temporada no Rio, a poetisa Sophia de Mello Breyner tem sido imensamente festejada.
Domingo passado, José Paulo e Adalija Moreira da Fonseca reuniram para drinks em sua casa amigos brasileiros e portugueses da poetisa, em noite que se esticou até a madrugada com muita alegria e inteligência reunidas. E, na terça, foi Bob Cy Carvalho Silva quem homenageou Sophia com reunião íntima, promovendo encontro da poetisa com escritores brasileiros, entre estes Elsie Lessa, Millôr Fernandes e Flávio Rangel.
O colorido típico do estilo das colunas sociais dos anos 1960 aparecerá mais vibrante no dia 12 de junho, quando a mesma Ylcléa se refere a duas outras festas em torno de Sophia. A primeira nota, intitulada À Moda Portuguesa, assinala a homenagem prestada pelo decorador dom Fausto Albuquerque, que “recebeu para jantar – feijão branco com pernil à moda portuguesa – em seu bem decorado apartamento, reunindo poetas e escritores brasileiros e portugueses”.
A segunda nota, com o título Um Mergulho no Passado, diz:
Também a senhora Anna Amélia Carneiro de Mendonça homenageou a poetisa portuguesa com uma recepção, terça-feira passada, reabrindo os portões do velho e tradicional casarão do Cosme Velho, em noite que lembrava uma página de Machado de Assis. Entre os presentes: Paulo Celso e Stella Moutinho, Lêdo Ivo, Stella Leonardos e a cantora Luiza de Albuquerque. Durante a reunião foram servidos doces típicos brasileiros e a dona da casa leu fragmentos de tradução que fez de Hamlet, sua filha Barbara Heliodora declamou outros trechos e Sophia leu alguns de seus poemas.
Retratos de nossos imperadores presidiram a recepção, que lembrava um delicioso sarau de outros tempos com poesias extremamente modernas.
No extremo oposto da frivolidade de tais apontamentos, o esplêndido Poema de Helena Lanari inscreverá na obra de Sophia sua passagem pelo Rio de Janeiro, cidade que nele comparece, digamos, subentendida no modo de falar da amiga recente.
Contudo, antes de chegar ao Rio Sophia passou pelo Recife, ou melhor, pelo aeroporto da cidade.
Voo da Amizade era o nome algo sentimental para um serviço aéreo exclusivo ligando Brasil e Portugal operado entre 1960 e 1967 graças a um acordo entre as companhias aéreas TAP (Transportes Aéreos Portugueses), Panair do Brasil (até 1965) e Varig (de 1965 a 1967). O serviço se distinguia pela venda de passagens por um preço mais baixo para cidadãos brasileiros, portugueses ou estrangeiros com residência permanente em um dos dois países; não havia senão classe turística, e as refeições eram servidas nos restaurantes dos aeroportos durante as escalas para reabastecimento. A viagem seguia a rota Lisboa, Sal (ilha do arquipélago de Cabo Verde, então província ultramarina portuguesa), Recife e Rio de Janeiro.
Sophia escreveu sobre o voo que a trouxe. As três folhas manuscritas com caligrafia de difícil legibilidade, depositadas no espólio da poeta, permanecem inéditas. São impressões que avançam para além da descrição do momento e das respostas imediatas a ele. O relato inicia de modo estritamente circunstancial, mas logo se converte numa reflexão sobre a descontinuidade entre o “pensamento lógico” e o “pensamento profundo”. Tal desequilíbrio dá o tom de humour ao quadro, que oscila entre o trivial e a íntima sensação de absurdo; ou entre, de um lado, a aceitação de um inescapável mundo artificial, desprovido de sentido, no qual todos os gestos humanos parecem mecânicos, daí ridículos, e, de outro lado, a consciente e obstinada reação àquela falta de sentido que a morte acidental, em última instância, confirmaria. Por conseguinte, em vez da tragédia – quando estão em cena redes de significados que entrelaçam vida e morte, o humano e as leis que o transcendem, o indivíduo e a comunidade –, sobreviria o rebaixamento absurdo, cômico, a vida submetida ao acaso. Eis o texto:
A viagem pareceu-me extraordinariamente comprida voando direto ao coração da noite. Mergulhávamos num azul cada vez mais insondável e profundo. Do outro lado do mar a terra parecia estar longe demais para poder ser atingida.
A leve angústia do terror suspenso dobrava o tempo e era como um finíssimo arame atravessado na nossa garganta.
Os motores trabalhavam sem descanso cumprindo a sua tarefa exaustiva. Eu auscultava o seu rumor. Também no circo se diz: “Qualquer distração pode causar a morte do artista.”
Voava. Estava suspensa. O terror vive dentro de nós policiado e escondido, mas espera a menor frincha para poder surgir. Sabemos sempre que alguém nos pode apunhalar no meio da noite. Sabemos que o chão pode tremer e abrir-se. Sabemos que a terra equilibrada na matemática das nebulosas se pode despenhar de repente nos espaços.
Estávamos suspensos. O avião, às vezes, de súbito tremia e afundava-se no poço de ar. Parecia que íamos cair indefinidamente. Mas também sabíamos que isso era só um parecer, um parecer desmentido pela ciência, sabíamos que os poços de ar não são infinitos. O que nos assustava não era o perigo, mas sim a presença subitamente desvendada daquela coisa impensável a que chamamos o vazio.
Sabíamos que os aviões não caem. Isto é: caem tão pouco que é como se não caís-sem. As estatísticas são eloquentes. Um automóvel numa estrada enredado em curvas, cruzamentos e ultrapassagens corre muito maior perigo. Mas a hipótese é muito mais assustadora do que o perigo. As coisas cientificamente calculadas produzem uma angústia especial. O nosso pensamento lógico aceita as suas leis, mas o nosso pensamento profundo, o pensamento que é a nossa substância, não as identifica nem as reconhece.
As pessoas falavam em voz baixa como num velório. Mexiam-se com cautela como se tivessem medo de se partir. Algumas passageiras arvoravam um pequeno sorriso estoico como quem, com muita dignidade, caminha sobre picos. O avião subia e descia como uma aranha suspensa no fio. O fio parecia fino, o fino fio do acaso puro. O esguicho de ar-condicionado trazia-me uma frescura sintética.
E assim como numa noite antiga houve uma mão que escreveu na parede Mane, thecel, phares, também agora me parecia ver escrito no ar o verso de Carlos Drummond de Andrade: “Caio subitamente e me transformo em notícia.”[4]
Tentei olhar para fora, para a noite. Mas além de que não se via nada do ritmo das coisas, o surdo ritmo dum grande coração batendo não me podia confortar. Porque eu estava separada. Estava num mundo que não tinha nada a ver com o ritmo das coisas. Um pequeno mundo de máquinas, motores, fios, alumínio e parafusos, um pequeno mundo desligado e suspenso. O mundo não religado. Tudo navegava rente ao acidente. Por isso tinha medo. Porque o acidente é aquilo que não foi escolhido. Aquilo que intrinsecamente não é nós.
Aceitamos morrer – mas não por acidente.
Queremos que a nossa morte responda ou a um ritmo cósmico ou a um plano de salvação.
Encontra-se aqui um tema fundamental de Sophia: o afastamento do “ritmo das coisas” em contraste com o desejo de religação a um plano cósmico. Cabe observar as duas citações que, apesar das origens diversas, aqui se equivalem. A primeira é oriunda do Antigo Testamento. O livro de Daniel em seu quinto capítulo conta que, durante um banquete oferecido pelo rei Baltasar, misteriosos dedos de mão inexistente escreveram na parede palavras enigmáticas, que Daniel, mais adiante, interpretou como profecia de uma desgraça que se abateria sobre o reino.[5]
No avião, o verso de Carlos Drummond de Andrade surge de modo semelhante, como se escrito no ar, convertido em presságio. Baltasar fora castigado porque na grande festa que dera em seu palácio bebera com seus convidados em vasos de ouro e de prata, e todos “louvaram os ídolos deles, feitos por mão humana, mas não louvaram o Deus eterno que detinha a autoridade sobre o espírito deles”.[6] De modo análogo, o avião, “pequeno mundo de máquinas, motores, fios, alumínio e parafusos”, era também uma festa na qual tudo – inclusive a desejada segurança, certificada pelas “estatísticas” – era um encômio exclusivo à tecnologia, sem lugar para uma autoridade que respondesse pelo “ritmo cósmico” ou por um “plano de salvação”. Mas, como se emergisse do vazio no ato mesmo da escrita, um outro fio, pleno de significações, simbolismos, memórias, ata a poesia moderna e a antiguidade bíblica, ainda que o vaticínio drummondiano irrompa para predizer a funesta consequência daquela festa sem Deus, arremedo de “circo” e de “velório”.
O avião, entretanto, não desponta apenas nessa prosa de circunstância, já que surpreendentemente frequentou os versos de Sophia. Surge pela primeira vez em Geografia, livro marcado por viagens, entre elas a que a trouxe ao Brasil: Na noite de luar o avião passa como um prodígio/Rápido inofensivo e violento (Os Aviões); a aeronave rompe a calma da noite e o ritmo doméstico, até que desaparece, e tudo volta à paz lunar e silenciosa; todavia, a descrição logo se converte em reflexão, a particularidade é substituída pelo plural, “aviões”, e aquilo que era “inofensivo”, ainda que “violento”, ganha um caráter terrível e letal: Porém noutro lugar noutro silêncio/Bandos passaram em voos de terror/E a morte nasceu dos ovos que deixaram. Em outros céus, portanto, os “aviões” são máquinas de guerra, aves monstruosas que procriam.
Quatro livros adiante, em vez de coisa contemplada e meditada, o avião será de novo máquina de viagem, na qual o sujeito está diretamente implicado. O poema de Ilhas traz à cena o amigo Ruy Cinatti, que chegando de navio viu a terra emergir dos longes da distância/no lento aproximar (Ilha do Príncipe); já os versos que abrem a segunda estrofe, contrastantes, asseveram: Eu cheguei mais tarde no ronco do avião/Na bruta rapidez.
Em entrevista, Sophia resumirá seu incômodo com os voos, afirmando que “no avião uma pessoa é empacotada de um lado para o outro”.[7]
O sexto número da revista Relâmpago, de outubro de 2001, traz um poema inédito, apenas um terceto, que afirma: Amanhã voltarei ao ritmo solar/No céu azul os aviões passarão/Quasi devagar (Aviões). Se mais uma vez encontramos a incompatibilidade entre os ritmos da máquina, com sua “bruta rapidez”, e o tempo da natureza, vigora aqui a expectativa de que no dia seguinte os aviões serão percebidos de outro modo, porque o sujeito estará em sintonia com o “ritmo solar”, um tempo reencontrado, a partir do qual todas as coisas à volta se modificarão.
Andresen aterrissou no Recife no dia 12 de maio, provavelmente em torno das duas da manhã, horário em que a aeronave costumava parar ali para reabastecer, antes de chegar ao Rio de Janeiro, permanecendo por quase uma hora. No dia seguinte, enviou um cartão-postal para sua mãe: “Fiz muito boa viagem. Cheguei no Recife numa madrugada espantosa, quente e roxa.” Também não demoraria a dar notícias ao amigo Jorge de Sena, pois já no dia 13 escreveu-lhe uma carta em que registrou: O Rio é lindo mas a maior impressão que recebi foi desembarcar no aeroporto do Recife, a madrugada roxa, o calor roxo, o perfume roxo da terra, fruta, flor. Senti-me mergulhada em pleno Lautréamont. Vê-se bem que do cartão-postal para a carta a descrição ganhou pormenores e sobretudo se intensificou: o roxo da madrugada quente se irradia e o próprio calor ganha cor, torna-se roxo, assim como os perfumes da terra e do que nela brota. São descrições de grande síntese e força plástico-sugestiva, cujos termos retornariam adiante, como na entrevista concedida a Walmir Ayala, publicada no Segundo Caderno do jornal Correio da Manhã, no dia 28 de maio: Nas minhas viagens pela Europa fui ver terras. Ao Brasil vim ver a terra. O desembarque no Recife, numa madrugada roxa, onde havia um perfume roxo a húmus, flor e fruta, foi verdadeiramente a descoberta de um mundo novo. Impressiona nas três passagens a mesma redução monocromática, que num movimento oposto ao da concentração propaga-se numa exuberância sinestésica que permanecerá na memória como assombroso encontro com “a terra”.
Em carta para João Cabral de Melo Neto, de 30 de janeiro de 1967, enviada de Lisboa, todas as referências anteriores não apenas se somam como se intensificam pela explicitação do aspecto religioso daquela visão, quando tudo evocava a própria origem do mundo, e ver não era menos que uma vinculação imediata com o divino:
Numa madrugada roxa de maio pisei religiosamente a terra do Recife. Estava um calor úmido e roxo de Gênesis. Uma maravilha. Parecia um poema do Lautréamont. Havia uma espécie de medusa no ar. Bebi no bar do aeroporto um sumo duma fruta que também sabia a roxo, um sabor extraordinário. Senti-me no reino de Ártemis, deusa da natureza inviolada.[8]
Muito antes da vinda ao Brasil, em seu segundo livro, Dia do Mar, Sophia, exímia construtora de paisagens, elabora a visão de um “perfil roxo das montanhas” (Vi). O efeito da luz sobre a terra dará lugar, em Mar Novo, a uma imagem aquática: “um noturno mar roxo de peixes” (Cais). Se O Cristo Cigano traz outra vez a hora noturna e a água, o ambiente é agora pluvial: Ao longo do rio a noite acende as suas luzes/Roxas verdes azuis (VI – A Solidão). Em Livro Sexto, deparamos com “o azul do mar e o roxo da distância” (O Hospital e a Praia) e com uma marinha “gruta roxa e rouca” (Gruta do Leão). Efeitos cromáticos magníficos surgem em Geografia, resultantes da reversibilidade entre literatura e natureza – E Homero fez florir o roxo sobre o mar (Crepúsculo dos Deuses) – ou da indiferenciação entre sujeito e paisagem, o que faz com que a “gruta” marinha de Livro Sexto se transforme em caverna no próprio corpo e ali a submersão encontre mais uma vez o roxo, revelado num amálgama de matérias, afeto, som, luz e sombra: Mergulho até meu coração de gruta/Rouco de silêncio e roxa treva (Manhã). Por fim, em O Búzio de Cós, assiste-se de uma varanda ao tempo da natureza, na natureza, quando “setembro” se prolonga “em mil estátuas” tingidas de “roxo azul” (Varandas).
Talvez fosse possível ler as obras dos poetas averiguando a presença ou a ausência de determinadas cores; o maior ou o menor comparecimento delas; como se agregam umas às outras; a que matérias estão associadas; enfim, como o cromatismo entra na composição das imagens e que significados engendram então. Se uma mirada breve não poderia dar conta da assiduidade e da relevância do branco na obra de Sophia, mesmo assim não seria difícil reconhecer de imediato o quanto está integrado aos domínios da casa, da paisagem marinha, da geometria luminosa, da razão, da liberdade e do silêncio. A presença da cor roxa, por sua vez, surpreende. Mas, se os exemplos não são muitos, não são desprezíveis, já que mostram o alcance dessa espécie de paleta da escrita, na qual o roxo liga-se a uma natureza misteriosa, selvagem, áspera, mais próxima do negror que da brancura, compondo atmosferas que sugerem o ininteligível, paisagens emocionais onde a luz não atenua ou suaviza, antes destaca a intensidade.
O formidável e roxo crepúsculo matutino no aeroporto do Recife foi uma entrada fantástica no Brasil. A estadia no Rio de Janeiro transcorreu sem espantos daquela ordem, ainda que Sophia tenha se referido às belezas naturais desta cidade. Mas, na já citada carta a Jorge de Sena, todas as impressões parecem fundidas, como se a experiência sensitiva daquela aterrissagem não cessasse de constituir – como uma memória em ação – o presente das futuras paisagens: Do Brasil ainda vi pouco: só alguns passeios e alguns escritores. Mas adoro este cheiro a madeira e a fruta e esta paisagem tão grande e deslumbrante que a cidade não a consegue destruir.[9]
Sena, diferentemente da amiga, conhecia bem o Brasil e os brasileiros, a vida intelectual e os avessos das primeiras comoções, enfim, um conjunto de experiências filtradas por seu temperamento mais arredio e pelas marcas de seu primeiro exílio, passado em São Paulo de 1959 a 1965. Por isso, a pressa de ponderar em sua resposta, de 21 de maio: Mas não se deixe prender pelo exotismo do Brasil – respire, por trás dele, uma humanidade que tem muitos defeitos portugueses, mas não perdeu alguma das qualidades.[10] Conselho inútil, decerto, pois o breve intervalo na madrugada roxa do Recife parecia ter contagiado o olhar de Sophia a tal ponto que não era mais possível respirar qualquer coisa “por trás dele”. Todo o vivido seria respirado com ele. Pouco contariam os defeitos e as qualidades da herança lusitana diante da experiência concreta com o lugar, quando o “exotismo” referido por Sena não seria uma sedutora ilusão a que se resistir, mas antes uma verdade a ser reconhecida, vivida e procurada. O termo “exotismo” não dá conta de tal processo.
As terras cariocas foram pródigas sobretudo em encontros literários, amizades, afagos. Retornada a Lisboa, a poeta volta a escrever para Sena, em 27 de junho, e então, ao resumir tudo o que vivera, faz os nomes das cidades desparecerem sob a ampla designação “o Brasil”, e então natureza, pessoas, mitos, nomes, literatura aparecem recortados e avizinhados numa operação espacial e temporal que é ainda memória em ação, porque com Sophia se deu o que acontece com todos nós: não apenas não podemos apagar as paisagens que nos constituem, como elas estão sempre em permanente combinação com o que vemos:
Adorei o Brasil – adorei as praias enormes, as praias de areia e seda e o mar de água levíssima quase gasosa e os montes azuis e as palmeiras e os coqueiros, e o perfume roxo de Ártemis. E adorei as pessoas e a simpatia e simplicidade das pessoas.
O Manuel Bandeira e o Carlos Drummond [de Andrade] receberam-me como uma irmã que vem de longe.[11]
Diante de tal síntese paisagística, vem a propósito assinalar que Sophia esteve em Cabo Frio e Arraial do Cabo, na chamada Região dos Lagos do estado do Rio de Janeiro, e é possível que suas lembranças litorâneas provenham daquela costa, coincidindo plenamente com o universo marinho de seus poemas, nos quais a beira-mar de sua infância e juventude no Porto, o mar grego e as praias do Algarve ora se desenham geograficamente delimitados, ora se diluem numa paisagem que os reúne num mesmo e único “mar”, numa “praia” que é todas as praias.
A crítica já observou o quanto a cidade guarda um sinal negativo na poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Em texto emblemático, Eduardo Prado Coelho detectou nos poemas dois inimigos decisivos: o tempo e a cidade. Esta “começa por ser o espaço do sujo e do ruidoso”,[12] conforme os versos: Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,/Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta (Cidade). Sob tal perspectiva, o Rio de Janeiro afigurou-se a Sophia como uma cidade em luta consigo mesma, tendo de um lado a natureza e de outro tudo o que à vida urbana se somou à custa de violentamente subtrair o ambiente natural. Vale talvez assinalar uma circunstância: as obras de duplicação da Avenida Atlântica tiveram início em 1965 e se arrastaram até 1971. Portanto, aquele banho de mar em Copacabana registrado pela Tribuna da Imprensa teve lugar numa orla que vivia os efeitos de uma drástica cirurgia urbana. Tal quadro faz mais eloquente esta avaliação: “paisagem tão grande e deslumbrante que a cidade não a consegue destruir”.
Em dezembro de 2012, a revista portuguesa Ler estampou um admirável texto em prosa que até então permanecera inédito.[13] Nele, Sophia relata a viagem de carro que fez do Rio de Janeiro a Brasília. De imediato, como se presumisse um leitor assombrado pela distância – mil quilômetros separam as duas cidades –, assevera:
A viagem de automóvel do Rio a Brasília não me pareceu comprida porque eu ia à procura da distância. A distância não era um contratempo, mas sim um valor em si mesmo.
Noutras viagens fui “ver terras”. Ao Brasil vim “ver a terra”, vim ver desdobrar-se o tamanho da terra.
Aqui estão as mesmas palavras que utilizaria mais adiante, na entrevista concedida a Walmir Ayala (“Nas minhas viagens pela Europa fui ver terras. Ao Brasil vim ver a terra”). De modo semelhante, o texto prossegue repercutindo o impacto vivido no aeroporto da capital pernambucana:
Foi no Recife, onde o avião em que vim de Lisboa parou 45 minutos, que pisei pela primeira vez o chão do Brasil. Na madrugada roxa, sob o grande céu roxo, povoado de enormes nuvens roxas, num calor roxo de Gênesis, bebi o sumo dum fruto desconhecido, e, ao lado do aeroporto, reconheci Artemisa, deusa da natureza inviolada.
O tema do avião também retorna. Praticidade, comodidade e rapidez são vantagens desprezadas diante da expectativa de uma viagem que se pode efetivar como experiência “existencial”, o que significa uma experimentação da paisagem, encontro íntimo e sensorial com a terra:
Quem vai do Rio a Brasília em geral toma o avião. Mas o avião é uma máquina abstrata que resume as distâncias, sintetiza as montanhas, geometriza os campos. Os países ficam reduzidos a cidades e perdem a ligação consigo próprios. Muito cômodo, mas pouco existencial. Eu queria viajar perto da terra para a ver bem, para ouvir a sua voz e o seu silêncio, para sentir a sua respiração e o seu perfume.
Parti do Rio ainda com noite e cheguei a Brasília por volta da uma da manhã.
Tal viagem só foi possível porque o país, desde o final da década anterior, investira no chamado “rodoviarismo”, e tanto a Rio-Belo Horizonte quanto a Belo Horizonte-Brasília, autoestradas construídas durante o governo de Juscelino Kubitschek e planejadas pelo célebre engenheiro Regis Bittencourt, eram exemplos acabados daquele modelo de desenvolvimento, combinado a circunstâncias históricas, econômicas e políticas peculiares, das quais Sophia talvez não tivesse conhecimento.
É sempre desafiador acompanhar a história do viajante. Por um lado, as bisbilhotices da biografia – limítrofe do interesse crítico em determinadas abordagens – topam com dúvidas insolúveis, lugares não sabidos, tempos desocupados, insuficiências de ordens e alcances diversos, e tais lacunas tanto podem se conservar irrelevantes quanto são capazes de influir sobre toda a escrita, mais ou menos como vazios que se mantêm em atividade, ou seja, que agem no interior de todo o texto. Por outro lado, a pesquisa pode considerar relevantes pormenores que, despercebidos pelo viajante, terão atuado em sua viagem de modo semelhante àqueles vazios que, na escrita, perduram em atividade.
Se, sob muitos aspectos, o Brasil vivia uma hora incerta, o país foi largamente generoso ao dar à poeta de Mar Novo aquilo que veio ver – “a terra”. A viagem de carro do Rio de Janeiro a Brasília como que prolongou as sensações vividas naquela aterrissagem no Recife. As vastidões ainda duravam à beira das estradas, e para expressar a visão de tais espaços invulgares era justo recorrer a outras paisagens, geograficamente divergentes, mas capazes de expressar semelhanças físicas e sensoriais. O “mar” será, por conseguinte, a única imagem possível para descrever o “sertão”:
Foi só depois de Belo Horizonte que começou o verdadeiro sertão, a distância lisa, a estrada vazia, a solidão a perder de vista como num mar. A vegetação baixa deixava o espaço aberto até aos confins do horizonte.
Mas o ermo magnífico não era incompatível com o povoamento, e a presença humana faria mesmo com que “a solidão” se manifestasse mais próxima, patente numa espécie de urbanidade rarefeita, na qual a vida era “vivida à boca do vazio”. O quadro composto por “uma bomba, uma casa e uma árvore com duas araras” exibe agudo sabor modernista, oswaldianamente pau-brasil. A locomoção confunde-se com o fluxo de um mundo em construção, ou em marcha, cujas paisagens se dão em processo, num espaço-tempo definido como “Aqui será”:
Seriam cinco horas da tarde quando paramos num posto de gasolina. Havia só uma bomba, uma casa e uma árvore com duas araras. Admirei a gente que vivia ali, sob aquele difícil sol de deserto e silêncio. Na sala do bar, nua e rudimentar, não estava mais ninguém senão o homem que serviu os refrescos. Imaginei aquela vida vivida à boca do vazio, na solidão só interrompida pela paragem dos carros apressados porque ainda têm de percorrer tão longa distância. Mas imaginei também a povoação que nascera casa por casa, a cidade que se construíra rua por rua. Porque estava nos lugares onde não se diz “Aqui foi”, mas “Aqui será”.
A certa altura, a monotonia dos grandes vazios interrompe-se por um pequeno acidente – um pneu furado –, o que Sophia considera “sorte”. Surgem então novos espaços e cenas, sob outra luz, tomados por outras cores; a experiência sensorial e afetiva faz com que se descole da memória tanto a mitologia quanto a literatura na composição de um quadro onde nada recorda já as sínteses alegóricas de Oswald de Andrade, reverberando antes as perambulações dos escritores do Romantismo:
Muito mais adiante, ao cair da tarde, a minha sorte foi tanta que furou um pneu. Em frente do arvoredo já escurecido e do grande céu vermelho do poente pude contemplar longamente a terra, a terra sozinha consigo mesma. E pude respirar o perfume virgem do reino inviolado de Artemisa.
De Norte a Sul de Leste a Oeste a solidão vibrava como uma corda elástica muito esticada. E sobre a sua vibração, aqui e além, a pequena conversa modulada dos pássaros escondidos pontuava o ar.
De repente à esquerda ouviram-se gritos e um barulho de galope e por sobre o arvoredo vi duas cabeças de cavalos e duas cabeças de rapazes. Vieram correndo até a estrada, mas na beira da estrada pararam. Os cavaleiros pareciam ter 13 ou 14 anos. Esperávamos que se aproximassem, mas permaneceram a distância. Guardaram sua reserva. Pareceu-me que estava a viajar através de um livro de Guimarães Rosa.
A paisagem rosiana emerge da memória à maneira de uma surpresa construída: o inesperado – motivo de admiração e espanto – surge integrado num tempo e num espaço de tal modo favoráveis à sua irrupção, que tudo – cada coisa, cada acontecimento – parece obedecer a uma ordem natural. Assim, “um livro de Guimarães Rosa” – a indefinição expressa pelo artigo instaura uma universalização – desponta na narração, assim como no momento de contemplação ouvem-se “gritos e um barulho de galope” e “por sobre o arvoredo” surgem “duas cabeças de cavalos e duas cabeças de rapazes”. A literatura equivale a um arquétipo, similar à terra que exala “o perfume virgem do reino inviolado de Artemisa”.
Brasília emergirá daquelas estradas sem fim, da solidão, das grandes extensões, do silêncio, do sertão, do “Aqui será”, de um mítico “reino inviolado”. O “mar” volta como paisagem-modelo, servindo a uma expressão que não se restringe à descrição naturalista, e dele surge Brasília, vagarosamente, do horizonte noturno, “como uma estrela”. A escrita é em si mesma uma contemplação em movimento:
Muitas horas depois no fundo da noite, da distância e da solidão Brasília surgiu, como uma estrela que se levanta no horizonte do mar. Foi crescendo devagar direita e lisa, destacando os seus volumes, desenhando as suas linhas, cada vez mais luminosa e fabulosa. É sabido que as cidades modernas, vistas ao longe de noite são feéricas. Mas Brasília é mais feérica. Os seus volumes lisos, as suas linhas direitas foram-se progressivamente destacando e subiram luminosas e ritmadas no céu escuro da noite.
E à medida que nos aproximávamos e penetrávamos nela parecia-nos sempre mais fabulosa.
Os altos prédios de vidro cintilavam de cima a baixo. As imagens desdobravam-se translúcidas e geométricas como as imagens dum caleidoscópio. A cidade funcional brilhava como uma cidade mágica.
O que eu via não era apenas mais uma cidade, não era apenas aquela cidade. Brasília apareceu-me como um arquétipo, como a cidade desejada e possível, desde sempre suspensa na imaginação das cidades.
Assim como “um livro de Guimarães Rosa” era a escrita de Guimarães Rosa e o próprio sertão, Brasília não era apenas aquela cidade, pois fulgurava também como entidade arquetípica: ela existiria virtualmente em todas as outras cidades como proposição fundamental e elementar da civilização, nelas mantendo-se incorruptível diante do tempo (“desde sempre”), como um mito (“suspensa na imaginação das cidades”). Sophia testemunha, portanto, uma realização inteiramente humana, mas irredutível a dicotomias e contradições, sendo por isso “funcional” e “mágica”, ou, numa formulação ainda mais reveladora, “lógica e lírica”, como uma espécie de poema total, ou um poema “desde sempre” suspenso nos poemas – a poesia:
De dia Brasília é uma cidade clara. Uma cidade lógica e lírica. Limpa de pitoresco. E não tem nada de faraônico, não tem nada de oficial, não tem nada de retórica, não tem nada de discurso. É exata, esguia e lisa como um coqueiro. E nunca é enorme, nunca sucumbe à retorica da monumentalidade. A sua beleza é contida e discreta como a beleza dum coqueiro.[14]
Sophia surpreende na cidade a estética e a moral que guiam sua escrita, “clara”, “exata”, ao mesmo tempo “lógica e lírica”, “limpa de pitoresco”, sem nada de “oficial” ou de “retórica”. A comparação com um “coqueiro” é em si mesma uma imagem surpreendente, plena de uma “beleza contida e discreta”; mas, se a aproximação repercute de imediato inúmeras fantasias estrangeiras ou autóctones em torno da natureza tropical, não se limita a revisitar velhas representações.
Em toda a obra da autora, a nomeação “coqueiro” apareceu em verso pela primeira vez no poema Brasília e retornou no seguinte, Poema de Helena Lanari”, ambos na seção Brasil ou do Outro Lado do Mar (composta por quatro poemas) do livro Geografia, publicado em 1967, ano seguinte à viagem. A terra brasileira deu a Sophia, portanto, um signo novo, ou, ainda, uma coisa e o seu nome. Mais tarde, em Navegações, a descoberta do Novo Mundo terá como cenário “praias baloiçadas por coqueiros”.
Antes da vinda ao Brasil, a imaginada paisagem de Babilônia surgira “com pátios interiores e com palmeiras” (em Livro Sexto, de 1962). A “palmeira” – assim, no singular – aparecerá em mais quatro poemas, situada no Algarve, na Síria, em ilhas gregas e numa pintura de Árpád Szenes.[15] Um quinto poema, Palmeiras Geometria (em Geografia), traz de novo o plural, mas agora as “palmeiras” não se situam em nenhuma paisagem concreta ou obra de arte: aqui, a coisa é também conceito:
Palmeiras geometria
São meu alimento
Secura silêncio
São minha bebida
E a infinita ausência
É a minha vida
A funda a secreta
Com sabor a pedra
E perfume de vento.
Livres de geografias, as palmeiras são uma geometria, como se depreende desde o título, no qual os dois termos, sem conectivos entre eles, se equivalem. Elas evocam princípios de um regime existencial inseparável da escrita, que se quer – voltando aos termos utilizados para definir Brasília – “clara”, “exata”, “lógica e lírica”, “limpa de pitoresco”, do “oficial” e da “retórica”. Estamos diante de um sistema ético fundado no despojamento construtivo, muito próximo do ascetismo de João Cabral de Melo Neto. A “palmeira” tropical é, assim, uma imagem que, carreando seus valores plástico-construtivos e morais, toma parte na composição de outra imagem. Resulta daí uma fascinante paisagem composta pelo visível e pelo invisível: o coqueiro não está lá, mas se faz presente na cena, em sua matéria arquitetônico-urbanística. Vale guardar este dado: no poema Brasília retornarão, daquela prosa de viagem, a magnífica equação “lógica e lírica”, o adjetivo “lisa”, e a imagem do “coqueiro”, à qual virá se somar a da “palmeira”.
Na capital federal, Sophia ficou hospedada na residência de Álvaro Ribeiro da Costa e sua mulher, Gelsa. Tal informação seria apenas uma curiosidade, não fossem estes os nomes que aparecerão na dedicatória do antológico poema Brasília.
O contato com o presidente do Supremo Tribunal Federal e sua mulher ocorreu graças a uma longa amizade de Sophia com o genro do casal, José Paulo Moreira da Fonseca, poeta da geração de 1945 e pintor, personagem memorável nos meios intelectuais e artísticos cariocas, que ele frequentava em companhia de sua mulher, Adalija. Além de haver reunido Sophia e seus sogros, foi também ele quem a apresentou a duas pessoas que se tornariam, cada uma a seu modo, importantes para ela: João Cabral de Melo Neto e Helena Lanari.
Em 1958, José Paulo e Adalija convidaram Sophia e seu marido, o advogado Francisco Sousa Tavares, para uma viagem pela região Sul de Portugal e por cidades espanholas. No fim do verão, com a temperatura alcançado os 39 graus, os quatro seguiram pelas estradas do Alentejo e da Andaluzia num Fusca – ou Carocha, como se dizia em Portugal – a 100 km/h. Em Sevilha, às oito da noite, em meio à confusão da Plaza Mayor, foram se encontrar com João Cabral, cônsul adjunto na cidade. O poeta pernambucano, que Sophia mais tarde descreveria como tendo “um ar muito triste”, se dirigiu a ela sem rodeios, dizendo: “Gosto muito da sua poesia, tem muito substantivo concreto.” Sophia ficou espantada, pois não estava a par das ideias de Cabral sobre poesia nem lera seus livros. Não poderiam desconfiar de que nasciam fortes ali a amizade e a afinidade literária.
Anos depois, numa carta datada de 2 de fevereiro de 1965, Sophia escreveria ao poeta, tentando evocar o impacto daquele primeiro encontro: Eu lembro-me de algumas coisas que você me disse a respeito dos meus versos […]. Creio que até hoje você é a única pessoa que viu que a minha poesia é feita com substantivos concretos!!![16] Não se tornaram a ver em terras brasileiras, porque numa espécie de desencontro exemplar Cabral viajara para Portugal, conforme se lê em carta de 30 janeiro de 1967, na qual Sophia diz ao amigo: Tive a maior pena de me ter destrocado consigo quando veio a Lisboa. Foi a única vez que eu estava no Brasil.
A carioca Helena Lanari não era escritora nem intelectual, mas, interessada em artes e literatura, frequentava os cursos informais dados a pequenos grupos – majoritariamente femininos – por José Paulo Moreira da Fonseca. Este, amigo de vários escritores e artistas plásticos, costumava levar convidados para que falassem sobre suas próprias obras, e foi assim que Sophia e Helena se conheceram. A amizade fluiu fácil. Te lembras de quando fomos visitar Manuel Bandeira? E da maravilhosa missa em Ouro Preto – a missa mais missa que ouvi! Tenho saudades do Brasil, escreverá Sophia a Helena uma década depois da viagem ao Brasil, em carta datada de fevereiro de 1976, na qual o dia está substituído por um ponto de interrogação. A poeta também não se esquecerá dos dias de sol passados em Arraial do Cabo, na casa de praia de Helena e seu marido, Cássio Lanari. Tal amizade reveste-se de interesse crítico pelo fato de que está na base do emblemático Poema de Helena Lanari, publicado em Geografia:
Gosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra com as suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal
Quando Helena Lanari dizia o “coqueiro”
O coqueiro ficava muito mais vegetal
Cada estrofe corresponde a um momento: o primeiro é o da reflexão sobre o português falado no Brasil, e seus versos iniciais instalam uma abordagem a um só tempo objetiva e afetiva das palavras consideradas como matéria do discurso oral. Mas logo terra e idioma se confundem, uma vez que as palavras são comparadas a “frutos” e “pássaros”, o que exprime a concretude e a nitidez da fala, mas também as qualidades da própria natureza. A seguir, em tom descritivo, a percepção exprime-se com a franqueza e a espontaneidade de uma ciência da fonação inventada no próprio ato da escuta. É seguro que o poema, implicitamente, compara o português falado em Portugal e o falado no Brasil, e a afirmação de que neste último as palavras são articuladas com suas sílabas todas/sem perder sequer um quinto de vogal faz ver a língua em termos de nitidez e materialidade.
O segundo momento, mais narrativo que o primeiro, compõe-se de um brevíssimo flashback, ilustrativo daquilo que se desenvolvera anteriormente de modo mais conceitual. Ao mundo concreto, nítido, leve da língua-paisagem trazida à cena na estrofe anterior vem somar-se o “coqueiro”, o que sem dúvida faz soar na paisagem cultural brasileira o romantismo singelo de alguma iconografia oitocentista, mas também o colorido exaltado de Aquarela do Brasil, a popularíssima canção de Ary Barroso: Oh, esse coqueiro que dá coco/Onde eu amarro a minha rede/Nas noites claras de luar. No poema, porém, o “coqueiro” não se limita à cor local, pronto e exterior à contemplação. Sendo indiscerníveis a natureza e as palavras que a nomeiam, a língua-paisagem refaz o que é dito, ou seja, acrescenta-lhe qualidades, intensifica seu caráter, faz surgir sua “substância total”; assim, o “coqueiro” se torna “mais vegetal” ao ser nomeado por Helena Lanari.
Volto à carta enviada a João Cabral de Melo Neto:
Estou há meses para lhe escrever para lhe dizer quanto gostei e me senti envaidecida com o Elogio da Usina e de Sophia. E também lhe quero agradecer o seu livro que tanto gostei de receber. O poema que prefiro é talvez Rios sem Discurso, que me fez meditar na evolução brasileira da língua portuguesa. Aqui a língua está ficando dicionária e perde as vogais. Mas os brasileiros têm um gênio de língua que me maravilha. Creio que uma coisa que me liga à poesia brasileira é o fato de eu falar com as sílabas todas.
O livro em questão é A Educação pela Pedra (1966). A reflexão de Sophia provém do poema Rios sem Discurso, que contrapõe um “discurso-rio de água” e um rio “cortado”, com a seguinte formulação: Em situação de poço, a água equivale/a uma palavra em situação dicionária:/isolada, estanque no poço dela mesma,/e porque assim estanque, estancada. Sophia, recorrendo ao neologismo do amigo – “dicionária” – acusa, ainda que de modo vago, um processo de dicionarização da língua em Portugal, compreendido, nos termos cabralinos, como esgotamento, ao qual se soma uma realização oral que lhe parece desagradável.
Nesse sentido, a viagem ao Brasil foi também uma viagem na língua, e o Poema de Helena Lanari pode ser entendido como um claro testemunho do que chamei língua-paisagem. Ao fluxo entre aeroportos, cidades, ao tempo dos deslocamentos, às experiências vividas em espaços diversos e a outras movimentações correspondia uma natureza vária, exuberante e nítida sob uma luminosidade deleitável – vale lembrar que era outono –, mas também uma língua que soava igualmente fluida, em marcha, com “sua substância total”, o que, em última instância, equivale no universo de Sophia à inteireza e à nitidez que devem presidir quaisquer instâncias da vida humana.
Sua poesia, também é preciso consignar, está diretamente ligada à escuta e à fala, e, assim, ao ouvir a língua portuguesa realizar-se numa emissão – Helena Lanari era apenas uma falante entre falantes, mas destacada como personagem metonímico – em que não se perdia “sequer um quinto de vogal”, a poeta julgou que o que a ligava à poesia brasileira era o fato de ela, Sophia, “falar com as sílabas todas”. Coincidiam, portanto, a realização individual e um traço coletivo adventício; a predisposição particular afinava-se com padrões culturais estrangeiros à sua formação.
Quando ouvimos Sophia lendo seus poemas, compreendemos como falar e escandir cumprem-se simultaneamente na sua voz pela pronúncia bem destacada das sílabas, pelo acento das curvas melódicas dos versos, pela franca obediência aos andamentos que parecem sempre atraídos pelo repouso no silêncio, enfim, pela plasticidade da dicção, como se a voz desenhasse os elementos métricos do poema e então tudo o que é dito passasse ao campo do visível. Falar é, para Sophia, uma ação no tempo, mas também no espaço. Não é por acaso que, em entrevista concedida a Eduardo Prado Coelho duas décadas depois da visita ao Brasil, ela se queixará da dicção dos atores portugueses, afirmando que “salvo raríssima exceção é um desastre que mata qualquer peça”, para concluir: “Comem as vogais, nada se entende, não sabem colocar as palavras no espaço.”[17]
Nomeado ministro do STF em 1946 e eleito seu presidente em 1963, Álvaro Ribeiro da Costa era antes de tudo um carioca, o que significava alguma inadaptação a Brasília, onde passou a residir em 1961. Desgostoso, queixava-se, por exemplo, da falta de montanhas. Amava o Rio de Janeiro e sentia imensa falta do convívio com os amigos, entre eles os escritores Murilo Mendes e sua mulher, Maria da Saudade Cortesão, Dante Milano, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, e os artistas plásticos Alberto da Veiga Guignard, Oswaldo Goeldi, Candido Portinari, Bruno Giorgi e Celso Antônio.
Reuniam-se aos sábados para os animados almoços que Ribeiro da Costa e Gelsa serviam em sua casa em Ipanema, projetada pelo arquiteto modernista Marcelo Roberto – o mais velho dos irmãos que mais tarde se reuniriam no célebre escritório MMM Roberto – e construída no início dos anos 1930 no número 63 da Rua Barão de Jaguaripe, ainda sem calçamento na época. Era nessa rua, aliás, que Ribeiro da Costa gostava de jogar futebol com uma turma, à qual sempre se juntava o poeta Augusto Frederico Schmidt. Por coincidência – penso em Brasília – Ribeiro da Costa era primo-irmão de Lucio Costa, além de amigo de Oscar Niemeyer. O fato é que o ministro do STF esteve sempre ligado às artes, e guardava predileção pela poesia, escrevendo versos modestos com o pseudônimo Álvaro Madaia.
A proximidade com a música devia-se a Gelsa Ribeiro da Costa, cantora lírica que, diferentemente do marido, logo se adaptou a Brasília, ou melhor, fez com que Brasília se adaptasse a seu temperamento solar e festivo. Recebia amigos, organizava concertos na cidade, apresentava-se em recitais, foi professora do Departamento de Música da Universidade de Brasília e esteve à frente, com Sylvia Mazzili, da Casa do Candango, instituição de assistência a famílias de trabalhadores locais.
Um de seus grandes amigos era o compositor e maestro Claudio Santoro, que entre 1955 e 1959 compusera com Vinicius de Moraes um ciclo camerístico denominado Canções de Amor. O trabalho veio a público apenas em 1962, no Teatro da Escola Parque, em Brasília, nas vozes de Gelsa e Vanda Oiticica, acompanhadas ao piano por Hermelindo Castelo Branco. Se não fez uma carreira brilhante, há que assinalar pelo menos um feito pioneiro: em 1959, portanto ainda no Rio, Gelsa Ribeiro da Costa apresentou quatro canções do compositor e poeta Jayme Ovalle, acompanhada pela pianista Ana Cândida, no programa Música e Músicos do Brasil, da Rádio MEC, com palestra de Andrade Muricy. Ovalle morrera quatro anos antes, e considera-se aquela a primeira apresentação pública de suas canções.
Quando recebeu a visita de Sophia, Gelsa Ribeiro da Costa estava já afastada das salas de aula. A Universidade de Brasília, entendida como antro de subversão pelo governo militar, tivera seu campus invadido em 9 de abril de 1964 por tropas do Exército e policiais de Minas Gerais. Em seguida, Anísio Teixeira, o grande educador, e Almir de Castro, respectivamente reitor e vice-reitor, foram demitidos. A situação chegaria ao extremo no ano seguinte. No dia 18 de outubro, quinze professores considerados “subversivos” foram sumária e arbitrariamente afastados da universidade. Em resposta, 223 professores pediram demissão, entre eles nomes bastante conhecidos, como Paulo Emílio Sales Gomes, Athos Bulcão, Rogério Duprat, Jean-Claude Bernardet, Nelson Pereira dos Santos, Alfredo Ceschiatti, Marília Rodrigues, Damiano Cozzella, Suzy Botelho, Cláudio Santoro e também Gelsa Ribeiro da Costa.
No momento do golpe militar, Álvaro Ribeiro da Costa, como presidente do STF, legitimou a deposição de João Goulart, mas logo seria protagonista de conflitos entre a ordem jurídica e os militares. No livro Tanques e Togas, o jornalista Felipe Recondo observa que, apesar da ditadura, o Supremo permaneceu julgando seus processos “tendo como premissas as leis e o direito vigentes”. Ou seja, “o Supremo julgava de uma forma e o Executivo pensava de outra”.[18] O STF esteve sob permanente ameaça durante a presidência de Álvaro Ribeiro da Costa.
Vale aqui pelo menos um exemplo, envolvendo a figura mítica de Miguel Arraes, que, eleito governador de Pernambuco em 1962, foi deposto e preso assim que se instalou a nova ordem. Após ter uma liminar negada pelo Superior Tribunal Militar, a defesa de Arraes recorreu ao STF, que lhe concedeu habeas corpus. A decisão gerou uma grave contenda entre Ribeiro da Costa e o chefe do Estado-Maior do Exército, o general Édson Figueiredo. O caso se prolongou em permanente tensão, até que o presidente Castelo Branco, mesmo temendo reações das alas mais radicais que o apoiavam, decidiu-se por manter a decisão do Supremo. As altercações entre o governo dos militares e Ribeiro da Costa tornaram-se, no entanto, mais duras e seguiram até janeiro de 1967 – um ano antes de sua morte –, quando ainda no papel de presidente do STF aposentou-se por limite de idade.
Quando Sophia se hospedou por três dias no apartamento de Gelsa e Álvaro Ribeiro da Costa, no andar térreo de um prédio na Asa Sul, respirava-se um clima de estranha normalidade em Brasília. Ribeiro da Costa permanecia desempenhando seu papel à frente do Supremo Tribunal Federal, fazendo cumprir a Constituição e assegurando o direito ao habeas corpus; Gelsa, após ter sofrido diretamente com a injustiça e o abuso de poder da nova ordem, agora dava aulas em casa. A instalação definitiva do horror pelo AI-5 viria três anos após o retorno de Sophia de Mello Breyner a Portugal e um ano depois da morte de Álvaro Ribeiro da Costa.
“Cheguei hoje ao Rio, voltando de Brasília, Ouro Preto e Congonhas. É tudo muito bonito e Brasília é deslumbrante. As pessoas amáveis e boas.” Datado de 24 de maio, o postal dá notícias à mãe, Maria Amélia de Mello Breyner. Finda a permanência na capital federal, Sophia seguiu dali de avião para Belo Horizonte, onde se encontrou com Helena Lanari e, com a amiga, foi visitar as cidades históricas mineiras. Na primeira estadia carioca, Sophia hospedou-se no hotel Argentina, no bairro do Flamengo; nesse segundo momento, instalou-se no hotel Apa, em Copacabana.
Na visita à Academia Brasileira de Letras, após ler o poema intitulado Manuel Bandeira, Sophia informou que leria um outro, sobre Brasília, acrescentando este dado precioso: Escrevi no avião que me trouxe de lá para Belo Horizonte, e quando realmente compreendi como o entusiasmo é uma forma de esquecer a angústia.[19] Tratava-se de uma primeira versão. O espólio da autora, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, guarda um caderno com anotações esparsas, algumas delas referentes à estadia no Brasil, que traz, manuscrita a caneta, uma versão bastante semelhante àquela lida na ABL. Trata-se, provavelmente, da primeira versão, ou seja, aquela escrita no voo entre Brasília e Belo Horizonte. No mesmo espólio, há um datiloscrito mais próximo da versão definitiva, no qual um carimbo, sem data, do Serviço de Censura certifica: “Autorizado com cortes.”
Na ditadura de António de Oliveira Salazar, a censura prévia à imprensa foi estabelecida por decreto em 11 de abril de 1933. Conforme conta Graça Almeida Rodrigues, em Breve História da Censura Literária em Portugal,[20] publicações periódicas, mas também folhas volantes, folhetos, cartazes e outros impressos tinham de ser autorizados pelo governo quando tratassem de assuntos de caráter político ou social. Em 1944, a censura alcançou a condição de órgão de formação e propaganda política, ficando a Direção-Geral dos Serviços de Censura integrada ao Secretariado Nacional de Informação, o SNI, sigla homônima do brasileiro Serviço Nacional de Informações, criado em junho de 1964.
Os livros não estavam sujeitos a censura prévia, mas qualquer edição podia ser apreendida depois de publicada. O carimbo no datiloscrito de Brasília garante que antes do aparecimento do poema em livro, em 1967, considerou-se sua publicação em periódico, quando passou pela análise prévia dos Serviços de Censura; no entanto, desconheço qualquer publicação dele em revista ou jornal portugueses. Hipótese fácil: Sophia teria desistido de tornar público um poema descaracterizado pelo “corte” que o carimbo consigna. Mas o texto ali é praticamente o mesmo da versão final, não cabendo dúvida quanto ao fato de que as pouquíssimas diferenças decorreram de aperfeiçoamentos empreendidos pela própria Sophia. Há, porém, algo que recomenda atenção: no datiloscrito carimbado pelo Serviço de Censura não consta a dedicatória a Gelsa e Álvaro Ribeiro da Costa.
É bastante plausível que o poema tenha sido objeto de um olhar diligente dos censores. Sophia e seu marido, Francisco, eram há mais de uma década adversários declarados do regime salazarista e viviam sob permanente vigilância da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a famigerada Pide. Um ano antes da vinda de Sophia ao Brasil, por exemplo, ambos assinaram o célebre Manifesto dos 101 Católicos. Não deixa de surpreender a coragem com que questionavam ali a política colonial do Estado Novo. Afirmavam que a Igreja Católica propunha valores como amizade, fraternidade, e com eles a importância das relações internacionais, enquanto o governo de Salazar afirmava-se “orgulhosamente só”; protestavam contra a existência de uma polícia política detentora de poderes que violavam “as mínimas exigências da consciência cristã”; apontavam as anomalias e as injustiças do processo político em Portugal, os entraves ao direito de associação, bem como as expulsões, prisões e torturas na vida acadêmica, mas não só nela; e citavam diretamente o Brasil, cuja “política governamental” era vista como “razão de opróbrio e de vergonha”. Tratava-se, enfim, de uma declaração contundente contra a injustiça, o ódio e a repressão, encaminhada por intelectuais importantes, e de algum modo ligados à Igreja Católica, entre eles Helena Cidade Moura, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Ruy Belo, António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira e Lindley Cintra, signatários que não desconheciam, como afirmavam, os riscos a que se expunham ao subscrever o documento, pois muitos deles haviam passado pela “experiência dos interrogatórios da Pide, dos processos judiciais, dos entraves ou impedimentos no acesso a lugares públicos e a empregos particulares, das buscas domiciliárias, da vigilância e repressão policial”.[21]
Há de ter despertado a atenção do Serviço de Censura o nome da capital federal do “país irmão” já no título do poema – Brasília – e a consequente possibilidade de o texto exibir algum conteúdo político. É igualmente fácil imaginar que os censores tenham se surpreendido com o fato de o poema parecer, pelo menos à primeira vista, uma inocente e fantasiosa sequência de elogios à arquitetura e ao urbanismo da cidade. Mas e a dedicatória? Naquela nomeação haveria um disfarçado propósito de disseminar uma opinião desfavorável, um aceno ideológico, uma mensagem subversiva? Quem eram Gelsa e Álvaro Ribeiro da Costa? Não haveria dificuldades para que deles se elaborassem perfis desabonadores, próximos de algo como: ela, uma professora envolvida em uma demissão em massa na universidade do Distrito Federal, tomada por agitadores; ele, uma autoridade pública, o mais alto administrador da Justiça do país, que, em vez de colaborar com a ordem, afrontava o governo. O que acrescentava ao texto a referência àquele casal? Por que a dedicatória? Não parece descabido supor que os censores, movidos pela desconfiança e pela prudência dos covardes, tenham decidido pelo “corte” da dedicatória.
Será no próprio Brasil que o poema virá à luz pela primeira vez, no Correio da Manhã, de 1º de julho de 1967, com algumas variantes em relação à versão definitiva, mas incluída a dedicatória. No mesmo ano, o livro Geografia, impresso em setembro sob a chancela das Edições Ática, de Lisboa, apresentará sua forma acabada:
BRASÍLIA
a Gelsa e Álvaro Ribeiro da Costa
Brasília
Desenhada por Lúcio Costa Niemeyer e Pitágoras
Lógica e lírica
Grega e brasileira
Ecumênica
Propondo aos homens de todas as raças
A essência universal das formas justas
Brasília despojada e lunar como a alma de um poeta muito jovem
Nítida como Babilônia
Esguia como um fuste de palmeira
Sobre a lisa página do planalto
A arquitetura escreveu a sua própria paisagem
O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número
No centro do reino de Ártemis
– Deusa da natureza inviolada –
No extremo da caminhada dos Candangos
No extremo da nostalgia dos Candangos
Athena ergueu sua cidade de cimento e vidro
Athena ergueu sua cidade ordenada e clara como um pensamento
E há no arranha-céus uma finura delicada de coqueiro
A recusa e os sentimentos ambíguos que vigoram na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen em relação às cidades simplesmente inexistem aqui. Brasília dá a ver na realização humana o que era divino na natureza exuberante da madrugada no Recife ou no sertão vizinho do planalto.
Nome e coisa, projeto e presença, voz e visão, tudo coincide na abertura do poema. O gesto arquitetônico é origem. Se a sequência “Lúcio Costa Niemeyer Pitágoras” situa historicamente a cidade em relação a seus principais criadores, o terceiro nome surge inesperado, desprendido de um passado longínquo. A ausência de conectivos ou sinais de pontuação entre eles instala uma continuidade, mais ou menos como uma linha ininterrupta que desenha uma figura completa, una e triangular. Desde aí, tudo se anuncia como experiência fora do tempo, ou como atualidade em que todos os tempos, sem fraturas, se encontram. Brasília instaura tal confluência e simultaneamente surge dela, convocando figuras mitológicas como Ártemis e Athena, mas também um signo algo legendário, como Babilônia, enquanto a Grécia, presente desde a evocação de Pitágoras, reaparece na caracterização da cidade como “grega e brasileira”, ou na imagem “esguia como um fuste de palmeira”. Mítico é também o tempo, que move a cena e faz com que tudo se harmonize num continuum em que se fundem natureza e construção, universalidade e singularidade. O arquiteto é outra vez, como na Antiguidade grega, artífice da ordem, demiurgo, e o projeto, ato cosmogônico, divino.
Vislumbrado como território mítico, o planalto é o “centro do reino de Ártemis”, para onde os candangos convergem na marcha iniciada com o nostálgico abandono da terra natal. Como se procurassem uma terra prometida que fosse também oásis planejado – a cidade que nasceu da ideia – chegam lá onde “Athena ergueu sua cidade”, e são eles mesmos que a erguem no árido quadrilátero central.
O ecumenismo para o qual aponta o poema é tanto uma constatação quanto uma proposição, como se um éthos católico se manifestasse em “formas justas” e delas dependesse para produzir uma justiça universal, destinada “aos homens de todas as raças”. Retorno à entrevista a Walmir Ayala, quando Sophia fala de sua “impressão de ecumenismo”. Cito-a também pelo gosto de observar a continuidade entre o poema e a fala, o nexo flagrante entre a vivência e a escrita:
Mas uma das minhas maiores emoções tem sido a impressão de ecumenismo. […] Eu disse: “Que bonitas que são as árvores brasileiras.” E um amigo explicou: “Esta árvore é brasileira de origem, mas aquela foi trazida da Índia pelos portugueses, e a outra veio do Japão.” E também as pessoas que vejo nas ruas vieram de todos os cantos do mundo para se unirem num humanismo novo. Sinto aqui um espírito ecumênico, já presente e vivo, e pronto a desabrochar maravilhosamente no futuro. Este ecumenismo apareceu-me com maravilhosa clareza em Brasília, cidade onde Pitágoras colaborou com Lúcio Costa e Niemeyer. Cidade lógica e lírica, cidade funcional do século xx, mas penetrada de miragem como as antiquíssimas cidades do Oriente. Um “obstinado rigor” de proporção, ritmo e número, onde o espírito reconhece a sua lei. O planalto é como uma página lisa onde a arquitetura do homem criou a sua própria paisagem.
Deparamos com uma Brasília que é potência e virtualidade, que vive em todas as cidades, inclusive naquela, sobretudo naquela. Na “lisa página do planalto” inventou-se uma cidade, e na “lisa página” do caderno inventou-se o poema, no qual a cidade, outra vez inventada, vê-se, como no princípio, “despojada e lunar como a alma de um poeta muito jovem”, como se pulsasse aqui, subentendido, outro mito: Orfeu. Sophia vê em Brasília o projeto de Brasília, sua lição de estética e de moral baseada na austeridade e na disciplina, mas também na imaginação e na fantasia. Assim, é eloquente que estejam ausentes do poema dramas políticos, econômicos ou sociais, não porque a “página” os tenha ignorado, mas porque pôde ver acima deles – como uma “miragem” – o plano de ultrapassá-los.
A imagem “o Brasil emergiu do barroco” sugere bem mais que uma viragem estética; afirma sobretudo a possibilidade de uma transformação histórica, aponta para a superação do passado colonial, escravista, substituído por um outro “número” – projeto, construção, harmonia, memória viva e festiva de Pitágoras; emergir do barroco seria ainda uma ação “ordenada e clara”, entendida como expansão da civilização ocidental moderna em moldes originais. Em vez de reter seu olhar sobre as belezas do passado colonial – Ouro Preto e Congonhas seriam cidades ideais para tal usufruto – e, consequentemente, sobre os vestígios de estruturas sociais arcaicas, Sophia deixa-se mover pelo vigor da abstração, que desapropria os conteúdos da velha representação e instala a liberdade da pura geometria.
No fim de sua temporada brasileira, ela escreveu para Álvaro Ribeiro da Costa: Gostei imenso de Ouro Preto e Congonhas, mas gostei mais de Brasília. Ouro Preto é português e brasileiro. Brasília é universal. Aquilo que no Brasil é português comove-me, mas aquilo que no Brasil é universal exalta-me e maravilha-me, como progresso para um novo humanismo.[22]
Livre das fantasmagorias herdadas do passado, Sophia não se limita a fazer uma benevolente aposta no futuro do país, ou no país do futuro, essa velhíssima promessa que empurra para o vazio as mais prementes demandas políticas, econômicas, culturais e jurídicas. Ao enxergar Brasília como um projeto de Brasil, mas desde já uma realização desse projeto, a poeta, sem dubiedade ou hesitações diante da conjuntura histórica, toma-se de uma disposição inteiramente afirmativa: comoção, exaltação, maravilhamento. Ainda compete dizer que no poema a ausência de sinais do quadro político brasileiro é também uma expressiva recusa. Lembro-me de uns versos de Mar Novo: Perfeito é não quebrar/A imaginária linha//Exata é a recusa/E puro é o nojo.
Brasília, 31-5-1966.
Sophia, amiga querida:
[…] Foi como se próximo a tivéssemos nas palavras, nos conceitos, no carinho, todo pessoal, ao lermos sua carta do Rio. Tudo admirável, personalíssimo; inconfundível. O paralelo entre Ouro Preto e Brasília é exato, perfeito; traduz o que sentimos e não sabemos exprimir do seu modo claro, translúcido. Pena foi que não pudesse por mais tempo permanecer aqui. A falta que nos faz a sua companhia é enorme e insubstituível. […]
Datilografada numa fina folha de papel que exibe o selo do Gabinete da Presidência do Supremo Tribunal Federal, a carta de Álvaro Ribeiro da Costa – da qual reproduzo apenas um fragmento – revela que a breve estadia em Brasília criou vínculos entre Sophia e seus anfitriões e que a ilustre visitante lhes mostrou uma paisagem – vista, sentida, imaginada – no lugar. Naquele momento, Gelsa Ribeiro da Costa e seu marido ainda não sabiam do principal: o poema. Não poderiam supor que seus nomes passariam a morar para sempre entre um título – Brasília – e um verso: Brasília. A miragem que ainda hoje procura um país.
Em Lisboa, Sophia esperou praticamente uma década – era 1974 – para viver o fim da ditadura em seu país, ou, como disse no poema 25 de Abril (em O Nome das Coisas), para ver nascer “o dia inicial inteiro e limpo”. Enquanto isso, a noite se tornara mais espessa no Brasil, onde o regime, entre outras violações dos direitos humanos, fazia uso da tortura em sua perseguição aos chamados “subversivos”. Ciente de tal quadro, Sophia tratou de denunciá-lo em seus versos. Para tanto, foi buscar modelo e mote em um poema de Manuel Bandeira, No Vosso e em Meu Coração, escrito em 1946 para uma manifestação pública no Rio de Janeiro contra a ditadura de Franco e publicados dois anos depois em Belo belo, livro no qual, provavelmente, a poeta portuguesa teve acesso a eles. Cito um fragmento do início:
Espanha no coração:
No coração de Neruda,
No vosso e em meu coração.
Espanha da liberdade,
Não a Espanha da opressão.
Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!
Sophia retoma No Vosso e em Meu Coração e escreve Brasil 77. Nesse retorno, vê-se uma série de homenagens. Em primeiro lugar, ao próprio Manuel Bandeira e à luta pela liberdade e pela justiça por meio da poesia. Se a intertextualidade também evoca, em particular, escritores e artistas que se envolveram direta ou indiretamente na famigerada Guerra Civil Espanhola, Brasil 77 é sobretudo uma reafirmação de laços com o país e com os brasileiros. Foi publicado na revista literária Loreto 13, periódico mensal da Associação Portuguesa de Escritores, na edição de janeiro de 1978:
Brasil dos Bandeirantes
E das gentes emigradas
Em tuas terras distantes
As palavras portuguesas
Ficaram mais silabadas
Como se nelas houvesse
Desejo de ser cantadas
Brasil espaço e lonjura
Em nossa recordação
Mas ao Brasil que tortura
Só podemos dizer não
Brasil de Manuel Bandeira
Que ao franquismo disse não
E cujo verso se inscreve
Neste poema invocado
Em vosso e meu coração
Brasil de Jorge de Lima
Bruma sonho e mutação
Brasil de Murilo Mendes
Novo mundo mas romano
E o Brasil açoriano
De Cecília a tão secreta
Atlântida encoberta
Sob o véu dos olhos verdes
Brasil de Carlos Drummond
Brasil do pernambucano
João Cabral de Melo que
Deu à fala portuguesa
Novo corte e agudeza
Brasil da arquitetura
Com nitidez de coqueiro
Gente que fez da ternura
Nova forma de cultura
País da transformação
Mas ao Brasil que tortura
Só podemos dizer não
Brasil de D. Hélder Câmara
Que nos mostra e nos ensina
A raiz de ser cristão
Brasil imensa aventura
Em nossa imaginação
Mas ao Brasil que tortura
Só podemos dizer não
Versos de musicalidade flagrante, construídos com a popular metrificação em sete sílabas poéticas, pleiteiam um colóquio direto, ou seja, a transparência de uma intervenção no debate sobre a política brasileira. A palavra de ordem bandeiriana – “A Espanha de Franco, não!” – ecoa e mantém-se com o mesmo propósito, o de concluir as estrofes estruturalmente como refrão, que as arremata com o incitamento à luta contra a tortura, chamado que equivale, por contiguidade, à confrontação com a ditadura militar.
Se o poema não sacrifica os domínios do que é subjetivo em favor de um engajamento que exigisse a impessoalidade, manifesta-se outrossim como memória pessoal que não se esgota no estreito circuito da individualidade. Desse modo, reconhecemos, por exemplo, a presença de Helena Lanari nos seguintes versos: As palavras portuguesas/Ficaram mais silabadas; por outro lado, deparamos na mesma passagem a caracterização de um traço geral, do brasileiro. A imagem Brasil espaço e lonjura/Em nossa recordação parece nascer direto das recordações de Sophia, de sua vinda ao país e, em específico, de sua aterrissagem no Recife e de seus longos deslocamentos, como a viagem de carro do Rio de Janeiro a Brasília, bem como de sua ida às cidades históricas mineiras e ao Cabo Frio; mas, outra vez, somos colocados diante de uma representação bem mais ampla, que parece situar o Brasil em relação a Portugal tanto geográfica quanto historicamente.
Não falta sequer, na estrofe seguinte, o preito àquele que deu o mote ao poema, sem que tal demonstração de consciência metalinguística esfrie o poema, bem ao contrário, pois ativa a emotividade da memória pessoal, confundida com a celebração da história da luta pela liberdade: Brasil de Manuel Bandeira/Que ao franquismo disse não/E cujo verso se inscreve/Neste poema invocado/Em vosso e meu coração. No seu louvor à poesia, os versos prosseguem nomeando os poetas brasileiros “de Sophia”: Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto.
Brasília é mais uma memória sophiana que comparece, subentendida na “arquitetura com nitidez de coqueiro”, imagem que reenvia para o poema de 1966, do qual o ecumenismo e a potência afirmativa também ressurgem e parecem gerar a estrofe seguinte, na qual se instala a figura de dom Helder Câmara, o notável defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar. A contingência histórica coincide de novo com algo extremamente pessoal, porquanto fala aqui a poeta que em 1965 assinou em Portugal o Manifesto dos 101 Católicos em corajoso ato contra a ditadura salazarista, e não parece exagero dizer que nesse poema, a um só tempo lamento e festejo, Sophia parece também orar por nós.
Brasil e Brasília são nomes que se confundem, como ecos, espelhamentos, e, inseparáveis, guardam um mesmo destino. No terror dos tempos – que a data, no título, situa e restringe – o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen trouxe a primeiro plano algo bem mais permanente: Gente que fez da ternura/Nova forma de cultura/País da transformação. Assim, Brasil 77 não é só a triste imagem invertida de Brasília, e faz ver, antes, o lúcido amor pela “aventura” de construir “no centro do reino de Ártemis” um território justo, de “formas justas”.[23] J
[1] O documento se encontra no espólio da autora, depositado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa.
[2] Um Encontro com Sophia de Mello Breyner Andresen. Relâmpago, n° 9. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, out. 2001, p. 88.
[3] Revista Brasileira, nº 111. Rio de Janeiro: ABL, jan./ jun., 1966, p. 84.
[4] Sophia de Mello Breyner Andresen refere-se a Morte no Avião, poema de A Rosa do Povo, de 1945. O verso correto (o último do poema) é: Caio verticalmente e me transformo em notícia (grifo meu).
[5] As palavras significariam: foi numerado, foi calculado, foi removido. Daniel interpreta-as assim: “Este é o sentido da escrita: o tempo do teu reino foi calculado; o teu reino chega ao fim. Foi cerceado; e acabou. Aos medos e aos persas está a ser dado.” Bíblia, vol. III, Antigo Testamento; os livros proféticos. Trad. do grego, Frederico Lourenço, Lisboa: Quetzal, 2017, p. 965.
[6] Idem, p. 963.
[7] Sophia Fala a Eduardo Prado Coelho, ICALP Revista, n° 6, ago./dez., 1986, p. 64.
[8] A carta está depositada no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa, no espólio de João Cabral de Melo Neto.
[9] Correspondência Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena, 1959-1978. 2ª ed. Lisboa: Guerra e Paz, 2006, p. 83.
[10] Idem, p. 85.
[11] Idem, p. 89.
[12] Eduardo Prado Coelho, A Mecânica dos Fluidos: Literatura, Cinema, Teoria. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984, p. 119.
[13] O texto foi fixado por Maria Andresen, escritora e filha de Sophia.
[14] O documento está depositado no espólio da autora.
[15] Portas da Vila (Geografia): “Com um barulho de papel o vento range na palmeira”; Homenagem a Ricardo Reis (Dual, de 1972): “Palmeiras nas ruínas de Palmira”; Em Hydra, Evocando Fernando Pessoa (Dual): “Desde a praia onde se erguia uma palmeira chamada Nausikaa”; Para Árpád Szenes (O Nome das Coisas, de 1977): “Pinta o bicho egípcio os dedos da palmeira.” Árpád Szenes (1897-1985), artista plástico húngaro, foi casado com a pintora Maria Helena Vieira da Silva. O casal viveu no Rio de Janeiro de 1940 a 1947.
[16] A carta está depositada no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, no espólio de João Cabral de Melo Neto.
[17] ICALP Revista, n° 6, ago./dez., 1986, p. 65.
[18] Felipe Recondo, Tanques e Togas: O STF e a Ditadura Militar. São Paulo: Cia das Letras, 2018, p. 31.
[19] Revista Brasileira, vol. 111, Rio de Janeiro: ABL, jan./jun., 1966.
[20] Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em Portugal. Lisboa: ICLP, 1980.
[21] O manifesto encontra-se reproduzido no site da Biblioteca Nacional de Portugal, em sua parte dedicada a Sophia de Mello Breyner Andresen.
[22] Este trecho da carta foi publicado pelo jornalista Ézio Pires no Correio Braziliense, em 12 de junho.
[23] Agradeço a Maria de Sousa Andresen, Rafaela Cardeal, Alexandre Vidal Porto, Ana Cristina Moreira da Fonseca, Sérgio Ribeiro da Costa, Federico Bertolazzi, Antonio Carlos Secchin, Pedro Correia do Lago, José Mário Pereira, Carlos Mendes de Sousa, Jorge Reis-Sá, Nicolas Behr, Fábio Frohwein, Gilda Santos e Gastão Cruz.
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