O paulista Alexandre Antonelli no Jardim Botânico de Gotemburgo: seguindo uma tradição da rádio nacional sueca, ele posou com flores de verão quando foi tema de um programa da emissora CRÉDITO: HENRIK BRUNNSGARD_2021_SWEDISH RADIO
No jardim real
O biólogo de Campinas que comanda os cientistas dos Kew Gardens, na Inglaterra
Filipe Vilicic | Edição 185, Fevereiro 2022
Como era a primeira vez que se encontrava pessoalmente com o príncipe Charles, o biólogo paulista Alexandre Antonelli, de 43 anos, precisou se inteirar de algumas formalidades. Para cumprimentar o príncipe, por exemplo, teria que fazer uma reverência, curvando o pescoço. Inicialmente deveria dizer Your Royal Highness (vossa alteza real) – sendo Your Majesty (vossa majestade) um tratamento reservado à rainha Elizabeth II. Depois, como teria uma conversa mais longa com o príncipe naquela manhã de 28 de setembro do ano passado, Antonelli estava autorizado a se dirigir a ele apenas como “sir Charles”.
O herdeiro do trono britânico chegou ao jardim botânico Kew Gardens, nos arredores de Londres, acompanhado do presidente do Gabão, Ali Bongo Ondimba. O país africano é hoje uma referência em iniciativas sustentáveis. Quase 90% do seu território é ocupado por matas preservadas e lá se encontram várias espécies ameaçadas, além de 60% dos elefantes africanos soltos na natureza. As medidas de preservação gabonenses contam com o apoio internacional: em 2019, a Noruega ofereceu ao país 150 milhões de dólares, a serem pagos ao longo de dez anos, para estancar o desmatamento e estimular iniciativas de preservação da floresta.
Antonelli, que é diretor científico dos Kew Gardens desde 2019, ciceroneou o príncipe e o presidente na visita ao jardim botânico. Ele primeiro conduziu as autoridades ao herbário, lar de uma coleção de cerca de 7 milhões de espécimes. Ali, Ondimba foi apresentado à principal atração da visita: uma semente de café. Tratava-se da Coffea stenophylla, que não era encontrada na natureza desde 1954. Uma equipe de cientistas dos Kew Gardens redescobriu a raridade em 2018, em uma floresta de Serra Leoa, na África.
São conhecidas 124 espécies de café. Duas apenas – a Coffea arabica (arábica) e a Coffea canephora (robusta, também chamada conilon no Brasil) – respondem por 99% da produção global de café industrializado, tanto por causa de sua qualidade para o consumo, quanto por sua resistência nos plantios. O problema é que ambas correm o risco de não sobreviver ao próximo século, uma vez que não suportariam a elevação da temperatura global. (No Brasil, maior produtor mundial de café, a semente mais comum é a arábica.)
Até 2021, não se conhecia uma espécie de café capaz de aguentar o baque das mudanças climáticas – até que o botânico Aaron Davis, dos Kew Gardens, demonstrou que a Coffea stenophylla poderia cumprir esse papel. A pesquisa, publicada na revista Nature Plants naquele ano, provou que a semente é capaz de resistir a temperaturas de até 1,9°C acima do limite suportado pela robusta e de até 6,8°C acima do limite tolerado pela arábica. Além disso, a Coffea stenophylla passou com louvor na prova de paladar feita às cegas por degustadores profissionais.
A pesquisa com essa semente esquecida de café era a boa notícia que Charles pretendia transmitir a Ondimba, pois o Gabão tem terras potencialmente aptas para o seu plantio. Além disso, o príncipe, que tem se dedicado com afinco às questões ambientais, queria mostrar ao presidente como as investigações científicas realizadas nos Kew Gardens estão ajudando no plano estratégico da Sustainable Markets Initiative (SMI, Iniciativa de Mercados Sustentáveis), a menina dos olhos de Charles. A organização lançada por ele em 2020 tem como meta incentivar o setor privado a investir na economia sustentável, como diz seu nome.
Não é o único projeto cultivado pelo príncipe com a SMI. Ele também ambiciona criar um conjunto de direitos da fauna e da flora para ser adotado mundialmente. A iniciativa se chama Terra Carta, nome que faz referência à Magna Carta, o primeiro ensaio de Constituição moderna da história por ter fixado em 1215 os direitos e deveres dos cidadãos ingleses, submetendo até mesmo o poder real ao domínio da lei comum. A Terra Carta foi uma ideia que Charles apresentou na One Planet Summit, conferência dedicada à preservação da biodiversidade, realizada em Paris em janeiro do ano passado. Cerca de trinta chefes de Estado estavam presentes. O do Brasil não foi convidado, apesar de grande parte do território do país abrigar a floresta mais biodiversa do planeta, a Amazônia.
Após a visita à Coffea stenophylla, a comitiva seguiu para o Grass Garden, área dedicada principalmente às gramíneas, com 550 espécies, todas de uso comercial. Ao avistar alguns tipos de grama de maior porte, o príncipe perguntou a Antonelli sobre a serventia delas. “Sir Charles, essas espécies geram menos gás metano nas vacas que as comem. E o metano que elas emitem colabora com as mudanças climáticas”, explicou o biólogo paulista. “Mas elas gostam de comer isso?”, perguntou o príncipe. Ao que Antonelli respondeu: “Se não tiverem outra opção, sim.” E os dois soltaram uma risada, quebrando a formalidade do encontro e atraindo os flashes dos fotógrafos que acompanhavam a visita.
O passeio terminou no Laboratório Jodrell, onde cientistas estudam o DNA de plantas e realizam análises de produtos de grandes empresas como a sueca Ikea e a norte-americana Procter & Gamble.
Os Royal Botanic Gardens (Jardins Botânicos Reais), mais conhecidos como Kew Gardens, por estarem situados na região de Kew, no sudeste de Londres, remontam ao início do século XVIII. Nessa época, o local abrigava residências de nobres, mas foi adquirido em 1759 pela princesa Augusta de Saxe-Gota-Altemburgo, mãe do rei George III, que decidiu criar ali um jardim de plantas exóticas. Pouco a pouco, todo tipo de vegetal começou a chegar ao jardim, trazido pelas mãos dos curiosos naturalistas britânicos que se espalharam em expedições por várias partes do mundo.
Em 1840, o jardim botânico deixou de pertencer à realeza e passou a ser comandado pelo governo britânico, reforçando o seu cunho científico e de pesquisa econômica, com o desenvolvimento de espécimes para o cultivo. Um episódio dramático do colonialismo aplicado à agricultura, aliás, vincula os Kew Gardens à história econômica brasileira. Em 1876, um funcionário dos jardins, Robert MacKenzie Cross, e o comerciante de borracha inglês Henry Wickham conseguiram levar com sucesso da região amazônica para a Inglaterra milhares de sementes da Hevea brasiliensis, a seringueira, que produz a borracha natural. As mudas foram cultivadas nos Kew Gardens, e as que floresceram, enviadas para serem plantadas no Sri Lanka, então colônia britânica conhecida como Ceilão. Os plantios deram certo na Ásia e derrubaram o então poderoso monopólio brasileiro da borracha natural. Até hoje, o Sri Lanka é um grande produtor de borracha.
Há cerca de 50 mil plantas e 14 mil árvores nos Kew Gardens, que ocupam uma área de 130 hectares – um pouco menor que o Parque Ibirapuera, em São Paulo, que tem 158 hectares. Além das atrações vegetais, várias construções erguidas no local ao longo dos séculos chamam a atenção dos visitantes. O Grande Pagode, de 1762, é uma torre de 50 metros que imita os templos chineses. O Rock Garden, feito em 1882, exibe a vegetação de regiões montanhosas. Atração preferida dos turistas, segundo um levantamento interno, a Palm House é uma estufa de espécies extraídas de florestas tropicais, construída entre 1844 e 1848. Até 2019, o jardim botânico inglês recebia em média 2 milhões de visitantes por ano, o que fazia dele um dos principais pontos turísticos da região de Londres. Com a pandemia, entretanto, o movimento caiu mais de 40%.
Por trás da fachada turística, os Kew Gardens têm historicamente outra missão: realizar pesquisas científicas. A instituição conta com mais de 350 pesquisadores, capitaneados por Antonelli, e dispõe de uma receita anual na casa dos 80 milhões de libras (cerca de 590 milhões de reais), provenientes de doações, patrocínios, repasses governamentais e lucros com projetos. Desse montante, em torno de 50 milhões de libras (cerca de 370 milhões de reais) são destinados à área de “pesquisa e conservação”.
O lugar favorito de Antonelli nos Kew Gardens é o mesmo da maioria dos turistas: a Palm House. Ele tem um motivo sentimental para preferir a estufa de plantas tropicais. “O cheiro, a luminosidade, a umidade, tudo me leva de volta para casa.” É só o biólogo entrar ali e afloram em sua memória recordações do quintal em Campinas onde passou a infância: o cheiro do pé de limão, a imagem dos cachos da bananeira, das verduras crescendo na horta e das borboletas azuis que passeavam por lá.
Seu pai, um bancário cujo hobby era a astronomia, costumava ficar horas observando as estrelas. O menino também gostava de vasculhar o céu com o telescópio doméstico, mas seu passatempo predileto era coletar e colecionar insetos. “Minha família me chamava de bicho do mato”, conta Antonelli. “Eu fazia assim”, ele explica, gesticulando. “Com um pedaço de tecido preso a um arame, capturava borboletas e besouros para guardar em caixas de sapato. Até hoje tenho essa mania.” Ele guarda uma coleção de mais de 2 mil insetos em sua casa. “Tenho também uma de carcaças de cobras.”
Os passeios pelas praias do litoral paulista, nas férias da família, incentivaram ainda mais a paixão de Antonelli pela natureza. Quando chegou a época do vestibular, ele optou pela biologia, que começou a cursar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas era inquieto demais para a rotina universitária e, aos 17 anos, decidiu trancar o curso, colocar um mochilão nas costas e embarcar para a Europa.
O plano inicial era viajar por seis meses, mas a aventura se prolongou por três anos. Antonelli morou na França, na Suíça e percorreu de carona a Europa Oriental. Para se sustentar, fazia bicos. “Trabalhei de garçom, faxineiro, jardineiro, babá, de tudo.” Foi para o México, onde bateu ponto como concierge de um hotel. Juntou dinheiro para praticar mergulho em praias de Cuba e Belize. Depois, decidiu ir para Honduras, onde se tornou instrutor de mergulho. “Nos parques nacionais hondurenhos, comecei a perceber os padrões da natureza, o contexto geral. Entendi, por exemplo, como plantas e animais viajaram pelo mundo, ao longo de milênios, para construir a Terra como conhecemos. Passei a me interessar pelos processos evolutivos e como eles transformam o meio ambiente.”
Em Honduras ele conheceu sua mulher, a sueca Anna Sveide, que também dava aulas de mergulho. Os dois se casaram em 2001 e têm três filhos – Gabriel, de 16 anos, e Clara e Maria, gêmeas de 15 anos. Antonelli passa parte dos dias em Gotemburgo, na Suécia, onde vive sua família, e parte em Londres. Cerca de duas horas de voo (sem escala) separa uma cidade da outra.
Foi na Universidade de Gotemburgo, uma das mais tradicionais da Suécia, que ele terminou a graduação de biologia. “Ia para as aulas de manhã e à noite. À tarde, trabalhava como tradutor. Anna, empregada como enfermeira, era quem arcava com a maior parte das contas” (hoje, sua mulher dirige a ala de uma clínica psiquiátrica). Durante o doutorado, na mesma universidade, Antonelli realizou suas primeiras excursões científicas à Amazônia, entre 2003 e 2008. Em 2010, aos 32 anos, tornou-se curador do Jardim Botânico de Gotemburgo, o maior dos países escandinavos, com 16 mil espécies de plantas.
No mesmo ano, junto com uma equipe de dezoito pesquisadores, publicou na revista Science um importante estudo, intitulado Amazonia Through Time: Andean Uplift, Climate Change, Landscape Evolution, and Biodiversity (Amazônia ao longo do tempo: elevação andina, mudanças climáticas, evolução da paisagem e da biodiversidade). Nele, demonstrou como processos geológicos e filogenéticos foram a razão da formidável variedade de espécies da Amazônia. Uma causa crucial foi a elevação da Cordilheira dos Andes, que produziu efeitos sobre a região amazônica que levaram ao aumento da biodiversidade. A pesquisa apontou ainda que a origem do boom de espécies no bioma amazônico ocorreu há mais de 20 milhões de anos. Antes, acreditava-se que teria ocorrido cerca de 3 milhões de anos atrás.
No meio acadêmico, mede-se o sucesso de um artigo científico pela quantidade de vezes que é citado em outros estudos de renome. O texto da Science foi citado em quase 2 mil pesquisas. Professor de biodiversidade da Universidade de Gotemburgo e professor visitante da Universidade de Oxford, Antonelli já assinou cerca de 200 artigos científicos, mencionados em 12 mil estudos. “Ele é brilhante. Contribuiu para as ciências ambientais de diversas formas, descrevendo, mapeando e realizando previsões relacionadas à biodiversidade, além de influir em projetos que mitigam os efeitos negativos das mudanças climáticas”, diz a botânica Mari Källersjö, professora da Universidade de Gotemburgo e atual diretora do jardim botânico da cidade. “Mas o que o distingue ainda mais de seus pares é sua qualidade como comunicador. Ele tem a rara habilidade de tornar fáceis de entender as coisas mais complicadas, seja conversando com crianças em uma escola, seja com executivos ou líderes mundiais.”
Na virada de 2015 para 2016, Antonelli fez uma promessa de Ano-Novo para a sua família. “Prometi que iria criar um centro para tratar de biodiversidade na Suécia, unindo esforços de várias instituições científicas, como museus e universidades”, ele conta. Dito e feito. O Centro de Biodiversidade Global de Gotemburgo foi inaugurado em 2017. “Após um ano de trabalho, em 2018, calculamos que o número de notícias sobre biodiversidade na mídia sueca aumentou em cerca de dez vezes, principalmente em consequência de nossos esforços para divulgar essas pautas”, diz Antonelli.
Em junho de 2018, durante uma estadia de seis meses como professor visitante na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, ele recebeu uma carta dos Kew Gardens, com um convite para se candidatar à vaga de diretor científico da instituição. O biólogo estava com 39 anos e se julgava “novo e inexperiente demais para o cargo”. Mas para o diretor-geral dos Kew Gardens, o inglês Richard Deverell, a escolha de Alexandre Antonelli para a diretoria científica dos jardins ocorreu na hora certa: “Ele entrou na instituição em um momento particular, no qual seu histórico pessoal em estudos de conservação da biodiversidade se alinhou com as visões e estratégias dos Kew Gardens de preservar a diversidade das plantas em escala global.”
Deverell, que também é biólogo, fez trabalho de campo na Tanzânia com “Alex”, como chama Antonelli, e ficou impressionado. “Pude me certificar do quanto ele é apaixonado pela atividade de naturalista”, conta. “Alex é hoje uma referência global em estudos de biodiversidade em florestas tropicais na América do Sul, contribuindo para entender como as forças da evolução resultaram na extraordinária riqueza e diversidade de espécies na região.”
Para poder aceitar o convite dos Kew Gardens, o biólogo brasileiro precisou deixar em 2019 a direção do centro de biodiversidade e do Jardim Botânico de Gotemburgo. Também abandonou os planos de desenvolver um aplicativo de reconhecimento, por meio da câmera do celular, de espécies animais e vegetais. Ele estava testando a tecnologia em escolas na Suécia na época.
Opríncipe Charles e Antonelli se falaram pela primeira vez, por telefone, em dezembro de 2020. A ligação durou cerca de uma hora, e os dois conversaram a respeito de problemas ambientais e das iniciativas científicas dos Kew Gardens. “Falamos sobre soluções para combater o desmatamento e incentivar o reflorestamento em países com vastas florestas tropicais”, contou o biólogo, que foi autorizado a tratar o príncipe de “sir Charles”. “Ele manifestou frustração com a falta de interesse de alguns grupos, em especial empresas de capital gigantesco, que se beneficiaram economicamente ao longo da pandemia. Elas, de fato, não têm contribuído na prática com as transformações ambientais que precisam ser feitas agora.”
Em outubro do ano passado, o príncipe William, o filho mais velho de Charles e o segundo na linha de sucessão ao trono, também se mostrou preocupado com o assunto ao fazer uma declaração que rendeu manchetes em todo lugar. Logo depois que Jeff Bezos, o dono da Amazon, lançou ao espaço mais um foguete de sua companhia Blue Origin e poucos dias antes da abertura, em Glasgow, da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP26, William disse a uma emissora de tevê: “Precisamos de alguns dos maiores cérebros e mentes do mundo concentrados em tentar consertar este planeta, não tentando encontrar o próximo lugar para ir e viver.”
Antonelli concorda com William. “Temos de direcionar os recursos financeiros e intelectuais para reparar o que está acontecendo com o meio ambiente. Ou serão enormes os remorsos, pois deixaremos essa devastação como uma herança que vai afetar nossos filhos e netos”, diz. O diretor científico dos Kew Gardens também não teme dar nome aos bois, o que William evitou. “Investir em astrofísica, na exploração científica do espaço, é fundamental. Mas não é isso que Bezos faz. Ele faz isso pelos lucros e para se exibir.”
Em novembro do ano passado, Antonelli esteve na COP26 com um grupo de 28 cientistas dos Kew Gardens. A missão deles, segundo o biólogo, “foi apresentar evidências de como soluções científicas sustentáveis, baseadas em sistemas naturais, podem combater as crises climáticas e a perda de biodiversidade”. Um exemplo dessas evidências levado a Glasgow foi a semente da Coffea stenophylla, a mesma apresentada ao presidente do Gabão um mês antes.
Na COP26, Antonelli teve encontros com o presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, e da Costa Rica, Carlos Alvarado Quesada. A equipe dos Kew Gardens faz parceria científica com mais de cem países, para realizar projetos como os de catalogação de plantas na Colômbia e de reflorestamento no México. Com o Brasil, nada. “Infelizmente, não temos conseguido firmar novas parcerias com o Brasil”, lamenta. “Espero maior abertura do governo federal para escutar os cientistas e entender suas prioridades. Mas o que tenho visto é o contrário, com pesquisadores perdendo bolsas e colegas abandonando os estudos que realizam por falta de apoio. Muitos estão desempregados.”
Por isso mesmo, Antonelli acredita que pode contribuir mais para o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira fazendo seus trabalhos fora daqui. “Na Inglaterra e na Suécia tenho todo o apoio necessário para realizar pesquisas mais ambiciosas, incluindo as coletas e análises que realizo em biomas brasileiros, como na Amazônia. No Brasil, desde que acabaram com o programa Ciência sem Fronteiras, infelizmente o país não conta com uma ação federal de peso na área.”
Na COP26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite, disse que o Brasil zeraria o desmatamento em 2028, adiantando em dois anos o prazo prometido por outros governos brasileiros em conferências climáticas anteriores. Para explicar o plano surpreendente, Pereira Leite exibiu um gráfico com dados otimistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com a informação de que o desmatamento na Amazônia teria diminuído 5% entre 2020 e 2021. Na verdade, estava tentando fazer a plateia de boba.
Em 18 de novembro, seis dias após o fim da COP26, veio a público a notícia de que o ministério ocultara por mais de um mês as informações reais do Inpe sobre o desmatamento, que havia aumentado 22% – e não diminuído 5%. Antonelli é taxativo: “Para ter acesso às dezenas de bilhões de dólares de financiamentos dados como incentivo pelas nações ricas a quem preserva, e não desmata, países como o Brasil precisam provar o que falam.”
Em julho deste ano, Antonelli vai lançar o seu primeiro livro, The Hidden Universe: Adventures in Biodiversity (O universo oculto: aventuras na biodiversidade). A obra será publicada simultaneamente na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Suécia e na China – ainda não tem edição prevista no Brasil. Está dividida em quatro partes. Na primeira, ele procura responder a esta ampla questão: “O que é biodiversidade?” Na segunda, discute o valor da biodiversidade, que vai além da dimensão financeira. “Como as estrelas pouco ligam para o que pensamos delas quando olhamos para o vazio, as flores – e a biodiversidade – não estão aqui realmente por nós. Mas uma coisa é certa: não poderíamos estar aqui sem elas”, escreve. Nas duas últimas partes, ele aponta as principais ameaças e as soluções para a construção de um futuro sustentável.
O livro não é dirigido ao meio científico, mas ao público em geral. “Senti desconexão entre o que os pesquisadores debatem sobre o tema da biodiversidade e o entendimento da maioria da população sobre o assunto. Por isso decidi escrever”, diz Antonelli. “Misturei os meus estudos com as percepções e vivências que tive ao fazer trabalho de campo, nas florestas.” Ao longo de sua carreira, ele coletou, identificou e catalogou mais de 2 mil tipos de plantas, insetos e répteis, em estudos de campo feitos em 24 países.
Na obra, o biólogo conta várias histórias das descobertas que fez. Em algumas, o acaso teve participação importante. Ele encontrou uma nova espécie de planta, uma parente distante do café, a Cordiera montana, ao tropeçar no galho de uma árvore de 10 metros de altura, na Cordilheira dos Andes, no Peru.
No Norte de Moçambique, quando estava atrás de cobras venenosas, ele fez outra descoberta junto com sua equipe. “Após o Sol se pôr e as temperaturas caírem um pouco, pegamos nossas tochas e saímos para uma caminhada. Estava um breu e de repente vimos dois olhos brilhantes nos encarando de uma enorme rocha”, conta Antonelli no livro. “Um de meus alunos, Harith Farooq, pulou ferozmente em direção ao animal e finalmente conseguiu pegá-lo, ao custo de vários arranhões.” Era uma nova espécie de lagartixa, de 15 cm de comprimento, que ainda não foi catalogada.
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