Cuiabanno Lima, o mais requisitado locutor de rodeios do país, passa a maior parte do ano circulando por eventos que, além das competições de montaria, reúnem tradições circenses, manifestações religiosas e shows sertanejos ILUSTRAÇÃO: KLEBER SALES
No país dos caubóis
Acontecem no Brasil todo ano cerca de 1 800 rodeios – neles, peões, artistas e locutores pop star arrebatam o interior e se ressentem do descaso das metrópoles
Paula Scarpin | Edição 109, Outubro 2015
Sem favoritos, a final do rodeio de Ipameri, no interior de Goiás, manteve o público atento até a última montaria. Já passava das onze da noite quando a competição terminou. Os touros começavam a ser reconduzidos ao curral. A equipe técnica do show sertanejo que viria a seguir fazia ajustes no som, e o público já se preparava para ocupar a arena, quando a voz grave do locutor Cuiabanno Lima voltou a ecoar nos alto-falantes. Agora sozinho no meio do descampado, o moreno de 1,80 metro parecia pequeno.
“Eu queria verdadeiramente pedir desculpas a vocês”, disse, entre um e outro zumbido de microfonia. “Porque tenho consciência de que não pude dar o meu melhor hoje.”
A declaração fora do script pegou o público de surpresa. O locutor tirou o chapéu e deu um suspiro longo. Estava visivelmente abatido.
“Foi muito difícil fazer esse rodeio hoje. Estou me sentindo muito fraco. Agradeço a vocês pela compreensão”, disse, já sob os aplausos da plateia, que continuou a bater palmas enquanto ele caminhava devagar até uma ambulância – posicionada atrás das arquibancadas – que estava ali para atender os peões eventualmente acidentados.
Do lado de fora do carro médico, alguns fãs aguardavam por notícias de celular em punho, com a esperança de um selfie ao lado do locutor. O juiz da competição aventava aos cochichos que devia ser a pressão, já que o locutor havia precisado se escorar nele algumas vezes durante a noite. O assessor de Cuiabanno, Alex Pinheiro, um rapaz barbudo, de pele acobreada e ascendência indígena, aquiesceu cabisbaixo. Mais conhecido como Pica-Pau, ele tinha passado o rodeio levando sal, isotônico e energético ao chefe para ver se lhe aplacava a fraqueza.
Era início de julho, o auge da temporada, e Cuiabanno Lima, o mais requisitado locutor de rodeios do país, vinha numa maratona de 22 eventos nos últimos trinta dias. Longe das atenções do Brasil litorâneo, as festas em que os peões competem para ver quem consegue se equilibrar com mais destreza sobre um touro ou um cavalo bravo galvanizam as cidades do interior – além das competições de montaria, reúnem tradições circenses, manifestações religiosas e apresentações de cantores sertanejos. Entre março e novembro, período em que é quase impossível conseguir um espaço na agenda de Cuiabanno, acontecem cerca de 1 800 rodeios numa área que vai do Paraná a Rondônia, de Mato Grosso do Sul a Minas Gerais. Em muitas cidades, a competição de montaria, associada a alguma festa local, é o principal evento do ano.
Para acomodar o excesso de demanda, não raro Cuiabanno frequenta mais de uma festa por semana, fazendo em algumas delas apenas uma participação especial, na abertura ou no fechamento – em geral os pacotes são para os quatro dias de rodeio. Sua diária varia entre 7 e 15 mil reais (dependendo do trabalho), cerca de duas vezes o que outros locutores renomados cobram para o mesmo tipo de evento. Acompanhado por Pica-Pau e pelo DJ Renato Pacheco, passa a maior parte do ano circulando de carro por cidadezinhas do Sudeste e do Centro-Oeste do país. Os três se revezam na direção da caminhonete – e dentro do carro é um dos poucos lugares em que não estão de chapéu.
Apesar do nome artístico, Cuiabanno Lima pisou pela primeira vez na capital de Mato Grosso em 2008. O locutor de 39 anos, grandalhão, de nariz adunco e pálpebras caídas, nasceu em São José do Rio Preto, no interior paulista, mas cresceu e ainda mora em Barretos, sede da principal festa do peão do país.
Quando começou a se interessar pela narração de rodeios, ainda adolescente, Cuiabanno sentiu a necessidade de driblar o nome de batismo: Andraus Araújo de Lima, uma homenagem do pai a um velho amigo. Procurando uma alcunha que remetesse ao interior do Brasil, lembrou-se do sucesso Boiada Cuiabana, da dupla Tião Carreiro & Pardinho, e adotou o nome. O ene só foi dobrado recentemente, por sugestão de uma amiga numeróloga, e a mudança na grafia ainda não consta da maior parte de seu material de divulgação.
Quase no limite setentrional do estado de São Paulo, a cidade de Barretos fica mais próxima da divisa com Goiás e Minas do que da capital paulista – e cumpre o papel de representante cultural do Brasil profundo, orgulhoso do agronegócio. Apesar de manter família na cidade, Cuiabanno passa pouco tempo por lá. Tinha se despedido mais uma vez da mulher, Valéria, e do filho Lucas, de 11 anos, poucos dias antes. Prestes a pegar a estrada rumo a Ipameri, conferiu a quilometragem de sua 4×4 Mitsubishi Triton, comprada havia menos de dois meses: já tinha rodado 12 900 quilômetros, e só naquela tarde iria acrescentar outros 400 ao hodômetro.
Nas quase cinco horas de estradas que cortavam pastos, canaviais e plantações de soja, Cuiabanno falou sem parar sobre o ramo em que está metido há 22 anos. Ao que se sabe, os rodeios surgiram por causa do transporte de boiadas das fazendas até os abatedouros, muitas vezes distantes. Montados a cavalo, os vaqueiros iam tocando o gado pela estrada e ao chegar ao destino final se desafiavam uns aos outros. Berços do rodeio no Brasil e nos Estados Unidos, as cidades de Barretos e Austin, no Texas, têm em comum a concentração de grandes frigoríficos.
As competições de montaria se desenvolveram paralelamente nos dois países, com características e regras diferentes. A principal é que o rodeio no Brasil cresceu incorporado a outras formas de entretenimento, como o circo e a música, e nunca se separou delas. Nesse contexto, o papel do locutor é primordial. Mestre de cerimônias do espetáculo, ele tem muito mais destaque do que os próprios peões.
Em 1985, um ex-peão lançou uma escola de locução de rodeios. Aposentado precocemente depois de ter o pulmão perfurado ao ser pisoteado por um touro, Waldemar Ruy dos Santos, o Asa Branca, inovou ao contratar um DJ que intercalava trechos de música sertaneja e de clássicos do rock ao discurso do locutor. Também foi o primeiro a narrar de dentro da arena, com um microfone sem fio – Cuiabanno Lima é um dos muitos que seguiram seus passos.
Asa Branca ficou famoso pela ousadia, no limiar da imprudência, chegando a se atirar na frente dos touros durante as montarias. Entrava na arena a bordo de helicópteros, cultivava imagem de astro do rock e, de maneira quase clichê, teve problemas com drogas e contraiu HIV. Em 2013 por pouco não morreu ao se contaminar com criptococose, mais conhecida como “a doença do pombo”. Hoje recuperado depois de seis cirurgias no cérebro, já começa a voltar à ativa.
A caminho de Ipameri, o sol ia baixo no horizonte quando Cuiabanno Lima contou que vinha perseguindo um só objetivo desde os 16 anos, quando ensaiava pequenas participações em rodeios universitários. O sonho de todo locutor, ele disse, é apresentar a final da prova de montaria em touros na Festa do Peão de Barretos – e, por alguns minutos, brilhar ao lado dos melhores animais e dos melhores caubóis reunidos na principal arena do país. Apesar do sucesso e do tempo de estrada, Cuiabanno ainda não conquistou o posto de maior prestígio em seu ofício.
“Eu ficava beirando todo mundo e pedindo oportunidade, mas sempre tive as portas muito fechadas ali”, contou, sem entrar em detalhes sobre as possíveis razões do boicote que dizia sofrer, justo em sua cidade. “É como naquele ditado, santo de casa não faz milagre”, declarou. O assunto claramente o incomodava: em geral piadista e bem-humorado, Cuiabanno estava sério ao volante.
A vontade de ter uma chance era tamanha que, quando jovem, ao ver um aspirante a locutor de rodeio – também de Barretos – ganhar espaço na Festa do Peão, engoliu o orgulho e foi se aconselhar com o concorrente. O rapaz se chamava Adriano Martins de Oliveira, mas já naquela época adotava o nome artístico de Adriano do Vale – em referência ao vale do Rio Grande, onde fica a cidade. De toda forma, a alcunha que pegou, e da qual Adriano Oliveira nunca se veria livre, foi “Vaquinha”, herança do pai, que transportava bovinos. Apenas dois anos mais velho que Cuiabanno, Vaquinha compartilhava sua obsessão: narrar a prova mais nobre de montaria do Brasil.
Aflita por ajudar o adolescente ambicioso, a mãe de Vaquinha telefonou ao então diretor de rodeio da Festa do Peão de Barretos, Marcos Abud. Por mais de vinte anos responsável pelas provas do evento, Abud hoje comanda a Liga Nacional de Rodeio. Naquela ocasião, ele conhecia de vista o rapaz baixinho e irrequieto. Mas não acreditava que o aspirante a locutor, dono de uma voz aguda, pudesse vingar na profissão. Sem muito tato, deu um conselho à mãe zelosa, do outro lado da linha: “Dona Leda, esse menino não dá pra locutor. Compra um caminhão pra ele.”
Menos de uma hora mais tarde, arrependido de ter sido grosseiro, Abud passou a mão no telefone e disse a dona Leda que mandasse o jovem a seu escritório – não sem antes matriculá-lo numa fonoaudióloga. A sintonia entre Vaquinha e o diretor foi imediata. O rapaz começou a trabalhar na maior festa do país ainda em 1993, e desde então permanece no programa. Recentemente declarou que vai retomar a fono.
Na caminhonete, Cuiabanno Lima se queixou que o colega nunca o teria ajudado. Durante todo esse tempo, as porteiras barretenses jamais se abriram para ele, ainda que hoje seja muito mais famoso do que Vaquinha: enquanto sua página no Facebook reúne quase 190 mil seguidores, a do concorrente não chega a 6 mil. Números que aparentemente não significam muito para a tradicional Festa do Peão.
Assim como a ginástica olímpica engloba subdivisões como salto, argola e barras assimétricas, são muitas as modalidades de provas sob o guarda-chuva “rodeio”. Acabam sendo alocadas, todas, dentro de duas categorias maiores: as de montaria e as funcionais. As primeiras são disputas de resistência, em que o competidor deve permanecer oito segundos sobre um animal não domado – geralmente touro ou cavalo. A segunda categoria reproduz atividades do dia a dia da fazenda – como apartar um bezerro do meio de uma boiada. São competições que avaliam a destreza e a agilidade dos peões.
Até os anos 80, a modalidade mais concorrida no Brasil era a de montaria em cavalos. Desde então, por influência da cultura norte-americana, o rodeio em touros passou a ganhar espaço. A tal ponto que hoje é a única categoria disputada na maioria dos eventos.
A montaria em touros é considerada a mais radical das modalidades do rodeio. Uma das razões seria a diferença brutal de tamanho entre touro e cavalo – enquanto o primeiro pesa em torno de 1 tonelada, o segundo costuma pesar metade disso –, o que, além de exigir maior força muscular do peão, também potencializa muito os riscos a que o sujeito está exposto, como o de uma pisada do animal.
A logística das duas modalidades, no entanto, é a mesma. Um sorteio estabelece a ordem de entrada em cena, bem como qual animal caberá ao peão montar naquela noite. Pouco antes do início do rodeio, os animais seguem dos currais para os “bretes”, uma fileira de jaulas individuais em que são dispostos na ordem em que vão pular. Os peões ficam no fundo dos bretes – geralmente sob o palco do show – cuidando dos últimos detalhes de indumentária e equipamentos.
Os caubóis são obrigados a trajar coletes, luvas e calças de couro – que cobrem apenas a parte da frente da perna e são colocadas por cima da calça jeans. Calçam botas de montaria, com esporas no calcanhar. Desde o reconhecimento oficial do esporte, em 2001, a espora cortante foi banida da atividade, sendo substituída por uma estrela de pontas arredondadas e de espessura grossa – que os peões não hesitam em passar no rosto, para provar que os animais de rodeio não sofrem maus-tratos.
Há ainda outro polêmico acessório – de responsabilidade do tropeiro, o dono do boi ou cavalo – presente em todas as modalidades de montaria. É o “sedém”, uma cinta de lã que é presa à virilha do animal. Críticos de rodeios e protetores dos direitos dos animais sustentam que essa faixa apertaria os testículos do boi ou do cavalo, provocando os saltos na arena. Os veterinários do rodeio, entretanto, alegam que a cinta passa longe do órgão reprodutor, e argumentam que nenhum animal pularia com os testículos atados. Os saltos, maiores ou menores, dependeriam da “índole” de cada indivíduo, eles dizem – e justificam o uso do sedém como ferramenta de condicionamento: assim como um cão sabe que é a hora de passear ao receber a coleira, o touro reconheceria o momento de pular quando lhe põem a cinta.
Não é incomum flagrar o “sedenheiro” apoiando o pé no flanco do animal para puxar a cinta até o último centímetro, atando-a com força. Quem não está acostumado ao ambiente pode ficar impressionado com o tratamento – que, no entanto, não difere daquele usado no dia a dia da fazenda, inclusive quando se sela um cavalo de passeio.
Se o peão resiste no dorso do bicho pelo período regulamentar, sem cometer nenhuma infração, a montaria é avaliada por um ou mais juízes, que designam uma nota de 0 a 100 – 50 pontos se referem à performance do animal, 50 à do peão. Caso o animal não ofereça muita resistência, o que acarreta uma diminuição da nota do conjunto, o juiz pode oferecer uma nova chance ao peão – o chamado re-ride.
Quase sempre, rodeios e shows constituem o entretenimento noturno de feiras agropecuárias, cujo objetivo principal é a venda de maquinário agrícola, o leilão de gado leiteiro ou de corte, ou a promoção de um produto cultivado na região. Além de terem que animar o público, os locutores devem mencionar os patrocinadores do evento, os políticos e empresários presentes – para tanto, recebem um briefing dos contratantes (geralmente a prefeitura ou um sindicato rural) com os nomes.
Em suas apresentações, Cuiabanno Lima elimina a fronteira já não muito nítida que separa o esporte do espetáculo. O locutor adentra a arena com sua própria caminhonete – e da caçamba explodem fogos de artifício. Isso nos eventos mais modestos. Se o orçamento for gordo, ele pode descer de um helicóptero, perpetuando a tradição de Asa Branca. Em seguida dirá frases em tom grave e solene, logo acompanhadas por trechos de sertanejo universitário e efeitos de sonoplastia, empregados sem parcimônia pelo DJ. Pode também rezar uma Ave-Maria e em seguida cantar o hino nacional, não sem antes louvar “este Brasil rural, o Brasil do agronegócio”.
Naquela noite da final de Ipameri, o locutor recebeu uma dose de soro oral na ambulância, além da recomendação de consultar um cardiologista.
“Tô assustado”, disse Cuiabanno para Pica-Pau, enquanto este vestia o chefe com uma jaqueta de couro. O assessor tinha o olhar despreocupado de quem já vira aquela cena outras vezes.
“Que tal ir cedo pro hotel, hoje, e dormir?”, perguntou, num tom de repreensão maternal.
Cuiabanno explica que o tempo gasto por ele em companhia de contratantes e patrocinadores, em volta da mesa e diante de um copo, muitas vezes até alta madrugada, é tão ou mais importante para o seu ofício do que a qualidade da locução. Nesses momentos em que trabalho e diversão parecem se confundir, Cuiabanno diz estar praticando o que chama de “lobby”. Naquele dia não foi diferente.
Depois de sair da ambulância e “dar uma passadinha” no camarote para cumprimentar algumas pessoas, o locutor se dirigiu ao estande da Caixa Econômica Federal, onde permaneceu fazendo lobby com representantes do banco, entre um copo de uísque e outro. Só deixaria o parque de exposições às quatro da madrugada.
Na manhã seguinte, para surpresa da equipe, o locutor despertou a tempo de tomar o café no hotel. “Vida nova, Cuia?”, perguntou Pica-Pau, zombeteiro. Sem tirar os óculos escuros nem para passar manteiga no pãozinho, o patrão respondeu: “Sonhei de novo com o Cristiano.” Ele se referia ao cantor de sertanejo universitário Cristiano Araújo, morto duas semanas antes num acidente de carro, quando voltava de um show. Pica-Pau, que cresceu na mesma rua do cantor em Goiânia, desmanchou o sorriso.
Não era só o assessor que era próximo de Araújo – as caravanas de artistas sertanejos e profissionais do rodeio se cruzam o tempo todo por festas no interior do país, formando laços de amizade. Além disso, a projeção era inevitável: a equipe estava prestes a pegar a estrada novamente. Depois do café, seguiriam para Bambuí, no interior de Minas Gerais. O acidente que vitimou o cantor poderia ter ocorrido com eles.
A morte de Cristiano Araújo também havia servido para fortalecer uma identidade reativa sertaneja. A idolatria de seus fãs, facilmente verificável nos muitos registros de seus shows no YouTube, era inversamente proporcional ao espaço que a grande mídia reservava a seu trabalho. Surpreendidas com a comoção desencadeada em todo o país, as grandes redes fizeram uma cobertura coalhada de gafes – como a da apresentadora Fátima Bernardes, que lamentou a morte de “Cristiano Ronaldo”. Mas foi uma manifestação específica, uma crônica do jornalista Zeca Camargo, que despertou as maiores doses de ira. Sobre imagens de arquivo, o jornalista leu um texto durante o Jornal das Dez, na GloboNews, lamentando que o Brasil carecia de ídolos de verdade.
A afirmação soou desrespeitosa a muitos, sobretudo num momento de luto, e reforçou o sentimento de “nós contra eles” no mundo sertanejo. Em suas redes sociais, Cuiabanno Lima compartilhou a foto de um vaso sanitário pichado com o nome de Zeca Camargo. Na legenda, o locutor escreveu: De frente para o mar, de costas pro Brasil.
No estande da Caixa, na noite anterior, a rivalidade entre os dois Brasis esquentou a conversa. Inebriado de uísque e sono, Cuiabanno forçou a mão em defesa do agronegócio, dizendo que, por ele, toda a área da Amazônia poderia ser convertida em pasto e plantação. Sem encontrar eco nos interlocutores, ele tentou argumentar que “o povo do Rio de Janeiro só come orgânicos” – ainda que bonita, uma opção inviável para o país inteiro, segundo ele. A mesa parecia confusa. Depois de um breve silêncio, acharam melhor retomar um assunto consensual e voltaram a malhar Zeca Camargo.
Vencido pelo cansaço e pelo adiantado da hora, o locutor se esqueceu de justificar sua menção à preferência dos cariocas por alimentos sem pesticida. Um improvável amigo de Cuiabanno, o ator Marcos Palmeira, é dono de uma rede de produtos orgânicos na cidade – e era ele o seu modelo de carioca. Os dois se conheceram na gravação do filme Buena Sorte, de 1995, dirigido por Tânia Lamarca. Palmeira encarna um caubói brasileiro criado nos Estados Unidos que volta para realizar o sonho de montar em Barretos. Cuiabanno, então com 19 anos, fez testes de casting e foi selecionado para narrar as montarias do filme.
“Ele era uma graça, virou o xodó da equipe”, contou Tânia Lamarca por telefone. Palmeira e Cuiabanno nunca perderam o contato. O ator convidou o amigo para passar temporadas em sua casa no Jardim Botânico, conseguiu pequenas pontas para ele em produções como Sítio do Picapau Amarelo, e o inscreveu num curso de clown na Fundição Progresso. “Mas o negócio dele mesmo era narrar rodeio, ele só falava nessa final de Barretos”, contou Palmeira. O ator diz que as diferenças de opinião nunca foram um problema, e que cada um aprendeu a respeitar o universo do outro.
Treze anos mais novo, Cuiabanno Lima cresceu vendo Palmeira na televisão, e já o admirava antes mesmo de se tornarem amigos. Um personagem em particular ficou gravado na memória do locutor: o ator interpretava o filho rejeitado pelo coronel do cacau vivido por Antônio Fagundes, na novela Renascer. Filho que, apesar de renegado, consegue dar a volta por cima e salva os negócios da família. Cuiabanno encontrou no personagem uma fonte de inspiração. Também tinha querido conquistar a admiração do pai. “Sou filho bastardo de um fazendeiro”, ele me contou, emocionado, numa das viagens pelo interior do país, enquanto dirigia. E acrescentou, orgulhoso: “Eu me tornei o Cuiabanno Lima sem precisar da referência do meu pai pra nada.”
Arlando de Lima nunca negou ser pai do locutor. Mas, ainda que o fizesse, não seria necessário um exame de DNA. O filho parece tanto com o pai que, como o nome Andraus nunca pegou, muito antes de ser Cuiabanno ele atendia por Arlandinho.
O locutor também conheceu, desde sempre, a história de seus pais, relatada pela mãe. Quando pôs os olhos na então comerciante Marlene Araújo – uma loira de olhos azuis quase translúcidos, dezessete anos mais nova que ele –, o fazendeiro barretense já era casado e tinha quatro filhos. Dona Marlene jura que nunca teve a ilusão de que Arlando se divorciaria da primeira esposa, que também estava a par do relacionamento extraconjugal.
O casal já se relacionava havia seis anos quando ela engravidou – de gêmeos. “Eu não posso me queixar, ele nunca me deixou faltar nada, nem aos meninos”, disse dona Marlene numa tarde abafada em Barretos. Arlando fez questão de batizá-los na igreja. Para combinar com Andraus, resolveu chamar o outro menino de Adriano. O registro em cartório, contudo, só veio muitos anos mais tarde, quando os filhos chegaram à maioridade e Cuiabanno reivindicou que o pai providenciasse o documento.
Bivitelinos, os irmãos não poderiam ser mais diferentes. Além da aparência – Adriano tem a tez clara e os traços suaves da mãe –, a personalidade de cada um dos meninos correspondia ao genitor a quem havia puxado. Cuiabanno era altivo e indisciplinado como o pai; o tímido Adriano gostava de estudar, como a mãe. Depois de dar à luz os gêmeos, dona Marlene voltou às aulas assim que pôde, e não demorou a passar num concurso para cartorária. Anos depois os filhos se formariam em direito e chegariam a ser colegas da mãe no cartório. Assim que ela se aposentou, os caminhos dos dois se separaram. Adriano decidiu montar o próprio escritório de advocacia, enquanto Cuiabanno queria se dedicar integralmente aos rodeios.
Marlene Araújo nunca teve grande simpatia por rodeios. Não foi de bom grado que ela notou o interesse do filho pela locução. Numa manhã de julho, ela fumava um cigarro na varanda da casa de Cuiabanno quando ele, de saída para o trabalho, surgiu paramentado: botas, cinto de fivela e chapéu. À pergunta “Tô bonito, mãe?”, ela respondeu, seca: “Você sabe como eu te acho bonito. De terno bem cortado.”
A confessa falta de entusiasmo não impediu dona Marlene de acompanhar o filho nos então chamados rodeios universitários. “Era uma obsessão dele, não tinha como falar não”, lembrou a mãe. Cuiabanno conta que, na adolescência, ele comprava fitas cassete com gravações de outros locutores narrando montarias de rodeio, transcrevia os discursos num caderno e depois os repetia à exaustão na frente do espelho. Quando começou a se sentir mais seguro, passou a bater à porta de estúdios de rádio, implorando para falar um versinho ao vivo. “Ele era muito obstinado, sempre conseguiu tudo o que quis. Agora, uma oportunidade na Festa do Peão era outra história. A gente não tinha o contato de ninguém que pudesse encurtar o caminho”, explicou a mãe.
Numa quinta-feira ensolarada de julho, na cidade mineira de Dores do Indaiá, a equipe de Cuiabanno Lima se preparava para percorrer um trecho curto de estrada até a vizinha São Gotardo, onde o locutor narraria o rodeio da Festa Nacional da Cenoura. Quando o locutor chegou à caminhonete, Pica-Pau e o DJ Renato já haviam terminado de organizar o bagageiro e o aguardavam fazia quase meia hora.
Muito nervoso, o patrão pediu que os dois ouvissem uma canção que ele tinha acabado de receber por WhatsApp. Mal gravada e sem qualquer arranjo, tratava-se, obviamente, de uma piada feita para circular pelas redes sociais. A letra de gosto duvidoso tinha por estribilho a expressão “Tá cuiabanando” e dava exemplos para definir o verbo “cuiabanar”. Um dos versos dizia: “Quer fazer a final de Barretos este ano.” Outro era: “Chorou pra caralho no velório do Cristiano.” E sempre, depois de cada um, a afirmação, insistente: “Tá cuiabanando.”
Pica-Pau e Renato ouviram a canção sem esboçar reação. “Só pode ser o Camarguinho”, disse o assessor. Ele se referia a Rodrigo de Jesus, ex-DJ de Cuiabanno, cujo nome artístico remetia à semelhança com um dos irmãos do cantor Zezé di Camargo.
Camarguinho nunca havia feito sonoplastia de rodeios até começar a trabalhar para Cuiabanno Lima, em 2006. A agenda, àquela época ainda folgada, não justificava um contrato de exclusividade com o DJ. Como era talentoso, Camarguinho passou a ser assediado por outros locutores, entre eles Vaquinha, com quem também passou a trabalhar.
Numa padaria no Centro de Barretos, Camarguinho contou que chegou a separar o material dos dois locutores em laptops diferentes, para não dar confusão. Os gostos dos dois para a sonoplastia, garante o DJ, são muito diferentes. “O Cuiabanno gosta que tenha uma música de fundo quando ele está falando. Por exemplo, ele diz: ‘Esse peão vem de tal lugar’, e eu coloco um tum-tum-tum, uma trilha de expectativa. O Vaquinha é mais tradicional, quer a fala seca, sem efeitos.”
A rivalidade antiga entre os dois locutores não permitiu que a vida dupla de Camarguinho perdurasse. Em 2007, Vaquinha fez uma proposta de exclusividade ao DJ, que topou. Entre um gole e outro de cappuccino, Camarguinho assumiu a autoria da canção que implicava com Cuiabanno, mas disse que tudo não passava de uma brincadeira. “Ele não é uma pessoa ruim, sempre me pagou certinho. Mas é meio mala, só quer ser o melhor”, justificou. Perguntado sobre o verso em referência ao velório de Cristiano Araújo, o DJ disse não ter se convencido com as lágrimas do ex-patrão, que não passariam, na verdade, de um golpe de marketing.
Cuiabanno Lima não tem dúvidas de que a implicância de Camarguinho com ele é fruto dos anos de convivência com Vaquinha. Também suspeita que o rival esteja envolvido na resistência que encontrou para trabalhar na Festa do Peão de Barretos.
Logo no início de sua carreira como locutor, em 1993, Cuiabanno teve algumas oportunidades de narrar modalidades menores em Barretos, como as montarias em cavalo. Um malfadado boato, porém, levou o então diretor Marcos Abud a vetar sua presença na arena. Chegou aos ouvidos de Abud a história de que Cuiabanno teria criticado seu segundo casamento, abertamente, num bar da cidade. O locutor jura que tudo não passa de mentira e difamação, de resto pouco lógica – um comentário desses, em público, seria um tiro no pé, ele diz, dado que tudo o que mais queria era conquistar a simpatia do diretor.
Marcos Abud, que hoje vive em São Paulo, de onde preside a Liga Nacional de Rodeio, concordou em conversar sobre sua trajetória num café vizinho a sua casa, no bairro da Pompeia. Abud é alto, tem as bochechas salientes – além do tom de voz e da severidade de um diretor de colégio. Ele prefere não falar sobre a fofoca que tem Cuiabanno como protagonista, mas não esconde sua antipatia pelo conterrâneo. “O fato é que ele não é um locutor. Ele fala muito, reza muito, o rodeio dele é chato”, resumiu.
Vetado na arena, Cuiabanno recorreu ao lobby. Nos rodeios de interior, ele veio a conhecer o então diretor comercial do Grupo Friboi, Zanone Campos. Patrocinador da festa de Barretos, Zanone pediu que o diretor cultural do evento concedesse um curto espaço de tempo para Cuiabanno falar, na abertura dos shows.
Esse intervalo entre o fim do rodeio e o começo do show era até então ocupado por locutores de rádio, que distribuíam camisetas e outros brindes. “Não tinha nenhuma identidade com o rodeio, o público vaiava”, contou Cuiabanno. O locutor soube se apropriar desse entreato como sua praça-forte dentro da festa-fetiche, e ainda inventou um nicho reproduzível em outras festas menores. “Só não tinha a narração das montarias, mas tinha a ola, a brincadeira com o flash do celular, de tocar um trecho da música que estava bombando e botar o povo para cantar”, descreveu. “Eu era o único que não tomava vaia e o público acabava curtindo, virou um atrativo antes do show.”
Em 2014, depois de nove anos atuando nessa fresta, Cuiabanno chegou perto de realizar seu sonho. O recém-eleito presidente do evento, Jerônimo Muzetti, o Jerominho, substituiu Marcos Abud pelo veterinário Kiko de Almeida Prado, e dentre as mudanças promovidas por ele estava a volta de Cuiabanno Lima à arena de Barretos.
O diretor recebeu piauí em seu escritório no Parque do Peão, um sítio a 7 quilômetros do Centro de Barretos, exclusivamente dedicado à festa e projetado, nos anos 80, por Oscar Niemeyer. Doutor Kiko, como gosta de ser chamado, disse que trouxe o locutor de volta por considerar seu trabalho excelente – desde que bem administrado. Segundo ele, Cuiabanno tem necessidade de aparecer: “Ele tem que ser o que mais chora, o que mais grita, o que mais fala. Se eu der um microfone na mão dele e não der limite, ele não para.” Assim que assumiu o cargo e permitiu que Cuiabanno atuasse em provas de montaria, doutor Kiko se viu pressionado pelo locutor, que lhe pedia para narrar a final do rodeio em touros.
A Festa do Peão de Barretos acontece sempre no fim de agosto, em data próxima à do aniversário da cidade. Desde o final dos anos 50 é organizada por Os Independentes, uma entidade privada – originalmente uma agremiação de jovens de famílias ricas locais – que hoje se dedica quase que exclusivamente a gerir a festa.
O evento dura dez dias e congrega todas as modalidades de rodeio – as provas funcionais e as de cavalos começam mais cedo, ainda no fim da tarde, e as montarias em touro, de maior prestígio, ficam com o horário nobre da programação, à noite, antes dos shows. Apesar de haver uma única modalidade de montaria em touros, a arena de Barretos é palco de três circuitos diferentes: na primeira semana acontece a final da etapa brasileira da liga americana Professional Bull Riders; a segunda semana começa com a final da Liga Nacional de Rodeio, de Marcos Abud, e continua com a atração principal, um evento exclusivo da Festa do Peão: o Rodeio Internacional, chamado às vezes, em inglês, de Barretos International Rodeo.
A final da montaria em touros do Rodeio Internacional encerra a festa, no segundo domingo. Com apenas dez montarias – de peões e animais selecionados durante o evento –, é bem mais curta do que outras competições, mas atrai os verdadeiros fãs do esporte, que dispensam o show subsequente. E por isso é o objeto de desejo dos locutores, que também passam por uma peneira. Ao longo da semana, o diretor de rodeio observa o desempenho dos vários profissionais e escolhe os mestres de cerimônias da grande noite. Os nomes só são anunciados no próprio dia da final.
Para celebrar seu retorno à festa, no ano passado, Cuiabanno Lima contratou por sua conta fogos de artifício, que planejava usar durante as apresentações. Doutor Kiko se inteirou dos planos do locutor em cima da hora e não permitiu a quebra de hierarquia: “Não dei autorização para ele soltar os fogos. Não importa que saiu do bolso dele, eu tenho que ser justo. Não posso deixar ele chegar e abafar os outros”, disse.
O impedimento não amuou Cuiabanno, que em plena arena fez um discurso emocionado sobre os anos que passou na “geladeira” – para ira do ex-diretor Marcos Abud, na plateia. Quando mais tarde conversamos, Abud me disse que até aquele momento não tinha planos de reassumir a diretoria da festa. “Mas agora eu quero, só para tirar ele de novo”, disse.
No dia 31 de agosto de 2014, Cuiabanno Lima acordou esperançoso de narrar a final de Barretos pela primeira vez. Pica-Pau lhe telefonou, do Parque do Peão,para dar a notícia de que o sonho ia ter que esperar mais um pouco: naquele ano a final seria dividida entre Vaquinha e o locutor veterano Almir Cambra.
Em 1993, o irmão de Marcos Abud, Mauri, assumiu a presidência do clube prometendo internacionalizar a festa de Barretos. A popularidade das montarias em touros nos Estados Unidos havia chegado aos ouvidos dos organizadores brasileiros, que agora pretendiam não apenas reproduzir a modalidade no Brasil, como tentar fazer parcerias com os norte-americanos.
Uma das primeiras visitas diplomáticas entre os dois países foi feita pelo campeão americano Charles Sampson. Em sua passagem pelo Brasil, Sampson conheceu um jovem caubói, Adriano Moraes, e ficou impressionado com sua habilidade. Nascido em Quintana, no interior de São Paulo, numa casa de terra batida, Moraes teve uma carreira meteórica no esporte. O campeão americano se ofereceu para lhe abrir as portas em seu país e já no ano seguinte o peão foi passar uma temporada no Texas, hospedado na casa de Sampson.
Adriano Moraes chegou a competir e ganhar alguns rodeios nos Estados Unidos – e quando retornou foi procurado pelos irmãos Abud. Por intermédio de Moraes, doze dos maiores caubóis americanos, como Tuff Hedeman e Clint Branger, participaram da Festa do Peão de Barretos em 1994. Esse grupo de americanos fazia parte justamente dos vinte fundadores de uma nova associação, a Professional Bull Riders – exclusivamente dedicada à montaria em touros –, que teve seu primeiro campeonato naquele mesmo ano. “Dizem que a PBR nasceu no avião voltando de Barretos”, brincou Marcos Abud.
O vencedor do primeiro campeonato da PBR foi justamente o brasileiro Adriano Moraes, que tornaria a ganhar o título em 2001 e em 2006. “Tem gente que fala: ‘Ah, o Adriano comeu o pão que o diabo amassou.’ Eu só não corrijo pra não ficar chato. Mas foi tudo muito fácil”, contou o campeão numa tarde em Barretos.
Se o rodeio já fazia sucesso e inspirava respeito nos Estados Unidos, a PBR conferiu à atividade uma roupagem profissional associada à de outros esportes radicais, como o surfe. A ideia era minimizar a estética tradicional e capitalizar o risco a que os caubóis se submetiam. Em 2013, a Forbes apontou a montaria em touros – a PBR rejeita o termo “rodeio” – como o esporte que mais crescia nos Estados Unidos.
Os prêmios para os competidores também são exorbitantes – e o sucesso na PBR é tão declaradamente vinculado ao dinheiro que os perfis dos peões no site oficial da associação destacam quanto cada um já arrecadou com o esporte. Adriano Moraes, que ainda é o recordista da PBR, já havia embolsado cerca de 3 milhões de dólares com premiações dentro do circuito quando se aposentou, em 2006 – ganhou também 28 ossos quebrados e nove procedimentos cirúrgicos.
O caubói foi homenageado com uma estátua de bronze em tamanho real na frente do escritório da associação, em Pueblo, no Colorado. O dinheiro e o prestígio levaram uma horda de peões a seguir a trilha traçada por ele. Nos vinte anos do campeonato americano, sete títulos ficaram em mãos brasileiras. Depois de deixar as arenas, Adriano Moraes passou para o outro lado do balcão. Criou a PBR Brasil, com o intuito de caçar talentos do esporte. Um dos melhores que encontrou foi João Ricardo Vieira, um sul-mato-grossense de Nova Andradina, hoje um dos melhores caubóis do planeta, no topo da pontuação da PBR mundial.
Em 2010, a revista americana The Atlantic publicou a reportagem “The boys from Brazil”, destacando a presença de brasileiros na PBR e ressaltando que a pose de durão, comum por lá, não se adequava aos competidores da América do Sul, já que por aqui o rodeio teria contornos mais festivos. O texto destacava a Festa do Peão de Barretos, descrita como uma feira familiar, com barraquinhas de churrasco e shows a céu aberto. “Os prêmios são insignificantes, e os caubóis se sentem desvalorizados”, dizia.
Veneno-remédio, hoje a PBR é uma obsessão no mundo do rodeio brasileiro. A sigla dita em inglês, “pi-bi-ar”, com acentuado sotaque interiorano, é tomada como sinônimo do profissionalismo. Ao mesmo tempo, os profissionais de longa data criticam a “secura” dos torneios da organização, e se ressentem do abandono das tradições locais.
Ao contrário da matriz americana, a filial brasileira não organiza eventos próprios. Os torneios de seu campeonato se desenrolam em rodeios que já existiam – mas que contratam sua apresentação como um show. A PBR negocia um preço e exige condições de estrutura – como dormitórios para os peões, coisa rara nos rodeios menores –, responsabilizando-se por todo o resto, desde competidores e touros, passando por fogos de artifício, até juízes e locutor.
Na última semana de julho, a PBR fez a semifinal de seu campeonato brasileiro no rodeio de Catalão, em Goiás, contratada pelo Sindicato Rural da cidade. Com quase 100 mil habitantes, Catalão é o 13º município mais populoso de Goiás – mas sua economia corresponde ao 5º maior PIB do estado graças à intensa produção agropecuária, com base sobretudo em cultivo de soja e milho, e criação de gado de corte e leiteiro. Para não fugir totalmente à tradição, os organizadores acharam por bem começar a festa um dia antes, para que os peões da região também pudessem competir – e contrataram o locutor Cuiabanno Lima para conduzir as aberturas, tanto dos shows de música sertaneja quanto do rodeio, além de dividir a narração das montarias com o locutor oficial da PBR Brasil, Rafael Vilella.
Cuiabanno Lima é um dos poucos locutores além de Vilella que trabalham em eventos da PBR – e precisa seguir à risca o modelo de narração imposto por eles: fazer um rodeio técnico, reduzir drasticamente a quantidade de efeitos sonoros, músicas e brincadeiras durante as apresentações – além de narrar de cima de um cercadinho de segurança postado no centro da arena, conhecido como shark cage (em referência à gaiola usada na modalidade de mergulho para a observação de tubarões).
Terminada a apresentação de Cuiabanno, os funcionários dispuseram pela arena reproduções gigantes de latas do energético Monster Energy. Os caubóis, anunciados um a um, subiam nesses palcos individuais com o peito estufado. A cada montaria, o telão exibia o perfil do peão, com foto posada, cidade de origem, pontuação até aquela etapa – e também o nome do touro e de seu dono.
Cuiabanno e Vilella se alternaram no primeiro dia, e tudo correu bem. Na sexta-feira, entretanto, a resolução de dividir as montarias em dois blocos acabou provocando atrito entre os profissionais. Da shark cage, Cuiabanno narrou a primeira metade das montarias, e Vilella ficou responsável pelas restantes. Como Cuiabanno se despediu do público antes da entrada do locutor oficial da PBR, Vilella temeu que entendessem que o rodeio estivesse chegando ao fim e fossem embora. Nos bastidores, membros da equipe da PBR chamaram a atenção de Cuiabanno, dizendo que ele se sentia uma “estrela”. O locutor ficou irado e rebateu que realmente era a estrela naquela festa, destacando que era o único da equipe do rodeio a ter camarim.
Na noite seguinte, Cuiabanno preparou uma entrada triunfal: vestindo um casaco com capuz, misturou-se ao público e lá ficou até ser revelado por um holofote e uma câmera que projetava sua imagem no telão. O locutor começou a apresentação da arquibancada, dizendo que a plateia era a verdadeira estrela da festa. Em seguida pulou a grade e, da arena, fez um discurso emocionado que culminava num pedido de respeito a seu trabalho. Foi aplaudido de pé. Sua apresentação durou quarenta minutos, fugindo ao protocolo e atrasando as montarias.
Quando o locutor chegou ao parque de exposições no domingo, ligeiramente atrasado, a organização da PBR já havia autorizado o início da queima de fogos. Impedido de conduzir a abertura do evento, coube a ele narrar apenas a primeira metade das montarias.
Sem papas na língua, Adriano Moraes chama o tipo de locução feita no rodeio brasileiro de “palhaçada de entretenimento”: “Eu sou amicíssimo dos locutores, e não interfiro quando o contratante chama alguém, mas eu nunca gostei desse jeito de fazer locução.” Para Moraes, a PBR está cumprindo uma espécie de missão civilizatória no rodeio brasileiro. “O bom é que tudo o que a gente faz eles imitam. Eles se achavam profissionais, mas eram amadores”, resumiu.
A Festa do Peão de Barretos deste ano começou no dia 19 de agosto, com a tradicional queima de fogos. A partir do dia 20 o público já ocupava o Parque do Peão. Quem chega pela entrada principal dá de cara com uma estátua de caubói que tem 27 metros de altura e é tratada por toda a população local pela alcunha de “Jeromão”, por ter sido construída numa das gestões do atual presidente e organizador do evento, Jerônimo Muzetti.
Durante a festa, o parque chega a receber 900 mil visitantes, que pagam entre 20 e 200 reais para entrar, dependendo do dia e das atrações. Só a arena, de 8 500 metros quadrados, tem capacidade para 35 mil pessoas durante o rodeio e 50 mil durante os shows – quando o público também ocupa o centro do espaço. O parque nunca fecha nos dez dias, e os públicos apenas se alternam. Pela manhã, escolas levam as crianças para as atrações no Rancho do Peãozinho. As famílias começam a chegar na hora do almoço. Fazem fila nos restaurantes inflacionados ou nas muitas barracas em que o churrasco e a comida típica da fazenda dão o tom – mas é possível encontrar algumas opções que fogem à regra, como crepe francês e sanduíche natural.
Há qualquer coisa de cidade cenográfica no parque. No espaço destinado à “Queima do Alho” – uma competição culinária de que participam comitivas de todo o país com pratos fiéis à tradição dos tropeiros – há reproduções de poços e de carros de boi. Os toaletes são indicados por placas de hómi e muié. O concurso de comida típica acontece no segundo sábado do evento, e é o momento ideal para políticos e celebridades fazerem uma aparição tão simpática quanto possível.
O deputado paulista Capitão Augusto, do Partido da República, que costuma frequentar a Câmara fardado, teve direito a discurso antes do início do campeonato gastronômico deste ano. Defendeu um projeto de lei, apresentado por ele, que eleva o rodeio a patrimônio cultural imaterial do Brasil. Recebeu o apoio de colegas da Frente Parlamentar do Rodeio ali representados, como Jair Bolsonaro, eleito pelo Partido Progressista fluminense.
Também presente ao evento, Paulo Kachan, advogado da CNAR, a Confederação Nacional de Rodeio, afirmou que o projeto de lei ainda representava uma resposta tímida diante do que chama de “perseguição” aos rodeios, promovida segundo ele pelas ONGS de proteção aos animais.
A mais conhecida dessas entidades, a ONG Odeio Rodeio, é presidida pelo também advogado Leandro Ferro, de 28 anos. A organização nasceu, segundo Ferro, de uma das comunidades fundadas por ele no Orkut a partir do momento em que decidiu parar de comer carne, há dez anos. Apesar do nome emblemático, que estampa adesivos e camisetas pelo Brasil, a ONG não vai muito além de uma marca forte capaz de mobilizar simpatizantes da causa animal a qualquer sinal de alerta. “A Odeio Rodeio sou eu”, resumiu o advogado.
Ferro tem mais de 14 mil seguidores em sua fanpage no Facebook, sob o nome de “Leandro Ativista”. O advogado só esteve em um rodeio uma única vez – para uma ação em que estendia uma faixa na arena dizendo “Rodeio = Tortura”. Em poucos minutos de conversa é possível perceber que não há parâmetro comum para o diálogo entre ativistas como Leandro Ferro e defensores dos concursos de montaria.
Enquanto os últimos alegam que se preocupam com o sofrimento animal, tendo adotado o uso de esporas sem pontas e do sedém de lã nos rodeios, o ativista afirma que os animais simplesmente não existem para nos servir – e que isso se estende não apenas a esportes como o rodeio, mas, em última instância, a cães-guia para cegos, por exemplo. Para Leandro Ferro e seus companheiros, não se trata apenas de minimizar o sofrimento dos animais, mas de não os submeter a qualquer situação em que eles não ajam naturalmente e de acordo com suas próprias vontades.
O advogado da CNAR, Paulo Kachan, que cresceu frequentando a Festa do Peão de Barretos, tem, como Ferro, forte envolvimento pessoal com o tema. Para ele, a questão principal do combate ao rodeio é o preconceito social. “Esse não é um esporte de elite, como o turfe e o hipismo, que exigem do animal muito mais do que se exige do boi do rodeio em termos de preparação e treinamento”, argumentou. “Ninguém fala nada a esse respeito. Por quê? São esportes de elite, o rodeio, não. É da classe baixa.”
Questionado sobre a razão de a bandeira contrária aos rodeios ser mais hasteada do que aquelas contra outros esportes que envolvem animais, Ferro argumentou que se tratava de uma estratégia, por ser um caso simbólico importante. Em esportes como o hipismo e o polo, animais e homens fazem parte de uma equipe; no rodeio, o animal é o oponente. E também alegou o alcance da causa: no país há muito mais eventos de rodeio do que desses outros esportes.
Cuiabanno Lima estava ocioso no começo da segunda semana da Festa do Peão. Ocorriam naquele momento as provas finais da Liga Nacional de Rodeio, de Marcos Abud – evento em que seu rival Vaquinha reinava absoluto. Ao mesmo tempo, não muito longe de Barretos, na cidade mineira de Araguari, estava em andamento mais uma etapa do torneio Arena de Ouro, promovido pela gravadora Som Livre e pela CNAR. O objetivo desse campeonato, criado por executivos da indústria fonográfica e representantes da Confederação Nacional do Rodeio, é estreitar a relação entre as competições de montaria e artistas sertanejos, com ganhos mútuos de público.
Peça importante na diplomacia desse acordo, Cuiabanno Lima tem participado de quase todos os rodeios do Arena de Ouro – e nem mesmo a festa de Barretos impedia, naquele momento, que ele participasse de mais um. A abertura do evento em Araguari aconteceria no dia 26 de agosto, uma quarta-feira, véspera do início do Rodeio Internacional, na Festa do Peão. Cuiabanno precisaria fazer os 273 quilômetros de volta no dia seguinte, a tempo de poder participar do tão almejado torneio. Acostumado a assumir o microfone depois de trechos muito mais longos de estrada, a distância entre Araguari e Barretos não o assustava.
Acabada a apresentação, na cidade mineira, o locutor continuou madrugada adentro, caprichando no lobby. Havia se programado para deixar a cidade apenas depois do almoço. Na manhã de quinta, no entanto, seu assessor Pica-Pau recebeu um telefonema do escritório dos Independentes: queriam convocar uma reunião para o começo da tarde, a fim de arrematar os últimos detalhes dos eventos da noite. Como era impossível que chegasse a tempo para o compromisso, Cuiabanno pediu que a esposa o representasse.
A diretoria dividiu as 34 montarias de touros entre seis locutores. A Cuiabanno, que seria o penúltimo a se apresentar na quinta-feira à noite, caberia a narração de seis montarias – logo depois de Vaquinha, que narraria oito. A pequena diferença de tratamento já o incomodou, e ele fez a queixa chegar aos ouvidos do diretor de rodeio. Na sexta-feira, voltou a narrar montarias de touros, num total de oito provas. A cada etapa, caubóis eram eliminados, e outros avançavam na competição, que se encerraria no domingo.
O sábado amanheceu amargo para Cuiabanno Lima. Logo ao acordar, recebeu a notícia de que seu papel no rodeio daquele dia se resumiria à narração da prova equestre Sela Americana. Para o locutor, voltar aos cavalos representava um retrocesso em relação ao ano anterior, quando havia narrado apenas montarias de touros. Era um sinal de desprestígio por parte dos organizadores do evento – e, pior de tudo: o possível prenúncio de que seu sonho de narrar a final não se realizaria. “É também um desperdício do meu talento, neste ponto da carreira”, argumentou com a voz embargada ao telefone, quando soube da notícia, tentando não ceder à insegurança.
Como a modalidade estava prevista para começar às 17 horas, Pica-Pau e o DJ Renato seguiram cedo para o Parque do Peão, logo depois do almoço. A hora da prova que ele deveria narrar se aproximava, e Cuiabanno não chegava ao parque, nem atendia ao telefone. Os parceiros se exasperavam. Quando deu o horário, com o locutor titular da prova ainda desaparecido, a organização precisou substituí-lo. Qual um pai na sala de espera de uma maternidade durante um parto complicado, Pica-Pau andava para lá e para cá na beirada da arena. “Acabou o sonho da final”, disse para o DJ Renato, que também tentava controlar a ansiedade.
Mais tarde, Cuiabanno Lima contaria que tinha levado uma represália do diretor de rodeio, Kiko de Almeida Prado, assim que pôs os pés na arena, bem depois do horário em que era aguardado por todos. Justificou o atraso dizendo ter havido um mal-entendido na comunicação dos horários. Doutor Kiko então lhe deu a chance de narrar a modalidade seguinte àquela para a qual fora designado, também de montaria em cavalos. Parecendo não acreditar na notícia, Pica-Pau voou até os bretes para conseguir alguma informação sobre os competidores do novo evento – não sem antes anunciar, irritado, para o DJ Renato: “Vou pedir demissão. Acabou.”
Naquela noite, o locutor compensaria a falta de protagonismo na arena com 25 minutos de palco só para ele, tendo a incumbência de abrir a dobradinha dos aguardados shows sertanejos do sábado. No estreito pedaço de palco que sobrava em frente à cortina preta – atrás da qual a produção do show fazia os últimos ajustes –, o locutor soltou o vozeirão grosso, apelando para a emoção do público.
Cuiabanno Lima assistiu aos shows das duplas sertanejas do fundo do palco, ao lado de funcionários da Som Livre. O lobby durou até as sete da manhã do dia seguinte – o domingo da final de Barretos.
Ao chegar a casa, com os sentidos alterados, Cuiabanno Lima enviou duas mensagens de WhatsApp com o mesmo conteúdo: uma para o presidente dos Independentes, Jerônimo Muzetti, outra para o diretor de rodeio, Kiko de Almeida Prado. Sabendo que a escala de locutores seria decidida dentro de poucas horas, deu sua cartada decisiva: reforçou o quanto narrar a final de Barretos era seu sonho maior, e pedia pela última vez uma oportunidade. Recado dado, dormiu.
Às duas da tarde, acordou com um telefonema. Era o doutor Kiko. Como quem dá uma bronca, dispensou o “Alô” e disparou: “Me promete que nunca mais vai me pedir nada.” Ainda sonolento, sem acreditar no que estava ouvindo, Cuiabanno respondeu: “Só sua amizade eterna.” Pouco mais tarde, soube por Pica-Pau o nome de quem dividiria com ele a narração das dez montarias da noite: o rival Vaquinha.
A final da montaria em touros acontece na última noite da Festa de Peão de Barretos. Mas até a tarde daquele dia, quando ocorre a semifinal, os caubóis ainda disputam vagas na grande prova do evento. Assim, quando chegou ao parque, logo depois do almoço, Pica-Pau ainda não tinha como saber quais seriam os peões e os touros a compor as montarias que Cuiabanno Lima narraria na final. De plantão no escritório do rodeio para adiantar o trabalho, o assessor estava ansioso pelo patrão e confessou que nem ele acreditava que aquele dia chegaria.
“Às vezes o sangue esquenta, é muita convivência, não tem como”, resumiu, sobre o nervoso dos dias anteriores. “Mas o cara é bom. O problema é que tem muita politicagem, muita torcida contra.” Pica-Pau não teria muito trabalho para organizar as fichas daquele dia, de toda forma. Há onze anos no ramo, o assessor já conhecia de cor quase todas as figurinhas daquele álbum.
Mesmo no topo do ranking da PBR internacional, muitas das estrelas brasileiras do circuito fazem questão de competir em Barretos. Faltando mais de duas horas para o início da semifinal, com o sol a pino, João Ricardo Vieira podia ser encontrado sentado sobre o gradeado no curral de fundo, onde os touros descansam antes do rodeio. Com as mãos no joelho, o caubói examinava de longe o animal que montaria em seguida, como se quisesse decorar suas formas.
O oponente de Vieira naquele primeiro embate atendia pelo nome de Cara-Metade, um animal de 6 anos e 900 quilos. Vieira foi para o fundo dos bretes e trocou de roupa ali mesmo, entre os outros peões. Sentindo um pouco o ombro, antes de vestir a camisa pediu ao fisioterapeuta que colasse dois adesivos anti-inflamatórios.
Quando o portão afinal se abriu, o caubói não aguentou mais de três segundos em cima do touro. Pelos alto-falantes, ouvia-se a voz do comentarista oficial de Barretos, Emílio Carlos dos Santos. Profundo conhecedor do mundo dos rodeios, Cacá, como é conhecido, desempenha na arena papel semelhante ao dos comentaristas de futebol ou de automobilismo – muitas vezes batendo papo com o locutor. Impressionado com a altura dos pulos do boi Cara-Metade, Cacá gritava: “Para tudo! Todos os livros que falam de touro pularam a página na história desse aí. O que esse filho d’uma vaca fez, há muito tempo eu não vejo.” Mesmo sem pontuar naquela montaria, João Ricardo Vieira tinha saldo suficiente para a final.
Cuiabanno Lima não chegou ao Parque do Peão a tempo de acompanhar a semifinal da montaria em touros. Com os olhos constantemente marejados, recebia abraços de funcionários e membros de todos os escalões dos Independentes. Mobilizou a família toda para o grande momento – enquanto o pai conseguiu um lugar no camarote, sua mãe, o irmão gêmeo, a esposa e o filho foram autorizados a assistir de cima do palco, de onde teriam uma visão privilegiada dos bretes e das montarias.
Ao ser anunciado pelo comentarista Cacá, Cuiabanno fez o sinal da cruz. O DJ Renato apertou o play e dos alto-falantes da arena começou a soar uma música de suspense, e logo em seguida uma apresentação do locutor, como se ele fosse um boxeador antes da luta. Ao entrar na arena, Cuiabanno deu de cara com doutor Kiko, que olhava para ele com os olhos injetados e gesticulava com as duas mãos paralelamente ao rosto, pedindo foco. O locutor estufou o peito e não gastou mais do que um minuto nos agradecimentos iniciais e nas brincadeiras com o público.
Foi direto à primeira montaria da final: João Ricardo Vieira, dessa vez sobre o touro Relíquia, que havia derrubado o tricampeão Silvano Alves na quinta-feira. O caubói topo da PBR não estava em seu melhor dia, entretanto: Relíquia derrubou-o em apenas quatro segundos, e ele precisou subir na grade para fugir de sua ira. Cuiabanno também correu para se proteger do bicho, escalando o gradil.
Guilherme Marchi, que também foi campeão de rodeio nos Estados Unidos, na PBR e fora dela, foi mais bem-sucedido com o touro WhatsApp, de Pedro Valente. Parecendo indiferente aos pulos e giros do animal, Marchi foi ovacionado durante toda a montaria, que lhe rendeu 90,5 pontos. Depois de se levantar da terra seca para onde havia sido arremessado, o caubói abriu o colete, num gesto que parecia o de um super-herói, e atirou longe o chapéu.
Cuiabanno passou o microfone ao peão, que deu voz a um sentimento de desprestígio da categoria. “Se eu quiser parar hoje, eu posso”, disse Marchi. “Eu já tenho nove títulos mundiais, o Gabriel Medina tem um só”, continuou, comparando-se com o surfista profissional brasileiro, campeão no ano passado. “Respeita nós”, concluiu.
Após narrar as cinco primeiras montarias da final, era hora de Cuiabanno deixar a arena. O comentarista Cacá pediu que ele fizesse suas considerações finais, e disse saber da felicidade que o colega sentia ao narrar a final pela primeira vez. O locutor ganhou a plateia ao homenagear, depois de Deus e de Nossa Senhora Aparecida, dona Marlene. “Eu dedico esta noite a minha mãezinha, que nunca tinha pisado aqui para me ver narrar.” Sob aplausos entusiasmados, ajoelhou-se e tirou o chapéu. Antes de deixar a arena, anunciou a entrada de Vaquinha: “Vem aí o meu amigo Adriano do Vale, barretense como eu.”
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