Além dos vivos, vieram a Buenos Aires também os mortos, botafoguenses que partiram antes de ver o time ser campeão da América. Um pai, uma mãe, uma avó, um irmão, uma amiga, um filho CRÉDITO: VÍTOR SILVA/BOTAFOGO_2024
Nós, tão iguais e agora tão diferentes
Ganhamos o direito à felicidade, à quitação das dívidas e, vá lá, a algum atrevimento
João Moreira Salles | Edição 221, Fevereiro 2025
Mesmo quem, como eu, nunca leu Anna Karenina sabe como o livro começa: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.” Desde 30 de novembro de 2024, tenho pensado muito nisso. O que a frase sugere – que a felicidade é mais banal do que a infelicidade, que a alegria é sempre igual a si própria – não me parece certo. Quando, ao cair da tarde portenha daquele último dia de novembro, olhei à minha volta e vi pessoas que choravam, que riam, rezavam, dançavam, cantavam, se beijavam ou que, aturdidas, ficavam em silêncio; e mais tarde, ao saber dos que passaram mal, dos que desmaiaram e voltaram a si sem acreditar no que acontecia – Botafogo, campeão da Libertadores da América –, naquele momento tive a certeza de que a alegria não é uma coisa só, mas muitas, talvez tantas quantos forem os botafoguenses neste mundo.
Para entender como chegamos àquela explosão em Buenos Aires, é preciso saber de onde viemos. O botafoguense – não todos, porém muitos – era um tipo já meio desistido de si. De si, frise-se, não do clube, que a torcida nunca faltou ao Botafogo, nem sequer nos tempos espinhosos. Achávamos que as conquistas viriam, mas não para nós. Era coisa para os outros, botafoguenses do futuro.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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