O acelerador de partículas Sirius, que funciona como um supermicroscópio, está sendo construído em Campinas. Quando estiver pronto, será um dos melhores do mundo. Equipamentos desse tipo têm sido usados em pesquisas na fronteira do conhecimento, algumas premiadas com o Nobel FOTO: RENAN PICORETI_DIVULGAÇÃO LNLS/CNPEM
O acelerador
O mais ambicioso projeto da ciência brasileira pode levar a pesquisa no país a um novo patamar. Ou não
Bernardo Esteves | Edição 131, Agosto 2017
O Prêmio Nobel de Química de 2009 foi concedido a três pesquisadores que desvendaram a estrutura de uma das mais sofisticadas – e diminutas – organelas presentes no interior das células. Os ribossomos, cuja composição detalhada era desconhecida até pouco tempo atrás, são fábricas nanométricas de proteínas: são eles os responsáveis por transformar a informação genética contida no DNA nas moléculas orgânicas encarregadas de controlar virtualmente todos os processos biológicos de um organismo vivo.
Uma das dificuldades para o estudo do funcionamento dos ribossomos está no fato de que ele próprio é um emaranhado de dezenas de proteínas, e seu número de átomos se conta na casa das centenas de milhares. Os trabalhos dos cientistas premiados – a israelense Ada Yonath e os americanos Thomas Steitz e Venkatraman Ramakrishnan – permitiram mapear com exatidão, pela primeira vez, onde fica cada um desses átomos.
Entre outras aplicações, esse conhecimento detalhado pode suscitar o desenvolvimento de antibióticos mais potentes, capazes de agir diretamente nos ribossomos das bactérias, impedindo-as de funcionar. Um subproduto mais prosaico da descoberta apareceu também nos livros-texto de biologia. Nos últimos anos eles passaram a ilustrar a organela com a imagem chamativa e detalhada de um grande novelo tridimensional de proteínas, colorizadas por computador.
O desenho minucioso pode ser comparado, talvez com algum exagero, à inédita imagem da Lua que emergiu depois que Galileu Galilei a observou com o auxílio de um telescópio, no começo do século XVII. O astrônomo de Pisa notou que nosso satélite natural – até então percebido como uma superfície lisa – era dotado de crateras, montanhas, vales e outras formações geológicas comuns na Terra.
Assim como o desenvolvimento da óptica e de lentes mais precisas permitiu a Galileu apontar o seu telescópio para o céu e mudar a astronomia, foi o uso pioneiro de um instrumento científico que levou os cientistas laureados a “ver” em detalhes o que antes, de tão diminuto, parecia inacessível.
A israelense Ada Yonath foi a primeira a observar o ribossomo com o auxílio de uma técnica chamada cristalografia de raios X, que permite determinar a posição de cada átomo que compõe uma proteína. Os raios X usados em suas pesquisas são 100 bilhões de vezes mais brilhantes que os que são usados em hospitais. Foram gerados num grande acelerador circular de elétrons que produz um tipo de radiação com nome trava-língua: a luz síncrotron. Essa luz permite “enxergar” as amostras em escala molecular e atômica, e por isso é usada para desvendar a estrutura de materiais de todo tipo. Atua como se fosse um microscópio poderoso, com a vantagem de ter configurações muito superiores às dos equipamentos disponíveis na maioria dos laboratórios.
O caso do ribossomo está longe de ser a única grande descoberta recente realizada a partir de estudos feitos com luz síncrotron. “Dos prêmios Nobel de Química atribuídos entre 1997 e 2012, cinco derivaram de estudos feitos principalmente com esse tipo de radiação”, disse-me numa entrevista recente o físico francês Yves Petroff. Por oito anos, Petroff dirigiu o European Synchrotron Radiation Facility, o ESRF, um dos melhores aceleradores do tipo no mundo, localizado em Grenoble, na França, onde Yonath e Ramakrishnan fizeram parte de suas observações do ribossomo.
Em breve, um equipamento similar deve ser inaugurado em Campinas, no estado de São Paulo, tornando a ciência brasileira, que nunca obteve um Nobel, apta a realizar experimentos na fronteira do conhecimento. Essa espécie de supermicroscópio será o mais grandioso e sofisticado equipamento científico já construído no Brasil.
O termo “luz síncrotron” designa a radiação que os elétrons emitem quando são impulsionados em torno de um acelerador circular. Previsto teoricamente nos anos 40 por cientistas soviéticos, o fenômeno foi observado na mesma década num acelerador americano. A radiação detectada pelos pesquisadores, a rigor uma perda de energia das partículas quando forçadas a mudar de direção sob a ação de campos magnéticos, não passava, a princípio, de um subproduto indesejado da operação dos aceleradores. Não demorou, contudo, para que os cientistas se dessem conta de que podiam aproveitar as propriedades da luz síncrotron liberada no processo para estudar a estrutura e as características de materiais “iluminados” por aquela radiação – e passassem a construir aceleradores criados especificamente para aproveitá-la. Por metonímia, esses aceleradores às vezes são chamados apenas de “síncrotrons”.
A lista de materiais estudados nessas máquinas vai muito além de proteínas e outros compostos orgânicos, e inclui ligas metálicas, semicondutores, polímeros, fibras ópticas e uma incontável gama de moléculas – o limite é a criatividade dos pesquisadores. Os síncrotrons são usados também para esmiuçar a composição de fósseis e revelar características de organismos extintos e dos ambientes em que viviam. Os estudos feitos nesses aceleradores têm inúmeras aplicações industriais. Síncrotrons já foram empregados para investigar a estrutura atômica de compostos que mais tarde serviram de matéria-prima para a fabricação de baterias, catalisadores, fertilizantes, medicamentos, mas também fraldas, turbinas, produtos de higiene e de limpeza.
Hoje há cerca de sessenta máquinas do gênero em operação no mundo, em mais de vinte países (a África é o único continente que ainda não tem um). O Brasil também tem uma, ainda que ultrapassada: o uvx, acelerador que completou em julho passado duas décadas de operação. Foi construído no prédio do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, ou LNLS, que fica no Polo II de Alta Tecnologia, um bairro afastado ao norte de Campinas, não muito longe do campus da Unicamp.
O UVX foi o primeiro acelerador de seu tipo no hemisfério Sul e ainda é o único da América Latina, mas já era um equipamento limitado quando foi inaugurado, no fim dos anos 90. Pertence à segunda geração de síncrotrons, e foi lançado num momento em que as máquinas de terceira geração, capazes de fazer observações mais abrangentes e detalhadas dos materiais, começavam a surgir (os saltos de geração são definidos pela tecnologia adotada para gerar essa radiação). O ESRF, inaugurado em 1994, foi o primeiro acelerador síncrotron construído após esse salto tecnológico.
Com vinte anos de serviços prestados à comunidade científica brasileira e latino–americana, o UVX está com os dias contados. Será substituído em breve pela nova máquina que está sendo erguida em Campinas, bem maior e mais poderosa. Orçado em 1,8 bilhão de reais e bancado pelo governo federal, o novo acelerador se chama Sirius e começou a ser construído no início de 2015, a algumas centenas de metros do prédio que abriga o UVX. Sua peça central é um anel circular de 518 metros de circunferência nos quais elétrons serão impulsionados a uma velocidade praticamente igual à da luz, da ordem de 300 mil quilômetros por segundo. Trata-se de um projeto superlativo: quando estiver pronto, será um dos melhores do mundo, o segundo síncrotron de quarta geração a ser inaugurado. Fará companhia ao Max iv, na Suécia, que em junho passado completou um ano de operação.
Ao avaliar um síncrotron, os especialistas prestam atenção, entre outros fatores, ao seu “brilho”, uma grandeza física que traduz a capacidade de um feixe intenso de luz se concentrar num ponto diminuto. Essa propriedade determina a qualidade das análises dos materiais investigados nesses aceleradores. Os síncrotrons de quarta geração se caracterizam pelo brilho extremo de sua luz – no caso do novo acelerador brasileiro, ele será mais de 1 bilhão de vezes maior que o brilho do UVX. Daí ter sido batizado de Sirius, nome que designa também a estrela mais brilhante do céu noturno, na constelação Cão Maior.
Quando cientistas apontam novos instrumentos científicos para objetos familiares, às vezes se deparam com um mundo povoado por criaturas de cuja existência eles sequer suspeitavam. Foi assim com Galileu e seu telescópio. Mais importante que o relevo do satélite de nosso planeta, sua grande descoberta, com o uso do telescópio, foi a de que Júpiter também tinha luas. Com isso ele desencadeou uma nova percepção do Sistema Solar e de todo o cosmo. Também no século XVII, o holandês Antonie van Leeuwenhoek observou uma gota d’água ao microscópio e, pela primeira vez, viu microrganismos vivos, que ele chamou de animálculos (a observação é considerada um marco simbólico do início da microbiologia).
A história tem outros casos que mostram como o aprimoramento das técnicas permitiu aos cientistas grandes saltos em sua compreensão do mundo em que vivemos. Para um exemplo mais recente, tome-se o caso do Hubble, o maior telescópio espacial em operação, lançado pela Nasa em 1990 na órbita da Terra. Suas observações permitiram obter um retrato inédito da infância do universo e concluir que ele está se expandindo de forma acelerada, contradizendo o que previam os teóricos, além de mostrar com resolução sem precedentes sistemas planetários em formação, explosões de raios gama e supernovas distantes.
Com seu brilho superlativo e equipado de instrumentos científicos desenhados para explorar novas propriedades dos materiais, o Sirius nasce com uma expectativa parecida de desbravar terrenos desconhecidos. O físico Antônio Roque da Silva, diretor do LNLS e responsável por coordenar a construção do acelerador de quarta geração, aposta que o Sirius colocará noutro patamar a qualidade da produção dos pesquisadores do país. “O Brasil pode assumir a liderança na nova ciência que pode sair desse salto de qualidade inclusive com coisas que podemos ser os primeiros a fazer.” Ele espera que a máquina atraia alguns dos melhores grupos do mundo que trabalham com luz síncrotron. “Será o vetor de internacionalização mais marcante da ciência brasileira”, vaticinou.
Roque, como é chamado por seus colegas, explicou numa entrevista em seu gabinete que as configurações do Sirius foram definidas em função das perguntas que os cientistas gostariam de responder com aquela máquina. O projeto do acelerador prevê a instalação de equipamentos científicos que permitirão atacar questões estratégicas para a ciência brasileira – temas ligados ao agronegócio, às ciências da saúde ou às energias alternativas, por exemplo.
“Quero melhores baterias, os carros elétricos do futuro, os materiais leves e resistentes dos próximos aviões e carros, mas quero também entender a recuperação de solo, os problemas de meio ambiente e poluição, a dessalinização de água”, enumerou Roque. “Esse é o tipo de perguntas que os síncrotrons têm ajudado a responder, e é isso que o Sirius vai permitir fazer.”
Roque é um paulistano expansivo de 53 anos que tem cabelos grisalhos e usa óculos de armação retangular. Assumiu a direção do LNLS em 2009 e esteve à frente do projeto Sirius desde o início. Num começo de tarde em março, enquanto voltávamos do almoço no refeitório do centro de pesquisa, em Campinas, uma empilhadeira passou levando uma grande caixa de madeira. “Lá vem mais um dipolo chegando”, reagiu o físico com ar de satisfação. Tratava-se de um dos 1 006 ímãs que serão usados na construção do Sirius. “Já medimos, está tudo certo, agora é empilhar”, anunciou o motorista do veículo que transportava o dipolo.
Os ímãs são as peças centrais para o funcionamento da máquina: é o forte campo magnético criado por eles que força os elétrons – partículas eletricamente carregadas – a mudar de direção e os guia em sua trajetória circular. Os dipolos a que Roque se referia são apenas um dos tipos de ímãs usados no acelerador, que terá também quadrupolos e sextupolos. Além de conduzir as partículas, os magnetos cumprem a função de focalizar o feixe e tornar seu brilho mais intenso.
Os magnetos que já estão prontos – eram 271 no fim de julho – são encaminhados para um grande galpão no Prédio de Ímãs I, onde aguardam o momento em que o acelerador começará a ser montado. Os ímãs do Sirius estão sendo fabricados pela Weg, empresa catarinense que produz motores elétricos, sob supervisão dos técnicos da equipe do acelerador. Não são as únicas peças nacionais: montar a maior parte do acelerador com tecnologia local estava entre os objetivos do projeto de desenvolvimento da nova máquina no Brasil. De acordo com Roque, em torno de 85% dos gastos com o projeto estão sendo feitos no país, incluindo algumas das estruturas mais sofisticadas, como a câmara de vácuo, cujo processo de fabricação foi desenvolvido pela Termomecanica São Paulo.
Os elétrons do Sirius circularão num tubo metálico feito com uma liga de cobre e prata com 3 centímetros de raio. Ali dentro reinará o vácuo quase absoluto, num ambiente com pressão 1 trilhão de vezes menor que a atmosférica. As partículas serão produzidas por um canhão similar, em seu princípio de funcionamento, aos tubos de raios catódicos que equipam os velhos aparelhos de tevê. Passarão primeiro por um acelerador linear de 32 metros, depois serão injetados num anel circular de menor porte, onde ganharão a energia de 3 gigaelétron-volts (GeV), e enfim direcionados ao anel principal, onde percorrerão cerca de 600 mil voltas a cada segundo.
A silhueta do Sirius já pode ser vista a distância por quem circula pelas ruas do Polo II de Alta Tecnologia, em Campinas. O edifício tem 68 mil metros quadrados e o porte de um estádio de futebol. É um anel de concreto grande e gordo com aproximadamente 15 metros de altura e diâmetro de cerca de 230 metros. Visto de fora, o prédio está com cara de pronto. A primeira camada da cobertura foi concluída em junho.
Em meados de março, o canteiro de obras estava com a aparência um tanto mais caótica. Grandes montes de terra vermelha estavam espalhados em volta do prédio. Todo aquele volume havia sido retirado do terreno onde o acelerador seria montado. No piso rebaixado, circulava um rolo compressor responsável pela compactação do solo. “Retiramos 4 metros de solo em toda essa região”, contou Oscar Vigna, o engenheiro elétrico de 57 anos responsável pela obra do Sirius.
O objetivo da operação era preparar o terreno para dar o máximo de estabilidade para a operação do acelerador. Para isso, 1 300 estacas de concreto com 11 metros de profundidade haviam sido enterradas no solo – já não era mais possível vê-las. “Em cima delas colocamos blocos de concreto”, disse Vigna, “e sobre tudo isso estamos devolvendo o solo que havíamos tirado de forma controlada, misturado com 50% de pedregulho fino para aumentar a rigidez das camadas e a resistência à compressão.”
É um zelo justificado: o diâmetro do feixe de elétrons que vai circular pelo acelerador se mede na casa dos milésimos de milímetros, e pode ser até trinta vezes menor que a espessura de um fio de cabelo. Toda a estrutura que envolve o acelerador – a começar pelo piso – tem que estar impecavelmente estável para garantir a precisão da operação. “Não pode vibrar muito, e não pode haver deformação, senão os elementos desalinham”, disse Vigna. “Para realinhar uma máquina dessas pode levar meses.”
O concreto usado no piso contém aditivos e fibras para evitar o fissuramento. “Custa de três a quatro vezes o preço de um bom concreto”, estimou o engenheiro. As condições de climatização são rigorosas, pois variações ínfimas de temperatura podem levar o concreto a se expandir ou se contrair, comprometendo a posição de cada peça da máquina. Dentro do prédio, a temperatura estará sempre entre 22,5º e 23,5ºC; na área blindada na qual ficará o acelerador, a variação será ainda menor, entre 22,9º e 23,1ºC.
A fundação do Sirius começou a ser feita em janeiro de 2015, e os engenheiros preveem entregar as obras de engenharia civil em junho do ano que vem. A onze meses desse prazo, a estimativa era que as obras estivessem 57% prontas. Vigna contou que planeja iniciar a montagem da primeira parte do acelerador até setembro, de forma a conseguir que o primeiro feixe de elétrons possa circular em junho de 2018 – a máquina só entraria definitivamente em operação no ano seguinte.
O acelerador está sendo construído junto ao campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), instituto vinculado ao Ministério da Ciência que se encarregará da gestão do equipamento. Por se tratar de uma organização social conveniada com o Ministério, o CNPEM não foi obrigado a licitar a obra pelos mesmos canais usados para a contratação das empreiteiras que construíram os estádios da Copa, por exemplo. O instituto convidou várias empreiteiras a submeterem propostas e ficou livre para escolher, dentre os seis projetos recebidos, o que mais lhe convinha de acordo com critérios técnicos e financeiros. Acabou fechando contrato com a Racional Engenharia, uma empreiteira sediada em São Paulo, no valor de 510 milhões de reais. Aditivos ao contrato elevaram o custo total da obra civil do Sirius para cerca de 630 milhões de reais.
Não parece tanto num país que, nos últimos anos, se acostumou a ver obras de grande porte serem orçadas na casa do bilhão de reais. O valor contrasta, por exemplo, com os custos de alguns estádios da Copa que, embora envolvessem uma maior área construída, nem de perto apresentavam os mesmos desafios de engenharia que a construção do Sirius. O Itaquerão, em São Paulo, consumiu mais de 1 bilhão de reais; o Mané Garrincha, em Brasília, saiu por 1,7 bilhão de reais. Quando fiz essa observação para Oscar Vigna, o engenheiro fez cara de troça: “Mas os estádios não são parâmetro no Brasil porque muitos são superfaturados.” De fato, as obras de dez dos doze estádios que sediaram jogos da Copa estão sob suspeita de corrupção, surgida na maior parte dos casos em investigações da Operação Lava Jato.
Quando se fala em acelerador de partículas logo vem à mente a imagem do LHC, o maior do mundo, com um anel subterrâneo gigante de 27 quilômetros de circunferência, nos arredores de Genebra. Seu princípio de funcionamento é o mesmo do Sirius: trata-se de fazer partículas subatômicas girarem até chegar a altíssimas velocidades. Mas as duas máquinas têm também diferenças fundamentais, a começar pelo tipo de partículas aceleradas – prótons no LHC e elétrons no Sirius.
Há outra divergência importante: aquilo que se busca fazer com cada um dos equipamentos. No LHC, feixes de prótons são acelerados em direções opostas e levados a colidir de frente. Os pesquisadores se dedicam então a interpretar os resquícios do choque, que lhes permitem desvendar detalhes sobre a composição da matéria – foi assim que confirmaram, em 2012, a existência do bóson de Higgs. Já no Sirius as partículas – os elétrons – circularão todas numa única direção, e o que interessa para os cientistas é aproveitar a luz síncrotron que eles emitem quando acelerados, usando essa radiação para entender as propriedades de outros materiais.
Por isso os síncrotrons são equipados com uma série de estações de trabalho instaladas ao longo do anel. As estações – ou linhas de luz, como os especialistas preferem chamá-las – são como laboratórios posicionados em torno do anel, nos quais os pesquisadores visitantes conduzem seus experimentos. Elas são instaladas em linhas que saem pela tangente da circunferência, para aproveitar a radiação que os elétrons emitem ao fazer a curva.
Cada linha de luz conta com equipamentos ópticos específicos – espelhos, filtros, monocromadores – para conferir ao feixe de luz as características necessárias à realização de determinados experimentos. É ali que trabalham os pesquisadores usuários do síncrotron: eles trazem as amostras que pretendem analisar, posicionam-nas no dispositivo em que serão expostas à radiação e monitoram os dados gerados pela interação com a luz. Esses resultados são levados de volta para as instituições de origem dos pesquisadores, onde serão analisados antes de ser publicados em revistas científicas.
O projeto do Sirius prevê a construção de até quarenta dessas estações experimentais, mas apenas cinco delas estarão prontas quando o acelerador for inaugurado. No momento em que o Sirius estiver com treze linhas de luz operando – o cronograma prevê que isso aconteça em 2020 –, ele poderá atender a cerca de 2 mil usuários por ano; quando operar em plena capacidade, com as quarenta linhas de luz, o número pode chegar a 5 mil pesquisadores.
O plano de construir um novo anel para substituir o UVX é discutido no LNLS pelo menos desde 2008, mas foi em 2009 que o Ministério da Ciência e Tecnologia embarcou na ideia, liberando os primeiros 2 milhões de reais para o desenvolvimento do projeto. Sopravam outros ventos políticos e econômicos naquele momento. Os cientistas também se beneficiaram das condições favoráveis dos anos 2000, a década em que o Brasil descobriu o pré-sal, e o Cristo Redentor decolou como um foguete na capa da Economist. O período foi marcado por um aumento notável de recursos para a ciência, pela criação de novas universidades e por uma fartura de bolsas de pesquisa e editais de financiamento.
O investimento se traduziu no incremento da produção científica. Entre 1993 e 2013, o número de artigos publicados por pesquisadores brasileiros aumentou quase oito vezes, fazendo com que o Brasil saltasse de 24º a 13º país com mais artigos publicados, segundo um levantamento da Thomson Reuters, gigante da informação científica. Com quase 43 mil artigos publicados em 2013, o Brasil respondia então por 2,5% da produção científica mundial – percentual próximo aos 2,37% da parcela do PIB brasileiro na economia global.
O físico carioca Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia sob Lula, entre 2005 e 2010, acompanhou de perto as discussões que levaram à construção do Sirius. De volta ao Recife, onde retomou seu posto de professor na Universidade Federal de Pernambuco, Rezende evocou recentemente as memórias de sua passagem por Brasília, numa conversa pelo Skype. Contou que a necessidade de investir num equipamento de grande porte emergiu ao final do processo de elaboração de um plano nacional de ciência e tecnologia – iniciativa que tinha a ambição de se tornar uma política de Estado para a área. Um grande laboratório nacional de ponta seria a face concreta, material, desse projeto. “Já fazia muito tempo que o Brasil não tinha um projeto ambicioso”, notou Rezende. “Então iniciamos três.”
Além do Sirius, o Ministério passou a apoiar a construção de um reator nuclear multipropósito em Iperó, no interior paulista, com inauguração prevista para o ano que vem – o equipamento permitirá fazer pesquisa básica, mas será usado, sobretudo, para a produção de isótopos radioativos usados na medicina. O terceiro projeto, por fim, é a associação do Brasil a um consórcio internacional que vai usar um telescópio gigante em construção no deserto do Atacama, no Chile, previsto para entrar em operação em 2024 – aprovada pelo Congresso, a adesão brasileira ao projeto depende ainda de sanção presidencial.
Os recursos repassados para o Sirius aumentaram ano a ano desde que o governo federal decidiu bancar o projeto, em 2009. Três anos depois, já no primeiro mandato de Dilma Rousseff, a empreitada ganhou rubrica própria no orçamento da União e os recursos se avultaram. “O total repassado até 2016 foi de 612,3 milhões de reais”, disse Antônio Roque da Silva. A conclusão do projeto depende de recursos suplementares de aproximadamente 1,2 bilhão de reais até 2020.
Numa entrevista telefônica à piauí no mês de março, o ministro da Ciência, Gilberto Kassab, fez questão de enumerar as configurações e atributos do Sirius. “Tecnicamente é um acelerador de elétrons com fonte de luz de quarta geração que terá o maior brilho da sua classe de energia e vai colocar o país na vanguarda”, afirmou, com a agilidade de um vendedor de carros. “Esse é um projeto que não para mais, tamanha sua importância para a ciência brasileira.”
Não há dúvida de que o Sirius é um projeto extraordinário no panorama da ciência brasileira – do ponto de vista orçamentário, inclusive. Enquanto os recursos para o síncrotron só fizeram aumentar desde 2009, o mesmo não se pode dizer do orçamento do Ministério da Ciência, em queda franca há quatro anos. A lei orçamentária anual previu 5,049 bilhões de reais para a área em 2017 – praticamente a metade do valor anunciado para 2013. Já era o pior orçamento da pasta em quase uma década, mesmo sem levar em conta a depreciação pela inflação – isso antes de o ministro da Fazenda Henrique Meirelles anunciar, no fim de março, o bloqueio de 42 bilhões do orçamento da União para 2017. Os cortes foram especialmente severos para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Informações e Comunicações (MCTIC), que teve 44% dos recursos contingenciados. Seu orçamento acabou ficando ainda mais parco, chegando a 2,83 bilhões de reais.
Desde o ano passado, quando a construção do Sirius foi incorporada ao Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, os recursos para o projeto já não estão mais atrelados ao orçamento do MCTIC. O PAC também teve quase 42% de seus recursos contingenciados por Meirelles, mas a parcela destinada à continuidade das obras do Sirius foi assegurada. “O contingenciamento não irá comprometer o andamento da construção do Sirius”, afirmou o Ministério da Ciência em nota enviada à piauí no fim de junho.
Três dias antes da publicação do decreto que reduziu o orçamento do Ministério, preocupados com os rumores de contingenciamento que se espalhavam por Brasília, os presidentes das duas mais importantes associações de cientistas brasileiros enviaram ao ministro Meirelles um apelo para que não cortasse recursos para a área. Helena Nader, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (cujo mandato se encerrou no fim de julho), e Luiz Davidovich, da Academia Brasileira de Ciências, argumentaram que o mctic respondia por apenas 0,32% do orçamento global (em 2010 a participação era de 0,58%), e que os cortes prejudicariam o país. “A experiência internacional mostra que os investimentos em ciência e inovação tecnológica produzem retornos muitas vezes superiores aos recursos aplicados, contribuindo para o aumento do PIB e o protagonismo internacional do país”, escreveram.
O gesto de Nader e Davidovich anda se banalizando. Desde que Michel Temer assumiu a Presidência, não foram poucas as vezes em que as associações dirigidas por ambos vieram conjuntamente a público protestar contra medidas que reduziam os recursos para a ciência e a tecnologia.
Antes mesmo da posse, Temer provocou calafrios nos cientistas ao aventar o nome do pastor Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal e adepto do criacionismo, para o Ministério da Ciência. Tirado o bode da sala, veio um novo sobressalto quando o presidente anunciou, no âmbito de sua reforma ministerial, que fundiria a pasta da Ciência, Tecnologia e Inovações com a das Comunicações. Para a comunidade científica o movimento pareceu pouco justificado e sintomático do desdém do governo federal pela área.
Mas esse não foi o ponto baixo da política científica de Temer na avaliação de Luiz Davidovich. O golpe mais duro, para ele, foi a proposta de emenda constitucional aprovada pelo Congresso que limitou o aumento dos gastos públicos nos próximos vinte anos, atrelando-o à inflação – a chamada “PEC do Teto” (ou “do Fim do Mundo”, como os cientistas se referiam a ela, à época). A medida tende a aguçar as disputas por recursos entre diferentes áreas da administração federal. Qualquer aumento significativo no orçamento para a ciência e tecnologia terá necessariamente como contrapartida uma redução de investimentos noutra seara – na educação, saúde ou previdência, por exemplo. Para Davidovich, trata-se de um tiro no pé. “Essa PEC considera que os recursos para a ciência e tecnologia são gastos, e não investimentos.”
O presidente da Academia Brasileira de Ciências recebeu a piauí para uma entrevista na sede da entidade, no Centro do Rio. Seu gabinete é decorado por um quadro que mostra Arquimedes em sua banheira no momento do “Eureka!” e um retrato de Copérnico, nome central da Revolução Científica que teve início no século XVI. Davidovich defendeu que, na história dos países industrializados, os investimentos em ciência e tecnologia tiveram papel fundamental para o desenvolvimento deles.
O caso da Coreia do Sul é emblemático: no espaço de quinze anos entre 2000 e 2014, a fração do PIB que o país reserva para investimentos de ciência e tecnologia saltou de 2,19% para 4,29% – proporcionalmente mais que Israel, Japão, Estados Unidos China e União Europeia. A quantidade de publicações dos pesquisadores coreanos dobrou entre 2005 e 2014, e o país é líder mundial em pedidos de patentes.
No fim das contas, disse Davidovich, nem é preciso buscar em países estrangeiros os exemplos que evidenciam o papel da ciência e tecnologia no desenvolvimento econômico. “Johanna Döbereiner, trabalhando na Universidade Federal Rural do Rio, descobriu um processo de fixação de nitrogênio no solo que multiplicou a produtividade da soja em quatro vezes”, lembrou o físico – as pesquisas que a agrônoma conduziu a partir dos anos 60 renderam ao país uma economia anual de mais de 2 bilhões de dólares com adubos nitrogenados, segundo dados da Embrapa, e fizeram do Brasil o segundo maior produtor mundial de soja. “A colaboração de cientistas brasileiros de várias áreas – matemáticos, químicos, biofísicos e muitos outros – resultou no aperfeiçoamento da tecnologia de perfuração de poços de petróleo em águas profundas”, continuou Davidovich. “Não é possível que o pessoal desconheça esses exemplos.”
O mais recente síncrotron a entrar em operação no mundo foi o Sesame, inaugurado em maio na cidade de Allan, na Jordânia. A primeira máquina do tipo no Oriente Médio é um acelerador de terceira geração operado por um consórcio que reúne cientistas de países que figuram em lados opostos de conflitos que se arrastam há décadas – ou mesmo séculos – naquele canto do globo.
“É impressionante você ter na mesma mesa gente do Irã, Israel, Autoridade Palestina, Paquistão e outros países da região”, disse Antônio Roque da Silva, o diretor do LNLS, que participou de reuniões preliminares do Sesame (o projeto envolve ainda Chipre, Egito e Turquia, além da própria Jordânia).
Estimular a cooperação internacional entre diferentes grupos de cientistas é uma das vocações desse tipo de máquina, especialmente em países como o Brasil, distantes dos grandes centros produtores da ciência mundial. No caso brasileiro, o UVX, que em breve será desativado para dar lugar ao Sirius, tem cumprido a missão com distinção. No ano passado, 13% dos usuários do acelerador foram pesquisadores estrangeiros – frequentemente associados a colegas brasileiros – vindos de países como Argentina, Chile, Cuba e Colômbia, mas também Estados Unidos, Japão, Suíça e Noruega.
E isso apesar de o UVX ser um síncrotron modesto: seu anel tem 93 metros de circunferência e a energia que impulsiona os elétrons é de 1,37 GeV (os mais potentes chegam a 8 GeV). Ainda assim, é uma máquina de porte imponente. Observado de cima, do 2º andar do prédio que o abriga, é possível avistar as dezoito estações de trabalho que saem pela tangente, dando ao conjunto a aparência de uma grande roda dentada. São utilizadas o tempo todo por equipes de pesquisadores que se sucedem para examinar suas amostras – a máquina fica em operação 24 horas por dia.
A sigla UVX significa “do ultravioleta aos raios X”, em referência à ampla faixa de comprimentos de onda da radiação luminosa aproveitada nas estações experimentais. A máquina pertence a um laboratório nacional vinculado ao governo federal, e o acesso ao equipamento é franqueado à comunidade científica. Os interessados em usar o acelerador devem submeter projetos de pesquisa; uma comissão de especialistas decide quais deles poderão usar a máquina e distribui o tempo de uso do equipamento entre os grupos selecionados – a viagem a Campinas e o alojamento no campus do CNPEM são custeados pelo LNLS.
O síncrotron também pode ser usado por empresas da iniciativa privada que queiram, por exemplo, estudar as propriedades de determinado material com vistas a desenvolver um novo produto (Vale, Braskem e Oxiteno estão entre aquelas que já recorreram ao UVX para suas pesquisas). O uso pela iniciativa privada é gratuito caso os dados gerados sejam publicados; caso prefiram manter os resultados sob sigilo, as empresas têm a opção de pagar pelo serviço.
Em meados de março, uma das linhas de luz do UVX foi ocupada pela equipe do físico argentino José Martín Ramallo López, um dos usuários mais assíduos do síncrotron brasileiro. Ramallo López é um especialista em nanomateriais do INIFTA, um centro de pesquisa vinculado à Universidade de La Plata. Usou o UVX pela primeira vez em 1997, pouco após a inauguração, quando estava fazendo sua pesquisa de doutorado. “Viemos no primeiro ano e não paramos desde então”, contou. Pelas contas dele, os trabalhos do seu grupo de pesquisa no acelerador de Campinas renderam pelo menos cinquenta artigos científicos. “O síncrotron nos deu a oportunidade de dar um grande salto de qualidade na ciência que fazemos”, disse o argentino. Não fosse o UVX, ele teria que ir aos Estados Unidos ou à Europa se quisesse continuar suas pesquisas. “Não há opção mais próxima.”
Ramallo López conversou com a piauí enquanto aguardava a montagem de um dispositivo na linha de luz do UVX que ele usou ao longo de uma semana. Estava em Campinas desde o domingo, com mais dois pesquisadores: um colaborador da Universidade de Santiago de Compostela (“Ele é quem sintetiza as amostras que estamos analisando”) e um colega de La Plata, que estava dormindo depois de virar a noite acompanhando um experimento.
O grupo estava ali para analisar as propriedades de aglomerados de cinco a vinte átomos de cobre. O experimento do dia consistia em entender como eles se comportavam à medida que aumentava a temperatura. Ramallo López contou que, por ter propriedades oxidativas excepcionais, aqueles aglomerados de átomos eram promissores para o desenvolvimento de novos materiais usados para descontaminar a água ou combater células cancerosas-, dentre outras finalidades. Mas ressaltou que o grupo dele desempenhava uma etapa intermediária desse processo, a meio caminho entre a ciência básica e aplicada. “Estamos tratando de entender como os materiais se constroem, como podemos manipulá-los e gerar dispositivos que nos permitam depois usar essas propriedades em aplicações concretas.”
“Sempre vi o UVX como uma máquina de fazer gente”, disse o físico Cylon Gonçalves da Silva, o principal nome por trás da construção do síncrotron de segunda geração, numa entrevista realizada no LNLS. “Vocês gostam de dar muita ênfase à máquina, mas o ponto mais importante de todos é gente.” Carreiras extraordinárias se formaram em torno daquela máquina, continuou, seja na engenharia de aceleradores, seja na ciência com luz síncrotron. “Os jovens cientistas que treinamos para usar o síncrotron hoje são professores que têm seu grupo de pesquisa, talvez já tenham até netos acadêmicos.”
Silva, um gaúcho calvo de rosto ovalado e óculos redondos, dirigiu o LNLS por doze anos e comandou a construção do UVX, entre 1987 e 1997 (aos 71 anos, continua vinculado ao CNPEM como conselheiro). Costuma dizer que introduziu um bicho novo no ecossistema brasileiro de ciência e tecnologia: o laboratório nacional, inspirado no modelo desenvolvido nos Estados Unidos no pós-guerra. Os laboratórios nacionais geralmente oferecem grandes instalações científicas abertas a usuários de toda a comunidade de pesquisadores, com equipamentos custosos e de difícil manutenção – a tal ponto que mesmo os laboratórios universitários muitas vezes não têm condições de bancar.
“Parece um gasto grande, mas é uma economia para o país”, disse o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, diretor-geral do CNPEM e um articulador importante da construção do síncrotron brasileiro. “O número de usuários atendidos e o que se deixa de gastar com laboratórios menores em universidades compensam os recursos gastos”, continuou Leite, que completou 86 anos em julho.
A discussão sobre a criação de um laboratório nacional brasileiro remonta ao começo da década de 80, nos anos finais da ditadura militar. O físico Roberto Leal Lobo, que esteve à frente do projeto do síncrotron em sua fase inicial, contou que havia por trás da iniciativa um desejo de fortalecer a física experimental no país. “Já tínhamos bastante teóricos, e precisávamos de um projeto desafiador que mantivesse os pesquisadores no Brasil”, contou Lobo numa entrevista por Skype. À frente então do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Lobo visitou laboratórios e centros de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa para definir a melhor solução para o país.
Lobo contou que, aos poucos, consolidou-se a ideia de que construir um síncrotron seria a melhor aposta. “Esse equipamento poderia ser feito no limite do conhecimento brasileiro de tecnologia. Era um desafio, mas não impossível”, disse o físico. Tratava-se ainda de um equipamento de custo razoável e versátil, que poderia ser usado por pesquisadores de vários horizontes. Além disso, continuou Lobo, a máquina teria vida mais longa que a de outros aceleradores de partículas, que logo se tornam obsoletos. “Enquanto houvesse material para observar, o síncrotron continuaria útil”, disse Lobo, que hoje mora nos Estados Unidos, onde atua como consultor na área de educação e pesquisador visitante da Universidade de Boston.
O projeto só foi adiante depois da redemocratização. Em 1985, José Sarney criou o Ministério da Ciência e Tecnologia e apontou Renato Archer como seu primeiro titular. O ministro se comprometeu a apoiar o projeto, confiado dali em diante a Cylon Gonçalves da Silva. Campinas foi a cidade escolhida para sediar o novo equipamento – Rio de Janeiro e São Carlos, no interior paulista, também estavam no páreo. O grupo reunido em torno de Silva se transferiu para um barracão industrial – a equipe envolvida no projeto contava então com 26 pessoas –, e a construção do UVX teve início em 1987.
O projeto do primeiro síncrotron brasileiro enfrentou muita resistência dentro da própria comunidade científica, mesmo antes que o UVX saísse do papel. Dentre os principais opositores da iniciativa em sua fase inicial estava a Sociedade Brasileira de Física, que trouxe a público as críticas dos cientistas desconfiados com o projeto, que lhes parecia megalomaníaco. Diziam que a ideia não nascera de uma demanda concreta da comunidade científica, e que não havia pesquisadores preparados para usar o síncrotron. Acima de tudo, receavam que o acelerador drenasse recursos dos canais convencionais para o financiamento da ciência, especialmente num momento de vacas magras como aquele. De fato, o orçamento para tirar o UVX do papel era astronômico para o padrão do financiamento brasileiro da área – coisa de 36 milhões de dólares em 1989, ou 226 milhões de reais em dinheiro de hoje.
Cylon Gonçalves da Silva viu quatro momentos distintos nas reações públicas ao projeto. “A primeira é ‘não dá pra fazer no Brasil’; a segunda é ‘dá pra fazer, mas não vai funcionar’; a terceira é ‘vai funcionar, mas não vai ter usuário’”, enumerou. “A quarta é ‘eu teria feito mais rápido, melhor e mais barato’”, concluiu, logo emendando uma risada franca. “Estou sendo maldoso, mas não muito.”
O responsável por coordenar as obras da construção do UVX foi Ricardo Rodrigues, um engenheiro civil com doutorado em física, de 65 anos. Numa entrevista no LNLS, Rodrigues notou que os obstáculos listados pelos opositores do projeto foram todos por terra. A máquina foi projetada e construída com sucesso no Brasil, com a maior parte da tecnologia produzida no país – dentre as inovações desenvolvidas pelo grupo envolvido na construção do acelerador está o uso pioneiro de uma máquina de corte a laser para fatiar as chapas de aço usadas na fabricação dos ímãs. De 80% a 85% dos gastos na produção foram realizados no país, de acordo com seus cálculos. Quanto ao custo do projeto, que assustou os críticos, o engenheiro sustenta que o síncrotron ajudou a mudar o patamar do financiamento da ciência no Brasil. Citando outros projetos milionários realizados desde então, afirmou: “Hoje em dia ninguém se assusta mais com 1 milhão de reais.”
Contrariando as expectativas de muitos, a máquina foi posta de pé, mas restava em aberto a questão sobre quem iria usá-la. Rodrigues admitiu que os cientistas contrários ao projeto levantavam pelo menos uma dúvida relevante ao questionar se haveria uma base de usuários capacitados para usar o UVX. “Naquele momento eu conhecia cinco pessoas que já tinham trabalhado com síncrotron no Brasil, incluindo eu mesmo”, lembrou. A solução encontrada para contornar a falta de massa crítica envolveu enviar jovens pesquisadores brasileiros para trabalhar em síncrotrons no exterior, trazer para o Brasil pesquisadores estrangeiros familiarizados com essa técnica e promover uma maratona de reuniões e oficinas para treinar usuários.
O UVX foi inaugurado em 1997 e, naquele ano, foi usado em cerca de 100 projetos de pesquisa diferentes envolvendo 180 cientistas – o síncrotron atende atualmente a mais de 1 200 usuários por ano. Em 2016, os experimentos conduzidos no acelerador deram origem a 261 artigos científicos.
Quando assumiu a direção do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em 2009, Antônio Roque da Silva recorreu à ajuda de um especialista na matéria para assessorá-lo: Yves Petroff. O físico francês já era conhecido pelos colegas brasileiros, pois havia dirigido o Lure, um laboratório de luz síncrotron instalado nos arredores de Paris que acolheu muitos pesquisadores brasileiros que estavam se capacitando para usar o UVX em Campinas. Nos anos 90, viria a comandar o ESRF, o síncrotron europeu sediado em Grenoble.
Petroff, um homem grisalho de 80 anos, disse-me numa entrevista recente em seu gabinete no ESRF que relutou, mas decidiu aceitar a proposta de passar três meses no Brasil trabalhando com Roque. O quadro que encontrou por aqui o indispôs: o orçamento para a operação do acelerador lhe pareceu magro demais, e a equipe do LNLS, de tamanho insuficiente para assegurar o bom funcionamento da máquina. Seu reflexo foi ir até o ministro da Ciência, Sérgio Rezende, um velho amigo – Rezende fez parte da diretoria que o francês montou quando presidiu a União Internacional de Física Pura e Aplicada. Ele deu um ultimato ao ministro: “Ou você tem a coragem de fechar o laboratório ou aumenta o orçamento, caso contrário ele vai acabar.” O apelo dramático fez eco a uma demanda antiga de dirigentes e pesquisadores do LNLS, e o laboratório recebeu os recursos pleiteados.
Naquele momento já se planejava a construção do Sirius, mas a nova máquina só estaria disponível aos pesquisadores dali a dez anos. De resto, não fazia sentido deixar o UVX, que atraía cientistas e dava resultados, sem os meios e a equipe de apoio necessários para o seu bom funcionamento. Com a liberação dos recursos, Petroff foi pressionado pelos colegas brasileiros. “Agora que você conseguiu o dinheiro, tem que ficar”, disseram-lhe. Acabou cedendo e permaneceu no Brasil por outros três anos como diretor científico do LNLS.
O apelo se justificava também pela experiência do físico francês. À frente do ESRF, Petroff ajudara a dar ao síncrotron europeu índices hiperbólicos de produtividade científica. Entre 1994 e 2016, os dados gerados ali deram origem a mais de 28 mil artigos. “Só de Science e Nature saem uns trinta por ano”, disse o francês, citando dois dos periódicos de maior prestígio entre os cientistas. Mas Petroff frisou que o investimento em recursos humanos é que explica a qualidade das publicações. “Não adianta nada ter uma máquina boa se não houver pessoal qualificado nas linhas de luz.”
Na direção científica do UVX, Petroff tentou criar condições para aproveitar ao máximo o potencial do acelerador de segunda geração. O francês é um homem pragmático e determinado. Entre os colegas brasileiros, tem a fama de pesquisador linha-dura e sem meias palavras quando se trata de fazer críticas. O relato que Petroff fez de sua atuação em Campinas mostra que a reputação tem algum lastro. O francês disse que tentou convencer os colegas brasileiros a melhorar a qualidade de suas publicações. “Vocês fazem bons trabalhos aqui, mas ninguém vai ler se vocês continuarem publicando em revistas de merda”, advertiu o francês. A fim de melhorar a qualidade dos artigos produzidos no laboratório, Petroff propôs condicionar o tempo de uso da máquina à publicação dos resultados em revista de alto impacto. Os resultados não tardaram a vir: o fator de impacto médio dos artigos gerados no UVX – índice que mede a qualidade das revistas onde são publicados – cresceu 25% entre 2010 e 2017.
Quando Yves Petroff voltou de Campinas para Grenoble em 2013, o posto de diretor científico do LNLS foi confiado a um jovem pesquisador que havia trabalhado como o número 2 do francês: o curitibano Harry Westfahl Junior, um homem de 45 anos de barba curta e olhos castanhos. Físico teórico convertido em experimentalista, Westfahl será o responsável em última instância por transformar o Sirius numa máquina de produzir pesquisadores e artigos científicos de ponta.
Numa entrevista realizada em seu gabinete do LNLS, perguntei o que o Sirius permitiria fazer que o UVX já não faz. O paranaense explicou que só o ganho em energia – a do Sirius será mais que o dobro da do UVX – permitirá enxergar um maior número de elementos químicos, cobrindo quase toda a tabela periódica. “Além disso, no Sirius conseguiremos penetrar em objetos mais densos e opacos aos raios X”, continuou.
O físico usou a metáfora de uma foto com flash para descrever o efeito do aumento do brilho do Sirius. “Quando usa o flash você consegue capturar movimentações muito rápidas, mas chega um limite em que a luz não basta e você não vê mais nada”, comparou. O Sirius terá um fluxo de fótons 1 milhão de vezes maior que o do UVX, continuou Westfahl. “Será como se tivéssemos 1 milhão de flashes.” Isso permitirá observar uma série de fenômenos acontecendo em tempo real – como o óleo fluindo em três dimensões numa rocha do pré-sal, por exemplo, tema de pesquisa de uma cientista do LNLS.
Na linha de frente da equipe que está construindo o Sirius, coube a Westfahl montar a equipe de cientistas envolvidos no projeto e definir as estações experimentais que seriam instaladas no equipamento. O paranaense contou que as linhas de luz serão todas batizadas com o nome de árvores e bichos brasileiros, sempre fazendo acrônimos com suas características técnicas.
É o caso da carnaúba (coherent x-ray nanoprobe beamline), a mais longa do Sirius, com 145 metros de comprimento. “Ela vai ter contraste muito mais variado do que a gente encontra em outras linhas de luz”, explicou Westfahl. “Isso permitirá, por exemplo, fazer o mapeamento de nutrientes do solo de forma sem precedente.”
A linha manacá (macromolecular micro and nano crystallography), por sua vez, será dedicada à cristalografia de proteínas. “O tipo de design de fármacos que podemos fazer hoje é limitado pelas proteínas que conseguimos estudar no uvx”, disse Westfahl. Com a manacá, isso deixará de ser um gargalo. “Vamos abrir uma avenida para elucidar a estrutura de proteínas.”
O paranaense aposta alto também na linha cateretê (coherent and time resolved scattering), que permitirá investigar com uma ampliação sem igual a dinâmica de fenômenos biológicos e de estruturas nanométricas. “Ela será capaz de fazer, talvez pela primeira vez, uma imagem não destrutiva tridimensional de uma célula de mamífero”, apostou.
Westfahl tem um apreço especial pela linha ema (extreme condition x-ray methods of analysis). Acredita que, assim como o telescópio de Galileu e o microscópio de Van Leeuwenhoek ampliaram a visão dos cientistas, essa linha de luz tem o potencial de desvelar um mundo insuspeito. “Poderemos explorar novos estados da matéria, coisas que a gente não prevê ainda que vão acontecer”, vislumbrou. A linha permitirá testar materiais em condições extremas de temperatura e pressão. “O que será que vamos encontrar lá?”, perguntou-se o cientista, de forma retórica. “Não sei”, ele próprio respondeu. “É como se estivéssemos indo explorar o espaço pela primeira vez.”
As linhas de luz mencionadas por Westfahl, além da ipê (inelastic and photo-electron spectroscopy), serão as cinco que devem ser inauguradas junto com o Sirius. O cronograma prevê para junho de 2018 a passagem do primeiro feixe de luz pelo acelerador, mas fica a dúvida sobre se ele ficará pronto no prazo previsto. Os recursos para o projeto referentes a 2016, de quase 182 milhões de reais, foram repassados só no mês de dezembro. E a verba anunciada para este ano não é suficiente para assegurar que a máquina comece a funcionar na data prevista.
O orçamento de 2017 previa o repasse de quase 326 milhões de reais ao projeto. O valor por pouco escapou da tesoura de Henrique Meirelles, mas ainda assim não garante a inauguração em 2018. “Para começarmos a montar os aceleradores até o fim do ano teremos que estar com todos os ímãs e câmaras de vácuo fabricados, sistemas de diagnóstico, controle, tudo”, detalhou Roque. Os custos envolvidos não são desprezíveis. “Precisamos de recursos adicionais de 280 milhões de reais este ano se quisermos inaugurar o Sirius em 2018.”
Em nota, o MCTIC afirmou que “o Ministério trabalha com a meta de recomposição do orçamento e de manutenção da data programada de inauguração das instalações”. Quando deu entrevista à piauí, em março, o ministro Gilberto Kassab disse que o MCTIC está se esforçando para garantir a inauguração do acelerador em junho próximo, mas preferiu não colocar a mão no fogo. “Não garanto até o ano que vem”, ressaltou. “Garanto que o projeto está na fase final.”
A entrega da obra de grandes equipamentos científicos como o Sirius costuma render bons dividendos políticos para os gestores. Ao assumir a Presidência, Michel Temer tinha no horizonte a perspectiva de inaugurar o acelerador que começara a sair do papel sete anos antes. No atual cenário de crise econômica e absoluta incerteza política que reina em Brasília, não parece garantido que Temer, denunciado por corrupção passiva pela Procuradoria-Geral da República, ou Kassab, acusado no âmbito da Operação Lava Jato de ter recebido 20 milhões de reais em recursos indevidos entre 2008 e 2014, venham a cortar a fita.
Seja quem for o político de posse da tesoura, a inauguração da máquina está longe de significar o fim dos gastos com o Sirius. O custo de operação de um acelerador como aquele é altíssimo – só a conta de luz do complexo deve bater na casa de 1 milhão de reais por mês, conforme as estimativas do engenheiro elétrico Oscar Vigna (uma subestação de energia foi construída anexa ao acelerador para suprir a demanda). Roque estima que o custo anual de manutenção do Sirius fique na casa dos 100 milhões de reais.
O MCTIC afirmou em nota que os custos de manutenção serão bancados sem prejuízo para outras iniciativas. “A ideia é cobrir parte da despesa com receitas provindas do uso da máquina por entidades e empresas interessadas.” Para que esses recursos façam alguma diferença, porém, será preciso incrementar muito o uso do síncrotron pela iniciativa privada em relação ao que acontece hoje no UVX. Antônio Roque da Silva estima que o número de projetos de pesquisa conduzidos exclusivamente pela iniciativa privada nesse acelerador seja da ordem de 1% a 1,5% do total. A receita anual proveniente daí “não dá 100 mil reais”, afirmou.
Os custos adicionais não param por aí. Se o governo quiser aproveitar todo o potencial da máquina que construiu, terá que instalar com o passar do tempo novas estações de trabalho para acomodar mais pesquisadores. “Estamos falando aqui de até 10 milhões de dólares para cada nova linha de luz”, estimou Roque. O pesquisador vislumbrou um cenário em que vinte linhas de luz venham a ser construídas na próxima década. “Isso significaria um investimento adicional da ordem de 20 milhões de dólares por ano nos próximos dez anos.”
Se inaugurado dentro do cronograma, o Sirius terá pela frente um período como o melhor síncrotron de quarta geração em operação no mundo. O reinado tem data prevista para chegar ao fim: o segundo semestre de 2020, quando está programada a entrada em operação do upgrade do ESRF, na França, em planejamento há mais de dez anos, com um orçamento de 330 milhões de euros (ou 1,24 bilhão de reais). A tecnologia de ímãs do novo síncrotron europeu permitirá alcançar uma precisão notável. “A relojoaria de classe chegou à física dos aceleradores”, disse-me o físico italiano Francesco Sette, diretor do ESRF. “Essa máquina é uma joia.”
Quando lhe perguntei se o novo síncrotron brasileiro terá potencial de atrair cientistas europeus, Sette disse que os pesquisadores não se incomodam em se deslocar para usar um equipamento único. “O Sirius será uma máquina excelente”, previu o italiano. “No fim das contas, o elemento-chave não será o acelerador, mas sim as linhas de luz e a instrumentação. É primordial ver o conjunto por inteiro.”
Antônio Roque da Silva está convicto de que a máquina vai dar origem a resultados de grande impacto internacional, talvez de dez a quinze anos após a inauguração do acelerador. Suas fichas estão depositadas principalmente na biologia molecular. “Poderemos quem sabe entender em pequena escala a organização do DNA dentro do núcleo e correlacionar com mecanismos de diferenciação”, disse. Perguntei se ele esperava que daí saísse algum Nobel. “Pode ser que venha, e o Brasil está no jogo, ou poderia estar”, respondeu o físico. “Mas não é o equipamento que vai resolver o problema”, ressaltou, rindo. “É uma política de longo prazo.”
O diretor do LNLS reconheceu que, em última instância, a ciência feita pelos usuários do Sirius é que determinará seu sucesso. “O sistema será tão bom quanto for seu elo mais fraco”, disse. “Não adianta construir a máquina se não houver investimento contínuo e regular na formação de recursos humanos, treinamento de usuários, bolsas para novos alunos.”
De fato, que o Brasil disponha de uma máquina dentre as mais modernas do mundo não é uma garantia de que o país automaticamente começará a fazer ciência de primeira divisão. É preciso contar com cabeças capazes de formular os problemas que a máquina permitirá responder, caso contrário o síncrotron de quarta geração será subaproveitado. Nesse sentido, o governo está enviando sinais contraditórios à comunidade científica, assegurando os recursos para o Sirius ao mesmo tempo que restringe o orçamento do MCTIC.
“Se não houver recursos para as universidades, em mais alguns anos não teremos gente para operar esse equipamento”, alertou Luiz Davidovich, o presidente da Academia Brasileira de Ciências. O físico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, a fundação paulista de apoio à ciência, argumentou que as universidades e centros de pesquisa devem se preparar para a inauguração do Sirius. “Os processos de admissão de professores e pesquisadores precisam ser organizados de forma a usar a seu favor a perspectiva de uso da máquina”, disse o físico numa entrevista feita na Unicamp.
A Fapesp também está apoiando, com 30 milhões de reais, o projeto do Sirius, por meio de um programa que estimula o desenvolvimento de soluções tecnológicas para o acelerador por parte de empresas brasileiras. A ideia é usar esse projeto como alavanca para a inovação na iniciativa privada – um setor em que o Brasil ainda engatinha. “Há desafios científicos, tecnológicos e de engenharia que podem ser atacados por parcerias entre universidades e empresas, tanto na fase do desenvolvimento e da instalação quanto após a entrada em operação”, disse Brito Cruz.
Paira sobre o Sirius um risco parecido ao que ameaçou alguns dos estádios projetados para a Copa de 2014 – justamente aqueles que foram construídos em cidades sem times de grande tradição futebolística. Vozes críticas alertaram que as novas arenas, depois da Copa, não receberiam partidas à altura do alto investimento feito para sua construção. O tempo lhes deu certa razão. Entre outros eventos, em junho, a Arena da Amazônia, em Manaus, recebeu Fast Clube x Gurupi, pela série D do Brasileirão; dias depois, a Arena das Dunas, em Natal, abrigou um clássico estadual – abc x América – do campeonato potiguar de futebol Sub-15; no mês seguinte, a Arena Pantanal – casa do Cuiabá, que disputa a série C – foi o palco da formatura do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso.
O físico argentino Aldo Craievich, principal responsável por capacitar os primeiros usuários para o UVX, defende que um novo esforço de formação de pesquisadores seja conduzido antes que o Sirius entre em funcionamento. “O novo anel tem características ópticas que permitem aplicações muito desafiadoras, mas requer uma formação de pessoal bem mais elaborada e interdisciplinar”, explicou o argentino, que é pesquisador aposentado do Instituto de Física da USP, que ele continua a frequentar. Para ele, os cientistas precisam se familiarizar com os novos métodos de análise disponíveis para o Sirius. “Temos uma máquina formidável, mas se não houver usuários que saibam usá-la, acabaremos fazendo mais do mesmo.”
Craievich é um homem corpulento de cabeça raspada e olhos castanhos. Aos 78 anos, continua divulgando o uso do síncrotron em palestras pelo país. No final de suas conferências, costuma mostrar um cartum do seu conterrâneo Quino que ilustra sua preocupação. Na tirinha, um mendigo pede a um ricaço dinheiro para comer um cachorro-quente. O homem abastado decide lhe dar 1 milhão, e recomenda que ele coma bem. Já no restaurante, de posse da sua nova fortuna, o pedinte não hesita e ordena ao garçom que lhe traga 100 cachorros-quentes. “A tendência das pessoas é não sair da zona de conforto e fazer o que sabem”, comentou Craievich. “No Sirius não pode ser assim, temos que comer caviar.”
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