CRÉDITOS: ANDRÉS SANDOVAL_2025
O app dourado
O compositor carioca que votou no Oscar
João Batista Jr. | Edição 222, Março 2025
É um aplicativo exclusivíssimo: só 9 905 pessoas no planeta podem usá-lo. Entre os brasileiros, são apenas 59 privilegiados. Clicando no ícone da estatueta dourada na tela do celular, o usuário ganha acesso a todos os filmes que concorrem ao Oscar – e pode vê-los até antes da estreia. Mais importante, o app permite votar nas 23 categorias do prêmio. Poucos meses atrás, o cantor, instrumentista, compositor e produtor musical carioca Plínio Profeta, de 54 anos, baixou o aplicativo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em seu iPhone. Este foi o primeiro ano em que ele votou.
Entre os brasileiros, os votantes são sobretudo atores, como Alice Braga, Wagner Moura e Rodrigo Santoro, e diretores, como Fernando Meirelles e Anna Muylaert. Profeta entrou no seleto grupo como compositor de trilhas sonoras. É dele a música de três filmes e uma série dirigidos por Selton Mello (que faz Rubens Paiva em Ainda estou aqui, filme que teve três indicações ao Oscar neste ano).
Na conversa do compositor com a piauí não se falou sobre os concorrentes ao prêmio: as regras da academia proíbem que os votantes declarem ou discutam seus votos publicamente. A votação ocorreu entre 11 e 18 de fevereiro. “Eu levei bem a sério”, contou Profeta em um café paulistano, enquanto comia um pão de queijo. “Fiz uma maratona.” Ele assistiu a todos os filmes concorrentes em plataformas diversas: no celular, no laptop, ou espelhando a imagem desses aparelhos na tevê.
Outras regalias acompanham a condição de votante da academia de cinema. No aplicativo, existe uma agenda de eventos exclusivos, para os quais é possível levar até dois convidados (desde que não sejam jornalistas). Profeta pôde acompanhar em Nova York uma mesa redonda sobre o filme His three daughters (As três filhas), no qual Elizabeth Olsen, uma das atrizes principais, falou sobre os bastidores da produção. Mas o filme acabou não sendo indicado ao Oscar.
A oportunidade de votar no Oscar apareceu quase por acaso, durante o Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles, em 2023. “Eu dei sorte”, diz Profeta. Depois da exibição de Nosso sonho, a cinebiografia de Claudinho & Buchecha, da qual fez a trilha, ele conheceu o compositor italiano Carlo Siliotto. Os dois trocaram cartões de visita, e Profeta enviou um e-mail, apresentando seu trabalho e divulgando seu perfil no Internet Movie Database (IMDB), a enciclopédia online de filmes, séries e profissionais das artes audiovisuais. Não teve resposta imediata. Tempos depois, recebeu o convite para integrar o corpo de eleitores do Oscar. “Existe uma necessidade real de internacionalizar o prêmio, daí os convites para pessoas de países que não falam inglês”, diz.
Na adolescência, Profeta queria ser astro de rock. Ao terminar o segundo grau (atual ensino médio), ele aproveitou as passagens aéreas gratuitas que tinha na Varig – seu pai era piloto da companhia – e se mandou para Los Angeles. Chegou a montar uma banda com americanos, a God Head. Aos 18 anos, cantava em bares e casas de show.
Quando o pai do roqueiro se aposentou, descobriu que a Varig não havia pagado suas obrigações previdenciárias – a empresa já vivia a crise que conduziria ao encerramento de suas atividades, em 2006. A mãe de Profeta trabalhava com a produção de uma revista da extinta casa de shows Canecão, mas isso não era suficiente para o sustento da casa. “Em uma das vindas ao Rio, decidi ficar para trabalhar e ajudar a minha família”, diz.
Ele retornou ao Brasil em 1994 e fundou a banda Profeta, Reverendo e Criador, que durou três anos. Mudou-se então para o outro lado do balcão: em 1997, passou a trabalhar com o produtor Tom Capone, diretor artístico da gravadora Warner Music Brasil, que morreu em 2004 em um acidente de moto em Los Angeles. “Produzi álbuns de Fernanda Abreu, Lenine e O Rappa”, ele conta.
Alguns anos depois, uma nova alternativa profissional surgiu para Profeta: as trilhas sonoras de filmes. Sua estreia foi em 2008, em Feliz Natal, primeiro longa dirigido por Selton Mello, seu amigo desde 2002. Logo pipocaram outros convites de trabalho.
Profeta é multi-instrumentista: toca violão, guitarra, baixo, viola caipira, piano e até ronroco, um instrumento de cordas andino, e consegue criar uma trilha sonora sozinho. “Gosto de fazer coisas variadas, do cinema cabeçudo ao popular”, diz. Foi ele quem assinou a trilha de Minha mãe é uma peça, filme de André Pellenz com o ator Paulo Gustavo, sucesso de bilheteria de 2013. “Foi um desafio enorme adaptar um monólogo do teatro para o cinema, tendo um casal de protagonistas que não se beija”, recorda.
Com o diretor Selton Mello a parceria continuou em dois filmes – O palhaço, de 2011, e O filme da minha vida, de 2017 (pelos quais recebeu o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de melhor trilha sonora) – e na série Sessão de terapia (2019-21). Entre filmes e séries, ele já compôs sessenta trilhas. Recentemente estreou em uma novela: Beleza fatal, primeira incursão no gênero da plataforma de streaming Max.
Em geral, Profeta recebe o roteiro antes das gravações e também participa da leitura feita pelos atores. Na novela, foi diferente: entrou depois que as gravações tinham sido finalizadas. “Criei para a vilã uma trilha original, que encerra diversos capítulos e se desdobra em diferentes variações”, diz. O tema de abertura foi feito de acordo com a encomenda da diretora-geral Maria de Médicis, que estreou no streaming depois de 29 anos na Rede Globo. “Pedi para a abertura ser tipo uma onomatopeia, como foi o ‘Oi, oi, oi’ de Avenida Brasil”, diz ela.
O nome de registro do compositor é Plínio Pereira Gomes Junior. O sobrenome artístico Profeta foi emprestado da banda na qual tocou nos anos 1990. Ele não foi ao cartório oficializar a mudança, mas já a transmitiu às novas gerações. Seu filho de 2 anos com a estilista Thaysa Jafet, herdou o sobrenome na certidão de nascimento: chama-se Gael Profeta Gomes Jafet.
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