O cachorro
Queria ser Lulu de madame francesa para beber leitinho e comer bife de filé mignon
Nelson Sargento | Edição 8, Maio 2007
O ser humano tem predileção por animais. Há gente que gosta de criar em sua própria casa gato, onça, macaco, cutia, até aquele ratinho branco que há alguns anos andava pendurado no ombro de algumas pessoas. Ou então papagaio, arara, araponga, periquito, gralha, curió, gavião, bem-te-vi etc.
De todos os animais, o mais popular e preferido é o cachorro, que também é conhecido pelo nome de cão. É um animal doméstico muito querido para viver em família, que pode ensiná-lo a ser dócil, brincalhão, amigo das crianças, que adoram ter um cachorrinho para brincar e até dormir com ele, tudo bem? Não! Tem mamãe que não quer o cachorro dentro de casa, quer se desfazer dele de qualquer maneira, e a criança não deixa, chora e chora muito, pois não quer ficar sem o seu cachorrinho.
Quando o bicho some, aí a coisa complica, a criança fica desesperada, então começa a procura, coloca anúncio no jornal, prega cartaz nas ruas com a foto do cachorrinho, vai no canil da prefeitura para saber se o cãozinho já virou sabão (dizem que o cachorro pego pela carrocinha vira sabão), algum tempo depois o bichinho reaparece, para a alegria de todos, e o garoto chora, mas chora de alegria.
O cachorro pode ser entregue a um adestrador profissional, que tem a capacidade de ensiná-lo a ser um cão bravo, feroz, até assassino. Mas pode também ensiná-lo a ser útil, eficiente e prestativo, a ser um guia de cego, a ajudar deficientes físicos, a defender seu dono de um ataque inesperado, a combater o crime com o seu faro apuradíssimo, descobrindo drogas bem camufladas.
No dia 7 de setembro, o cachorro desfila garboso com o batalhão da Polícia Militar e o do Exército.
O cachorro tem várias facetas. O seu nome aparece na música popular, no folclore, no cinema, nos comerciais e nas histórias em quadrinhos.
Há vários ditos populares em que seu nome aparece. Como quando falamos “Isso é do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça”. Ou “Mais vale um cachorro amigo do que um amigo cachorro”. Numa briga generalizada, diz-se que foi uma cachorrada. A marca da extinta gravadora RCA Victor tinha um cachorro sentado ao lado do gramofone, ouvindo a voz do dono.
A cadela é a fêmea do cachorro, mas o seu nome só aparece em ficha de clínica veterinária, ou quando a esposa pega o marido com a amante, arma um barraco e xinga a rival de cadela, cachorra, vagabunda, marafona e outros nomes impublicáveis.
Na música popular, às vezes o seu nome aparece de forma desprezível, como quando o cantor Waldick Soriano canta “Eu não sou cachorro, não”, quando Jerry Adriani diz “Você é mesmo um vira-lata, não tem pedigree”, ou ainda quando Noel Rosa, no samba “Cem mil-réis”, diz “O organdi está barato pra cachorro”.
Mas há músicas em que o cachorro é tratado com dignidade. Como quando Kelly Key canta “Vem meu cachorrinho a sua dona tá chamando”.
Ou quando Luiz Gonzaga, o rei do baião, diz esses versos lindos:
Meu cigarro de palha
Meu cavalo ligeiro
Minha rede de malha
Meu cachorro trigueiro.
Quando Carmen Miranda canta “Eu gosto muito de cachorro vagabundo que anda sozinho no mundo sem coleira e sem patrão”, é claro que esse cachorro é o vira-lata.
Dilermando Pinheiro diz, cantando: “Queria ser Lulu de madame francesa […] passava o dia inteiro tomando leitinho e comendo bifezinho de filé mignon”.
Zeca Pagodinho fala num samba que tem medo de que sua cadelinha vire banquete, porque no exterior há países em que o cachorro é um prato bem caro.
No jogo do bicho, o número 5 é o grupo do cachorro, que tem ainda quatro dezenas para formar várias combinações.
Há cachorros e cachorras com o nome de artistas importantes da música brasileira. O nosso fabuloso Jair Rodrigues é chamado carinhosamente de Cachorrão.
Existem clínicas especializadas para cuidar do cachorro, cortar as suas madeixas, medir a pressão, escovar os dentes, fazer musculação. Nas cadelas fazem permanente, pintam as unhas, colocam botox, fazem lipoaspiração, colocam bijuterias, enfim fazem de tudo para que fiquem mais bonitas.
O cachorro é o animal que mais aparece nos comerciais da televisão. Aquele em que um aparecia promovendo amortecedores era engraçado.
Houve cachorros que ficaram famosos no cinema e na televisão. Caso do Rim Tim Tim, que ajudava o mocinho, ou o desamarrava quando o bandido o prendia. No desenho animado A dama e o vagabundo, a dama era uma cadelinha muito linda, dengosa e sofisticada. O vagabundo era um vira-lata malandro metido a importante, cheio de bossa. Tinha também a Lassie. E o Capeto, o cachorro do Fantasma.
Ninguém leva o vira-lata para casa, mas todo mundo gosta quando ele encara um pitbul, defendendo uma criança, como já aconteceu. O famoso hot-dog (cachorro-quente) é feito com salsicha; se fosse feito com cachorro seria com o vira-lata, que não tem proteção de ninguém.