ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
O coach evangélico
Aulas de liderança com o pastor Silas Malafaia
Luigi Mazza | Edição 153, Junho 2019
Algumas décadas depois da morte de Jesus, o apóstolo Paulo escreveu uma epístola aos habitantes de Filipos, cidade do Império Romano situada numa região próxima ao mar Egeu e que hoje faz parte da Grécia. Na carta – um dos 27 livros que compõem o Novo Testamento –, ele conta como abriu mão da vida de fariseu para seguir o filho de Deus e conclama os filipenses a seguirem seu exemplo de devoção. “Esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim”, diz um versículo, “prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”
Quase 2 mil anos depois, num pequeno estúdio de televisão no bairro da Taquara, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o pastor evangélico Silas Malafaia interpretou a escrita do apóstolo. “Paulo está dando um show sobre como manter o foco no seu propósito. É a ideia de um atleta, um corredor que faz esforço para a frente.” E concluiu com uma exortação: “É isso que você precisa fazer. Quanto tempo tu fica nas redes sociais? Você tá se distraindo com bobagem, queridão!”
O “queridão”, no caso, é qualquer um dos 892 alunos inscritos no programa Liderança Extraordinária, um curso a distância lançado em fevereiro e focado na capacitação de líderes em todas as áreas da vida – “seja a dona de casa, o operário ou o bambambã empresário”, segundo Malafaia. O pastor – presidente da igreja pentecostal Assembleia de Deus Vitória em Cristo – é responsável por todas as aulas, gravadas em vídeos de cerca de dez minutos.
O curso inaugurou a Escola de Líderes Online, recém-criada pelo ministério de Malafaia. Com base numa ementa que vai de Samuel aos Salmos, de Hebreus a Timóteo, o pastor fala de propósitos de vida, relacionamentos e poder da mente. A cada mês, um módulo com cinco lições chega à caixa de e-mails dos alunos. Como o curso completo terá dezoito módulos, as aulas só terminam em julho de 2020.
Até lá, o aluno deverá ter aprendido que veio à Terra para ser líder em alguma coisa. Apesar das semelhanças com o coaching – termo em inglês que designa o treinamento em alguma atividade e que no Brasil costuma se referir a cursos motivacionais muito comuns no meio empresarial –, Malafaia diz que não tirou inspiração dos professores de autoajuda. “Os coaches chegaram agora, eu estou há muito tempo fazendo isso”, gabou-se, soltando uma risada desdenhosa. “Eu fico ouvindo e digo: ‘Isso tá na Bíblia, brother, isso tá lá.’”
O custo das inscrições no curso varia de 646 a 1 798 reais, a depender do plano adquirido e da forma de pagamento. O Plano Prata, mais em conta, oferece só dois terços das aulas. Já quem adere ao Plano Ouro tem acesso ao pacote completo e pode assistir a transmissões ao vivo feitas pelo pastor no YouTube. Cada um dos planos tem seu grupo exclusivo no Facebook.
Naquela tarde de abril, Malafaia gravava os vídeos do módulo “Preparação para liderança”, que seria publicado no fim do mês. Recostado numa banqueta, vestindo blazer cinza-escuro e calças jeans, despachou cinco aulas em menos de uma hora, sem consultar um script. A filmagem é feita por um cinegrafista num cenário que parece um escritório de advocacia, com mesa e prateleira cenográficas. O estúdio fica no terreno de 30 mil metros quadrados onde funcionam a Associação Vitória em Cristo – um braço da igreja dedicado à evangelização e projetos sociais – e a Central Gospel, empresa de Malafaia que vende livros e discos relacionados ao mundo evangélico.
Impaciente, Malafaia tamborilava com os dedos sobre a Bíblia enquanto esperava, em pé, os dois minutos que separavam uma aula da outra. Quando a energia elétrica caiu e a segunda gravação do dia precisou ser interrompida, o pastor foi ríspido com o diretor, que acompanhava e orientava a filmagem de um caminhão do lado de fora do estúdio. “Queridinho, você também não zerou o cronômetro, tá bom?”
As aulas seguiram um mesmo percurso: partiam de uma citação bíblica para um contexto prático – como o trabalho e as relações familiares –, terminando com um apelo motivacional aos futuros líderes. “Você já viu um corredor andar em zigue-zague? Tem que ter um alvo, rapaz”, disse Malafaia ao final de uma lição. “Bota pra quebrar, bota energia nesse negócio!”
Num tom mais informal do que costuma adotar em pregações, o pastor se refere aos alunos como “brother”, “camarada”, “queridão” ou “meu filho” – às vezes para evocar intimidade, às vezes como se lidasse com uma criança. Para dar um ar de ciência às suas aulas ele enumera tudo o que ensina em tópicos (as três coisas de que a mente humana mais precisa; os cinco níveis de relacionamento de Jesus; os quatro tipos de pessoa a se evitar).
Entre uma e outra lição, o pastor divagou por alguns de seus alvos prediletos, como as drogas, a homossexualidade e a esquerda. “A mente humana escolhe acreditar no que lhe é informado repetidas vezes”, enunciou Malafaia, logo na abertura do primeiro vídeo. “Hoje em dia muitas ideologias são repetidas. É por isso que os esquerdopatas querem as crianças nas escolas, para incutir a ideologia deles.” A aula era sobre a importância de mentalizar objetivos.
A retórica conservadora e inflamada, voltada principalmente contra os gays, foi o que fez a fama de Silas Malafaia. Em 2013, viralizou uma entrevista com a jornalista Marília Gabriela em que o pastor disse que amava homossexuais como amava bandidos e assassinos. Em 2014, ele atacou Marina Silva – devota da Assembleia de Deus e então candidata à Presidência pelo PSB – por seu programa de governo, que previa a criminalização da homofobia e o incentivo à adoção de crianças por casais gays. A candidata voltou atrás nas propostas.
Malafaia faz barulho principalmente no Twitter, onde tem 1,4 milhão de seguidores numa conta que ele mesmo controla. Foi lá que, no final de março, o pastor guerreou contra Olavo de Carvalho, o polemista com influência sobre os seguidores de Jair Bolsonaro. Os dois disputavam o posto do mais fiel aliado do presidente: enquanto Malafaia dizia que os evangélicos tinham sido os responsáveis pela vitória do ex-capitão, Carvalho afirmava que eles pegaram o bonde andando.
O pastor se considera um apoiador intransigente de Bolsonaro – “não sou bajulador” – e se vangloria da amizade que tem com o presidente. Em 2013, celebrou o casamento do então deputado federal com Michelle Reinaldo, que assumiu o sobrenome do marido. “Falo direto com o presidente, tenho o telefone pessoal dele. Eu falo com ele por te-le-fo-ne!”, enfatiza Malafaia, imodesto. Mas os dois também trocam mensagens por WhatsApp, o meio de comunicação favorito de Bolsonaro.
No dia em que gravou as aulas de abril do programa Liderança Extraordinária, Malafaia publicou dois tuítes criticando o pedido de impeachment contra o vice-presidente, Hamilton Mourão. A peça havia sido protocolada no dia anterior pelo deputado federal Marco Feliciano (Podemos), pastor e fundador da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento. “Pedir impeachment dele não tem efeito nenhum, bobagem pura!”, escreveu Malafaia. De quebra, fez críticas a Mourão. “Se ele continuar a fazer esse jogo de independência política em relação ao governo Bolsonaro”, afirmou, “manda ele se candidatar a presidente para ver o pau que vai tomar.”
Em seguida, Malafaia fotografou os tuítes no próprio celular e enviou as imagens por WhatsApp para Bolsonaro. A resposta do presidente veio numa mensagem breve: “Por isso serei sempre seu amigo kkkkkk.” O pastor exibe a conversa como um trunfo.
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