ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2017
O destino de Prince
Gato agora também tem RG
Luiza Miguez | Edição 128, Maio 2017
No início de março, o administrador carioca Marcello Paraguassú chegou ao Centro do Rio de Janeiro carregando nas mãos uma volumosa caixa amarela. Dentro, encolhia-se Prince, seu gato de pelagem cinza e branca, levado até o 6o Ofício de Registro de Títulos e Documentos para que dono e bichano afinal estreitassem os laços afetivos que há muito os uniam. Ao deixar o cartório, naquele dia, o gato tinha ganhado um sobrenome: Prince Paraguassú. “Pronto, agora ele é meu”, tranquilizou-se o administrador.
Prince é um dos primeiros animais domésticos a serem registrados no Brasil. O serviço Identipet, lançado este ano pelos ofícios de títulos e documentos do país, permite a declaração da guarda de animais. A ideia é facilitar decisões judiciais em casos de perda, roubo ou divórcio. Além do novo nome, Prince recebeu uma espécie de carteira de identidade: o documento tem foto do seu rosto, a data de nascimento e uma descrição física, cuidadosamente redigida pelo proprietário. “Felino branco e cinza, de olhos azuis, ponta do nariz rosa com pouco pelo”, diz o “RG”.
O administrador de 43 anos não tem filhos. Seu primeiro gato, um persa alaranjado chamado Boss, foi comprado logo depois que ele se casou. Paraguassú e a mulher dividiam os cuidados com o animal. A família ficou completa pouco tempo depois, quando adotaram um novo filhote, sem raça definida, para fazer companhia a Boss. Chamaram-no Prince. Com a casa cheia, era preciso educar a gataria. Paraguassú ensinou comandos geralmente usados no adestramento de cachorros, como atender pelo nome. “Eu nunca precisei fazer nenhum barulhinho para o gato vir até mim”, gabou-se.
O casamento durou cinco anos. Com a separação veio também a necessidade de dividir a guarda dos felinos. Não era uma tarefa fácil. Gatos são conhecidos por serem animais metódicos – mudanças no ambiente e na rotina podem gerar problemas de estresse físico e psicológico nos bichanos. “Por mim, eu ficava com os dois”, lembrou o administrador. A esposa, contudo, se adiantou. Queria levar consigo o persa Boss. “Tudo bem”, refletiu Paraguassú. “Eu cuido do Prince”, anunciou, decidido.
Não existe no Brasil legislação que determine as regras da partilha de animais domésticos. As divisões são decididas caso a caso, motivo pelo qual muitas disputas acabam se transformando em ruidosas batalhas judiciais.
Em 2013, um impasse na separação do casal de atores Cauã Reymond e Grazi Massafera estampou a capa de jornais e revistas. A disputa mais acirrada envolvia a guarda dos três cães da raça golden retriever, dos quais nenhum dos dois admitia abrir mão. Também ficou famosa, na separação do cantor Latino e da modelo Rayanne Morais, a disputa pelo animal de estimação do casal. O macaco-prego Twelves, que costuma usar roupas de grife e frequenta festas e restaurantes, acabou ficando com o cantor.
Marcello Paraguassú conta ter encontrado em Prince um apoio decisivo para suportar a separação. “Ele sempre foi meu companheiro, ainda mais nesse momento em que fiquei sozinho. As pessoas dizem que gato é mais independente que cachorro, mas o Prince é um caso à parte.” Desde que saiu de casa, Marcello Paraguassú nunca mais teve contato com o persa Boss. Prince foi seu único e fiel companheiro até que o administrador encontrasse um novo amor, Josie.
Hoje ele mora com a mulher, Josie Viotti, dois enteados e, claro, o gato. Prince dorme toda noite na cama com o casal e participa com entusiasmo da rotina da casa. “Quando chego do trabalho, ele me recebe na porta, fica sentado esperando que eu entre. Vai dormir na mesma hora que a gente, e de manhã acordamos todos juntos com o despertador.”
Paraguassú não pensa em arranjar outro gato para fazer companhia a Prince. Explica que os dois enteados já cumprem essa função. Estimulam o bicho com brinquedos de pelúcia, cordas, e até ninam o felino no colo, como se fosse um bebê. A relação entre eles evoluiu até o ponto em que as duas crianças passaram a simular serem os donos de Prince. O padrasto testemunhou o zelo crescente com alguma preocupação. “No dia em que você for embora, o gato fica”, provocaram os enteados.
Foi Josie Viotti quem primeiro ouviu falar do Identipet. Ela é advogada e trabalha com a pessoa que idealizou essa forma de identificação animal, a registradora carioca Sônia Maria Andrade. Funcionária do 6o Ofício de Registro de Títulos e Documentos, Andrade disse que criou o instrumento cartorial para facilitar o processo de guarda dos animais depois dos divórcios. Com o registro, a discussão acaba. Os bichos ficam com os proprietários já estabelecidos, e ponto final.
“Quando a Sônia criou o Identipet eu comentei com o Marcello e ele se interessou”, contou Viotti. A advogada disse que não se incomodou com o fato de o marido procurar demarcar um direito exclusivo sobre o animal de estimação de toda a família. “Depois do que passou com o Boss, é compreensível que ele queira ter a segurança de não precisar viver tudo aquilo de novo”, explicou.
Segundo Sônia Andrade, seis animais foram registrados na primeira semana de funcionamento do Identipet no Rio, em março. A maioria dos casos era de donos de pets que procuravam se antecipar às dores de cabeça de um divórcio. A própria registradora, que não tem filhos, pretende fazer a documentação de suas cadelas Laila e Nina. Sobre a mesa de seu escritório, há um porta-retrato com a foto das cachorras. “Amo as duas como filhas. O homem com certeza vai te trair. Mas, o bicho, esse não te trai nunca”, comentou.
Ao explicar por que tinha corrido para registrar o seu gato, Marcello Paraguassú procurou aparentar equilíbrio e racionalidade. “Eu não quero me separar novamente, mas a gente nunca sabe o dia de amanhã. Agora eu sei que ele está ali, é meu, ninguém tira de mim”, explicou. Quanto ao envolvimento da família com o gato, o administrador lava as mãos: “Hoje, do jeito que estamos todos envolvidos com ele, quem perder o Prince sentirá bastante. Mas não serei eu a ficar sem ele.”