Latour, em casa, em 2019: “Você não pode mais se defender dizendo que ‘só faz ciência’ e que não se mistura com os problemas de valores” CRÉDITO: IORGIS MATYASSY_2019
O inimigo era outro
A jornada extraordinária de Bruno Latour
Bernardo Esteves | Edição 194, Novembro 2022
O antropólogo e filósofo da ciência francês Bruno Latour se surpreendeu quando foi abordado numa noite de 2009 por um climatologista durante um coquetel. “Você pode nos ajudar?”, pediu o cientista. “Estamos sendo atacados de forma injusta.” Referia-se aos negacionistas da crise climática, que contestam os milhares de estudos científicos das últimas décadas mostrando que o aumento da temperatura média do planeta decorre dos gases do efeito estufa lançados na atmosfera pela humanidade.
Para o pensador francês, morto no dia 9 de outubro aos 75 anos, o apelo era no mínimo incomum. Latour estava mais acostumado a ouvir críticas dos cientistas. Tinha dedicado sua carreira a investigar a maneira como eles estabelecem as verdades da ciência. Defendia que os fatos científicos não eram verdades da natureza reveladas pelos pesquisadores, mas que, em vez disso, dependiam de arranjos complexos de pessoas, objetos e instituições. Para muitos cientistas, o francês era um relativista que não acreditava na existência objetiva dos fatos. Diziam que ele enxergava as conclusões científicas como simples construções sociais e que não compreendia o funcionamento da ciência. Mas, em 2009, o vento estava virando, e os cientistas precisavam de sua expertise para lutar contra a desinformação.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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