Sayyid Ahmed trabalha no sistema informal de coleta do Cairo, pago pelos moradores; veste-se com sapato e roupa largos e usados, achados no lixo, mas em sua casa tudo é novo em folha FOTO: RENA EFFENDI_INSTITUTE
O lixo não é trash
Um catador de rua explica o Egito moderno
Peter Hessler | Edição 101, Fevereiro 2015
Moro no Cairo, no andar térreo de um prédio antigo, num apartamento amplo, de pé-direito alto, com três portas que dão para fora. Uma delas abre para o saguão do edifício; outra conduz a um jardinzinho; a terceira é de uso exclusivo do zabal (ou lixeiro), que se chama Sayyid Ahmed. Esta última fica na cozinha, e quando nos mudamos para esse apartamento, no começo de 2012, a senhoria nos instruiu a pôr o lixo junto da escada de incêndio, perto da porta, a hora que quiséssemos. Não havia um horário específico de coleta nem algum tipo preferido de embalagem: podíamos usar sacos, caixas ou simplesmente jogar o lixo solto, porta afora. Os serviços prestados por Sayyid não exigiam uma remuneração predeterminada. Ele não era funcionário público nem tinha um contrato ou emprego formal. Disseram-me que pagasse o que achasse justo e, se desejasse, também podia não pagar nada.
Muitas coisas não funcionam direito no Egito. O trânsito é ruim, trens são cancelados e, no verão, não é nada incomum enfrentar cinco apagões num mesmo dia. Houve um ano em que passamos meses sem poder comprar água mineral, porque, sabe-se lá como, a fábrica que a fornecia tinha pegado fogo. Desde que nos mudamos para esse apartamento, o país já teve três Constituições, três presidentes, quatro primeiros-ministros e mais de 700 parlamentares. Mas nunca houve um único dia em que meu lixo não tivesse sido recolhido. De um modo geral, o sistema de coleta no Cairo funciona surpreendentemente bem, considerando-se que é um serviço em grande parte informal. Numa cidade espraiada e caótica de mais de 17 milhões de habitantes, os zabaleen como Sayyid conseguiram desenvolver uma das redes mais eficientes do mundo de reciclagem municipal de lixo.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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