ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2017
O lobby da capivara
Como nasce um emoji
Paula Scarpin | Edição 132, Setembro 2017
Em junho de 2016, Anna Levin enviou uma mensagem para o suporte ao usuário do WhatsApp com o seguinte assunto: Very disappointed! A professora de medicina da USP estava frustrada com a relação de emojis – as carinhas, corações e outros ícones que podem ser incluídos nas mensagens – disponíveis no aplicativo. Dentre as opções, não constava uma imagem que lhe parecia imprescindível: uma capivara.
Levin é uma entusiasta desses mamíferos desde que uma pequena família deles apareceu há coisa de quatro anos na raia olímpica da USP, onde ela pratica remo duas vezes por semana. “No princípio eram três, e a gente não tinha a menor ideia de como elas tinham ido parar ali, porque é tudo cercado”, disse a professora.
Com ar bonachão e pelagem farta, é difícil não simpatizar com a capivara, o maior dos roedores, do tamanho de um cachorro respeitável. Com os remadores da USP não foi diferente. Os visitantes viraram mascotes instantâneos e passaram a batizar uma regata anual organizada na raia universitária. No grupo de WhatsApp da equipe de remo, em meio a informes práticos, piadas e correntes, são corriqueiras as histórias e fotos das capivaras – cuja população local agora já passa de quarenta indivíduos. “A gente sentia falta de um emoji para falar delas, claro”, disse Levin. “Tem emoji pra cada coisa, por que não um de capivara?”
Foi imbuída de ideais republicanos que ela tomou a dianteira e escreveu para o aplicativo. Não tinha ideia de que, em matéria de emojis, o WhatsApp não passa de um títere nas mãos de uma organização cujo nome parece saído de um romance distópico: a Unicode Consortium. Impotente diante do pedido, o solícito atendente do aplicativo a direcionou à página do labiríntico site da Unicode que elenca os requisitos para submeter a proposta de um novo emoji à avaliação. Levin – uma especialista em doenças infecciosas e parasitárias – descobriu então a burocracia insuspeita para sugerir um novo ícone. “É mais complexo que enviar um projeto à Fapesp.”
Os primeiros emojis surgiram no Japão antes mesmo da existência dos celulares. Era a febre dos pagers, e Shigetaka Kurita, um funcionário da empresa NTT Docomo, criou um alfabeto de caracteres especiais bem simples para facilitar a comunicação de sentimentos e ideias abstratas – e também para se diferenciar da concorrência. Apesar da semelhança sonora com a palavra emoticon, muito usada nos primórdios da internet (e que vem da união dos termos em inglês para “emoção” e “ícone”), emoji é um neologismo japonês que junta as palavras e (“imagem”) e moji (“letra”).
Os caracteres se tornaram tão populares no Japão que, quando a Apple lançou o primeiro iPhone, não havia possibilidade de penetrar naquele mercado se deixasse os emojis de fora. Fizeram então uma adaptação dos desenhos criados por Kurita: a ideia era que, num primeiro momento, apenas os japoneses pudessem acessar o banco de caracteres. Mas, como sói acontecer no mundo da tecnologia, hackers não demoraram a quebrar o código e liberar o acesso para todos. Por isso abundam os ícones ligados à cultura japonesa, como o sushi, a tempura e o cocô sorridente, improvável símbolo de sorte naquele país.
Desde então os emojis conquistaram a internet – hoje há 2 666 opções disponíveis – e também o mundo offline (de chaveiros a almofadas, é possível encontrar toda sorte de bugigangas no formato dos símbolos mais populares). Há registros de conversas inteiras baseadas só em trocas de ícones; o romance Moby Dick ganhou uma versão escrita exclusivamente com os símbolos e de título infame, Emoji Dick; até o Estado Islâmico tem lançado mão do recurso para arregimentar novos soldados pelo Twitter.
O papel da Unicode, consórcio sem fins lucrativos que congrega representantes das gigantes da era digital, como Google, Apple e Microsoft, é uniformizar os emojis. Como eles funcionam como caracteres (e não como imagens inseridas na mensagem), era preciso que um ícone enviado de um iPhone pudesse ser lido em computadores e outros modelos de celular. O consórcio trabalha justamente para garantir a legibilidade dos caracteres em diferentes sistemas operacionais.
Com a popularidade, veio também o anseio por uma maior representatividade dos emojis. Usuários reivindicaram a opção de escolher a cor da pele do bonequinho, a inclusão de famílias gays e comidas populares como bacon e abacate – além, é claro, de animais nativos de diferentes regiões, como a capivara. Acostumado a se reunir bissextamente para debater a inclusão de caracteres de dialetos com poucos falantes, o comitê da Unicode se viu às voltas com legiões de usuários frustrados com a ausência, a presença, ou o design de um sem-número de emojis.
Para solicitar o ícone da capivara à Unicode, Anna Levin deveria seguir um roteiro específico. Precisou pesquisar a ocorrência do termo em várias línguas no Google, mas teve também que explicar como o emoji poderia ser útil na comunicação de diferentes grupos e mostrar que nenhum desenho já existente cumpria essa função. “Foi como uma pesquisa científica”, comparou a professora. “Descobri, por exemplo, que a capivara estampa uma moeda no Uruguai, e anexei uma foto na proposta.”
A Unicode defende que o protocolo detalhado ajuda a provar que um candidato a emoji é realmente útil. “Não pode ser só ‘Bem, acho que o emoji de um esquilo bêbado seria maneiro’”, brincou Mark Davis, cofundador e presidente do consórcio, em entrevista à revista Time. Davis lembrou que os emojis não constituem uma linguagem universal, e que é impossível prever em que contexto serão adotados. “Você obviamente conhece o uso que se faz da berinjela”, disse ele ao entrevistador, aludindo ao legume fálico recorrente em mensagens licenciosas.
Convicta de que a capivara merece seu próprio emoji, Levin vislumbra outros usos do ícone para além do propriamente zoológico: “Não tem aquela história de puxar a capivara de alguém, no sentido de checar sua ficha corrida?”, aventou. O emoji de capivara, conclui-se, tem potencial para viralizar entre delegados e detetives.
No começo de agosto, a Unicode divulgou uma lista com os 67 finalistas para a atualização de emojis que será feita no ano que vem. A imprensa destacou a inclusão de um novo montinho de cocô, agora triste, mas chama a atenção ainda a presença do bagel e da manga, entre os alimentos, e da lhama e do guaxinim, no reino animal. “Nada de capivara por enquanto”, lamentou Anna Levin.
A bem da verdade, a professora sequer chegou a submeter a candidatura do roedor, por esbarrar noutra exigência do formulário. Além de justificar a criação do emoji, o solicitante deve ainda oferecer um esboço do ícone. “Não conheço nenhum designer, não consegui ninguém pra desenhar nossa capivara”, disse. Mas Levin é persistente e pretende formalizar a proposta em 2018. “Pode esperar a capivara na próxima atualização!”
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