Andrés Sandoval_2018
O maratonista
Nilson Lima corre a Nilson Lima
Paulo Crispiniano | Edição 141, Junho 2018
Nilson Paulo de Lima foi tratado como celebridade ao desembarcar em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, em 19 de abril. Três dias antes, correra pela oitava vez a Maratona de Boston, a mais reputada prova da modalidade no mundo, realizada desde 1897. Foi sua 14ª maratona ao longo dos 24 dias em que passou nos Estados Unidos.
O corredor estava de volta a sua cidade natal para participar da maratona local, que leva seu nome desde que foi criada, há dois anos. Lima tem 65 anos e já disputou a prova 196 vezes. O consultor financeiro de 1,65 metro de altura e 67 quilos começou a correr já maduro, aos 40 anos, com a intenção de perder peso, e pegou gosto. Iniciou pelas provas de 5 quilômetros e então saltou para os 42 da maratona, que transformou em objeto de culto. Deslanchou em 2009, quando correu em dezenove ocasiões.
O pórtico de largada da Nilson Lima foi montado defronte ao Teatro Municipal de Uberlândia, um projeto tardio de Niemeyer, todo branco. Antes de soar a sirene, a preocupação do ilustre conterrâneo era avisar os amigos atletas que long necks de cerveja gelada e cubos de queijo canastra seriam servidos depois da prova, na tenda que os organizadores montaram em sua homenagem. “Este aqui é sub-3h”, animava-se, quando encontrava um corredor capaz de concluir a maratona em menos de três horas, caso do também mineiro Farnese Borges da Silva, de 49 anos.
No ano de 1999, em Curitiba, Lima terminou a prova em 3h00min02s. Praticamente sub-3h, considerando que naquela época não se descontava o tempo que os atletas levam até de fato iniciar a prova. Mesmo com a deterioração física própria do envelhecimento, passados vinte anos de dedicação ele ainda consegue tempos expressivos, como o 3h21min11s de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em agosto passado.
Correr uma maratona exige estratégia e planejamento, e os treinadores desaconselham os candidatos a se aventurar sem uma preparação que pode durar até quatro meses. Lima pratica todos os dias pilates e musculação, atividades indoor que detesta – um “mal necessário”, segundo diz, mas fundamental para seguir disputando sem vir a sofrer lesões. Reduzir a dieta de corridas não está em seu horizonte. “Nos Estados Unidos há um sujeito de 72 anos que já correu 2 mil maratonas, o Larry Macon. Eu o encontrei este ano em algumas provas, mas não o vi correr por um quilômetro sequer, ele só caminhava rápido.”
Há dez anos Lima é membro do Marathon Maniacs, um clube de corrida americano que só aceita quem tenha enfrentado duas maratonas em dezesseis dias, ou três em noventa dias. “Acho que agora sou titânio”, disse, aludindo sem modéstia ao nono e mais alto nível do grupo, que exige 52 maratonas em 365 dias, ou 30 em 30 estados diferentes dos Estados Unidos e Canadá. Em abril, durante sua turnê norte-americana, chegou a correr cinco provas em cinco dias.
Lima é assíduo da Maratona de Boston, este ano realizada em condições climáticas duríssimas. Estava lá em 2013, quando a explosão de duas bombas matou três espectadores – passou perto do local a poucos minutos do atentado. “A gente pensa que só acontece na televisão e quando acontece perto da gente é de assustar”, declarou à época ao Correio de Uberlândia.
O atleta pretende disputar nos próximos cinco anos a Comrades, a mais antiga ultramaratona do mundo, que tem lugar entre as cidades de Durban e Pietermaritzburg, na África do Sul. As ultramaratonas são mais extensas que os 42 quilômetros da maratona – na Comrades, são quase 89 quilômetros. O maior campeão da prova, o sul-africano Bruce Fordyce, estava em Uberlândia para promover o evento.
Na véspera da Nilson Lima, dezenas de atletas pagaram 90 reais por um jantar com direito a uma palestra de Fordyce. No cardápio, apenas massas, a escolha de praxe dos maratonistas antes das provas, pois ajuda a fornecer a reserva energética de carboidrato que atividades físicas demoradas demandam. As palavras do sul-africano soaram como música aos ouvidos de Lima: “Bruce falou para eu sempre ouvir meu corpo, e me passou segurança de que não há problema em seguir correndo se tenho prazer e não sinto dor.”
Este ano Lima pretende completar ao menos uma maratona em todos os cinquenta estados americanos. A missão deve ser concluída em dezembro, no Havaí, onde terá a companhia da mulher, a administradora Silvana Vieira, que é triatleta. Mas ele não se arrisca na modalidade. “Nunca aprendi a nadar direito.”
Disputando maratonas, Nilson Lima já passou pelo Coliseu, pela Torre de Londres, pelo Arco do Triunfo, pelo Terreiro do Paço e pelo Central Park. Em Victoria Falls, no Zimbábue, chegou a cruzar com uma família de elefantes que interrompeu a prova por alguns minutos.
O roteiro da prova em Uberlândia não incluía lugares de grande interesse turístico, mas o maratonista estava correndo em casa, na cidade em que se formou em economia, depois em educação física, onde trabalhou por quase quatro décadas. O percurso lhe era familiar – ladeou chácaras de um ou outro conhecido num condomínio murado e passou a 1 quilômetro de sua casa. Cruzou ainda o extenso Parque do Sabiá e o contíguo ginásio de esportes Sabiazinho, onde naquela manhã acontecia a final do campeonato brasileiro de vôlei feminino.
O homenageado correu a Nilson Lima com a camisa 200, uma alusão ao número de maratonas que está prestes a completar. Iniciou a prova em ritmo mais lento ao que costuma imprimir quando corre fora de casa. No primeiro terço da prova, devolveu dezenas, talvez centenas de acenos de conterrâneos e forasteiros. Por volta do quilômetro 15, Lima ultrapassou um veterano corredor local, José Igidio Filho, o “Dez”, de 71 anos, organizador de uma prova no Dia do Trabalho; nesse momento Dez cobrou a presença em seu evento e o colega garantiu a participação.
O corredor não aparentava cansaço excessivo quando cruzou a linha de chegada 4h03min45s depois da largada. Sequer conseguiu se sentar pela próxima hora, tantos eram os cumprimentos e pedidos para selfies. Ganhou uma cerveja gelada, que tomou no gargalo, devagarinho.