ILUSTRAÇÃO: Andrés Sandoval_2019
O minibolsonarista
Um menino que adora fardas
Roberto Kaz | Edição 159, Dezembro 2019
“Foi uma coisa muito de Deus”, contou o empresário Rafael Moreno de Almeida, relembrando o dia 26 de julho último, quando seu filho Pedro, de 6 anos, encontrou pela primeira vez o presidente Jair Bolsonaro. “A única coisa que eu sabia era que o presidente estaria em Brasília durante toda a semana. Então, eu e o Pedro tomamos um ônibus de Belo Horizonte para lá. Era ônibus-leito, o menino adorou.” Pedro levava na bagagem uma farda infantil de policial militar de Minas Gerais, com direito a boina, botina, walkie-talkie, algema, pistola e cassetete de plástico.
Chegando em Brasília, os dois seguiram para um hotel. Pedro vestiu o uniforme e dali eles rumaram para o Congresso, onde Almeida encontrou Léo Índio, o sobrinho de Bolsonaro que trabalha para um senador de Roraima. “O Léo é meu amigo”, disse. “Como ele estava indo para o Palácio do Planalto, pedi para nos colocar lá dentro.”
Índio levou pai e filho até a antessala de Bolsonaro. Lá, uma secretária tentou dispensá-los por falta de espaço na agenda presidencial. “Então o Bolsonaro abriu uma porta. Viu, de longe, o Pedro fardado, e chamou na mesma hora.” O encontro resultou em oito fotos, prontamente postadas no perfil do Instagram @capitaoguerramirim, que o empresário criou naquele mesmo dia para documentar a vida militar do filho.
Pedro Lucas Almeida Guerra, o Capitão Guerra Mirim, mora com os pais e três irmãos numa casa de dois andares no bairro da Pampulha, em Belo Horizonte (o sobrenome Guerra, que não consta no registro do pai, foi dado ao menino em homenagem ao seu tataravô). Pedro tem o cabelo preto liso e a boca crivada pela queda recente dos dentes de leite. O quarto que divide com o caçula João Victor, de 2 anos, é decorado com um banner gigante de fotos suas com Bolsonaro. Cursa o primeiro ano de uma escola privada, mas o pai antecipa: “Assim que ele chegar ao ensino médio vou botar no colégio militar.”
Pedro criou gosto pela farda durante a campanha presidencial de 2018, quando Almeida o fez subir num trio-elétrico, durante um comício pró-Bolsonaro. “Foi legal a festa”, o menino me contou. “Eu fiquei em cima do trio gritando ‘Eu vim de graça’ e ‘Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos Bolsonaro presidente do Brasil’.” Foi nessa época que o filho pediu a primeira farda, do Exército Brasileiro: “Ele usou por um tempo, até perceber que quem carrega arma na cintura é policial militar. Foi a desilusão dele.” Almeida encomendou a uma costureira a nova farda, da PM de Minas Gerais. “A missão mais difícil foi achar a arma”, afirmou, referindo-se à pistola e à submetralhadora de ar comprimido que o filho ganharia. “Só fui achar numa loja de pesca, por mais de mil reais.”
Devidamente paramentado, Pedro passou a ser levado pelo pai em eventos bolsonaristas e em batalhões da Polícia Militar. Almeida também começou a gravar vídeos em que o menino usa a arma de brinquedo para ensinar como deve ser feita a abordagem policial. “Se o bandido não obedece o que eu tô falando, eu sou obrigado a dar um tiro no meio da cabeça dele”, diz num deles, com a voz fina de criança. Em outro, defende duas pautas caras ao governo Bolsonaro: “Quero convocar todos vocês para estarem nas ruas a favor da Previdência e do pacote anticrime, porque lugar de bandido é na cadeia.”
Rafael Moreno de Almeida é um sujeito corpulento que usa um cordão de ouro com uma cruz e se diz policial militar frustrado: “Sempre foi o meu sonho, mas não fiz concurso por preguiça de estudar.” Em 2006, foi contratado como agente penitenciário por uma firma que prestava serviço ao governo de Minas Gerais. Trabalhou em seis presídios, ao longo de cinco anos, até virar sócio de uma empresa de segurança particular. “Eu já fazia muito bico nessa área.” Passou a investir também em negócios tão díspares quanto marketing, estacionamento e manutenção de elevadores. Suas empresas ocupam um andar de um pequeno edifício comercial.
Almeida foi filiado ao PSB, “antes de saber que o partido era de esquerda”. Votou em Aécio Neves (“Eu seguia a escolha dos meus pais”) e talvez em Lula (“Pode ser que sim, mas hoje tenho nojo de petista”). Conheceu Jair Bolsonaro por intermédio do ex-deputado federal Laudívio Carvalho, do Podemos de Minas Gerais, que integrava a bancada da bala. “O Laudívio participou da equipe de transição. Fiquei indo e vindo de Brasília naquele período, para dar uma mão ao pessoal na área de segurança. Mas não foi nada oficial.” A imagem de capa do perfil de Almeida no Facebook é a foto de uma coletiva de imprensa presidencial. Ele aparece ao fundo, ladeado por Léo Índio, pelo deputado federal Helio Lopes e pelo senador Flavio Bolsonaro.
“Quero ser vereador para fazer meu nome e me candidatar a deputado federal”, me contou em Belo Horizonte, no início de novembro, quando Bolsonaro estava em pé de guerra com sua própria legenda, o PSL. “Mas antes estou esperando o presidente decidir para qual partido vai.” Dias depois, apagou todas as fotos de seu perfil pessoal no Instagram e transformou a página, que tem 67 mil seguidores, no endereço oficial em Minas do Aliança pelo Brasil – o partido que Bolsonaro quer criar.
Enquanto não se candidata, Almeida continua investindo na carreira do filho. Comprou-lhe uma minimoto, que foi personalizada com o desenho da Polícia Militar de Minas Gerais. Conseguiu também o patrocínio de uma loja especializada em fardamento infantil, a MDT Kids, que presenteou o menino com a cópia de um colete à prova de balas, além de uniformes dos bombeiros e do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais de Minas Gerais (Tropa de Elite, que mostra o cotidiano do Bope do Rio de Janeiro, é o filme predileto de Pedro).
Em outubro, Almeida levou o filho mais uma vez a Brasília, para uma segunda visita ao presidente. O encontro resultou em novas fotos, também postadas no Instagram do Capitão Guerra Mirim. Pedro aparece ao lado de Bolsonaro, de Jair Renan Bolsonaro – o filho Zero Quatro – e do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Sobre uma foto em que Pedro aperta a mão de Bolsonaro, Almeida desenhou balões, como os de história em quadrinhos, com um diálogo imaginário. “Presidente, venho pedir permissão para explodir o STF”, diz o menino. “Não posso permitir isso, mas como brasileiro você tem esse direito”, responde Bolsonaro, antes de completar: “Se precisar de explosivos, peça ao ministro da Defesa.”