ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2019
O passado condena
A hipnoterapia de vidas anteriores
Fernanda Ezabella | Edição 151, Abril 2019
A californiana Katt Lowe queria ser cantora de rock. Aos 14 anos, já tocava guitarra e tinha uma banda. Chegou a gravar um álbum solo em 2001 – Katt Lowe and the Othersyde –, mas a carreira musical não progrediu. Ela entrou em crise. Começou a fumar mais e mais. Já estava chegando a dois maços por dia, quando, por acaso, deparou com o Instituto de Motivação de Hipnose, em Los Angeles, que prometia ajudar a resolver 145 problemas, entre eles o medo de voar, o vício em jogo e o tabagismo.
Lowe suspeitava que a hipnose não passasse de um truque misterioso. Quando era adolescente, viu uma amiga ser hipnotizada durante um show de mágica e manipulada no palco como se fosse um manequim de loja: a cabeça da moça foi apoiada em uma cadeira, os pés apoiados em outra, e o restante do corpo ficou suspenso no ar. Depois disso, o mágico subiu sobre o abdome da amiga e ficou ali, de pé, para receber os aplausos – foi o apogeu do espetáculo. A amiga permaneceu durinha como uma tábua forte estendida entre duas cadeiras. Depois de reanimada, não sentia dor nenhuma nem tinha a menor ideia do que acontecera. Lowe ficou assustada.
Apesar dessa história antiga e meio traumática, Lowe se inscreveu no instituto para uma hipnoterapia. Foi atendida por um estagiário, já que o seu caso não era assim tão grave: ela queria apenas largar o cigarro. Cinco sessões depois, tinha parado de fumar. Impressionada com a velocidade com que foi “curada”, decidiu que iria se dedicar à hipnose – e aposentou-se da carreira de cantora.
A mudança ocorreu há catorze anos. Lowe tornou-se uma bem-sucedida hipnoterapeuta e hoje é uma das professoras do Instituto de Motivação da Hipnose, criado em 1968 e cujo fundador, o filho de imigrantes gregos John Kappas (1925-2002), atuou como hipnotizador em clubes de mágica de Hollywood.
“Katt me acalma, me faz sentir esperança nos meus tratamentos médicos”, diz a executiva Elena Novikoff, 51, cliente de Lowe desde 2010, quando descobriu um câncer. “Ao ouvir a voz dela, já começo a sentir meus olhos pesando”, acrescenta, depois de ser atendida no escritório particular da hipnoterapeuta, uma sala repleta de esculturas indianas em Sherman Oaks, um bairro de Los Angeles.
Para os atendimentos privados, a ex-cantora, valendo-se de sua experiência musical, criou uma técnica própria: usa um microfone profissional por meio do qual sussurra palavras hipnóticas para o cliente deitado, com um fone de ouvido, numa cama de massagem. A sessão inteira é gravada e pode ser ouvida mais tarde. Custa 125 dólares, ou cerca de 480 reais, e às vezes vem acompanhada de terapia reiki, que recorre às mãos para transferir “energia vital” – outra especialidade de Lowe.
Mas ela insiste que não faz mágica nem pretende iludir. Seu objetivo é a hipnose consentida e “para o bem”. “As pessoas tendem a acreditar em qualquer coisa sem questionar, como quando ouvem políticos na tevê, o que é uma espécie de hipnose”, ela diz. “É uma hipnose sem consentimento.”
O Instituto de Motivação da Hipnose fica num prédio baixo, com aspecto de clínica médica, no Ventura Boulevard, no bairro Tarzana. Em uma tarde de janeiro, em uma das salas, quarenta pessoas concentram sua atenção nas palavras de Lowe, vestida com uma bata roxa de linho e um cachecol no mesmo tom. “Seus olhos estão fechados, sintam sua respiração”, diz ela. “Respirem devagar e profundamente… Devagar e profundamente… De-va-gar e pro-fun-da-men-te”, repete, com voz firme e doce. A plateia obedece.
Parece, então, que uma etapa foi alcançada. As pessoas estão em completo silêncio, de olhos fechados, e Lowe segue em frente: “Agora, imaginem um looooongo corredor, cheio de portas. Vou contar até vinte. Cada número é um passo que damos. Quando eu disser ‘vinte’, vamos abrir uma porta.” O objetivo de Lowe, uma morena de cabelos lisos que escorrem até pouco além dos ombros, é conduzir as pessoas hipnotizadas ao encontro de suas vidas passadas.
Seguem-se os números, os passos. “Dezoito, dezenove e… vinte.” É a hora de cada um abrir a sua porta mental. Lowe pergunta: “O que tem atrás dessa porta? Olhem para suas roupas, vejam onde estão.”
Despertos do transe, os alunos contam o que encontraram. “Não vi nada atrás da minha porta”, desabafa um rapaz de boné. “Eu era uma garota tipo anos 70”, diz uma loira de rabo de cavalo. “Eu era um elefante na pré-história”, exclama uma moça.
“A hipnose é um estado de sonho”, explica Lowe, é aquele momento gostoso bem antes de dormimos de vez. “Mantemos a pessoa nesse estado por vinte minutos. Há muita motivação, inspiração e visualizações. É uma meditação guiada.” Ela acredita que o estado hipnótico permite acessar o subconsciente, onde estariam alojadas memórias de vidas passadas – as dela, por exemplo, são do tempo em que foi índia e, antes disso, foi egípcia. Naturalmente, só segue em frente nessa terapia quem acredita em reencarnação.
O mergulho nas vidas passadas pode levar a descobertas esclarecedoras sobre a vida presente, segundo Lowe. “A regressão ajuda a entender quem somos hoje, os tipos de relações que temos ou mesmo as dores que sofremos e para as quais não conseguimos achar cura”, ela explica aos alunos. Uma dor nas costas, por exemplo: a origem remota do sofrimento pode ser uma facada terrível que a pessoa recebeu em outra vida.
“Sei que tudo isso parece meio louco”, ela pondera. “Mas, se vocês estão aqui, é porque devem ser um pouco doidos, não?”
Fernanda Ezabella, jornalista, é correspondente da Folha de S.Paulo em Los Angeles