ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2014
O policial e o financista
Nasce um negócio educacional
Consuelo Dieguez | Edição 89, Fevereiro 2014
A crise financeira de 2008, provocada pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, deixou os investidores ressabiados. Mas, como dinheiro parado não rende, era preciso correr atrás de alternativas. Logo os gurus de Wall Street surgiram com a novidade: fundos de investimento em educação. Trata-se de captar dinheiro para a aquisição de grandes grupos educacionais – de universidades a escolas de ensino médio e fundamental. O negócio parece tentador. Tanto que já atraiu gigantes das finanças. Um deles foi o megaempresário brasileiro Jorge Paulo Lemann, dono, com Marcel Telles e Beto Sicupira, da belgo-brasileira InBev, a maior cervejaria do mundo, que detém as marcas Brahma e Budweiser.
Lemann, junto com duas sócias brasileiras, criou o fundo Gera Venture de educação, com sede no Rio de Janeiro, que já começou a farejar negócios. Um dos seus alvos, no momento, é o colégio PENSI, com “i” no final. Não se trata de um erro de português, o que seria péssimo para uma escola que, caso seja comprada pelo Gera, poderá se transformar no maior grupo educacional do Brasil. PENSI é a abreviatura de Ponto de Ensino, nome inventado pela mãe dos fundadores do colégio, surgido em um centro espírita no Méier, na Zona Norte carioca.
Foi em 1987 que Carlos Augusto de Souza Ramos, então com 16 anos, e seu irmão, Celso, fissurados por física e matemática, resolveram dar aula particular num quartinho nos fundos da casa da avó – que, à noite, servia de ponto de contato com o além. O negócio deu certo. Os alunos começaram a ter sucesso no vestibular. O quartinho ficou pequeno e os irmãos ocuparam toda a casa, com doze salas de aula. Eles contrataram professores de outras disciplinas; o cursinho se expandiu e abriu unidades em outros bairros.
Quando chegou a vez de os irmãos fazerem vestibular, passaram em duas das mais conceituadas faculdades brasileiras: Celso foi para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, em São José dos Campos, e Carlos Augusto para o Instituto Militar de Engenharia, o IME, no Rio de Janeiro. Carlos Augusto abandonou o curso e preferiu se dedicar à sua paixão: matemática pura, que cursou na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Celso formou-se e se tornou militar. Por força da carreira, mudou-se para Porto Alegre.
Sem o irmão mais velho para lhe dar suporte, Carlos Augusto fechou o empreendimento. Abandonou a carreira de professor de que tanto gostava, casou-se e foi procurar emprego. Fez concurso para corretor de seguros, mas odiou o serviço. Trabalhou como telefonista na antiga Telerj, depois de enfrentar uma prova duríssima. Entrou em depressão e demitiu-se. Fez novo concurso, dessa vez para a Polícia Federal. Aquietou-se. Já estava se acostumando à vida de delegacia quando, em 1998, o irmão voltou para o Rio. Recomeçaram do zero, agora sem o quartinho da avó, pagando aluguel por uma sala num shopping da Tijuca.
O sucesso do curso pré-vestibular foi imediato. Todos os candidatos ao IME foram aprovados. A sala ficou pequena. O curso virou escola de ensino médio. Como Ponto de Ensino era um nome muito grande, foi abreviado para PENSI, apesar dos problemas que a sigla costuma causar. No começo dos anos 2000, a rede incluiu o ensino fundamental. Em dez anos, as quarenta unidades não davam conta de atender a procura. Os irmãos, agora com mais dois sócios, compraram um grupo de ensino carioca, o GPI. Expandiram-se também para Minas Gerais, com a aquisição dos colégios Apogeu e Elite. Nada mal para Carlos Augusto, que já teve que usar 20% do seu salário de policial para reforçar o caixa do PENSI.
Carlos Augusto Ramos tem 43 anos, cabelos pretos, pele bronzeada. Durante um almoço no restaurante de um flat no Leblon, onde recentemente comprou um apartamento, ele se empolgou ao falar do PENSI, que hoje está entre os colégios que mais aprovam alunos para o IME, o ITA, as universidades públicas e as católicas. “Estou falando de universidades de excelência. É isso que importa. Aprovar para qualquer uma não tem valor.”
Quando o assunto envereda pela provável aquisição do PENSI pelo fundo Gera, Ramos desconversa. No ano passado, os sócios do PENSI foram procurados pelo Grupo Abril, que acabou comprando o Grupo PH. O policial está convencido de que educação é o negócio do futuro, embora, recentemente, duas universidades cariocas – a Gama Filho e a UniverCidade (a contração de “universidade” e “cidade” também produziu uma extravagância ortográfica) – tenham fechado as portas. Sua avaliação é de que a classe média, sem a alternativa de boas escolas públicas, corre atrás de colégios que possam preparar seus filhos para a universidade. O segredo, disse, está em oferecer um ensino bom com mensalidades que a classe média possa pagar. No PENSI, a mensalidade gira em torno de mil reais. A hora-aula de um professor, cerca de 40 reais, fica acima da média nacional.
Ramos estimou que, se o PENSI fosse adquirido por um grande fundo de investimento, em três anos poderia ter mais de 500 escolas. “Os fundos estão comprando universidades no Brasil e agora começaram também a adquirir colégios”, disse. “Bem administrados, eles têm um rendimento estúpido.”
Ele admite vender o PENSI para um fundo. A condição é de que os sócios atuais continuem com o controle pedagógico, mantendo o método de ensino. O fundo ficaria com a gestão financeira. “Se abrirmos mão da qualidade, o negócio perde a razão de existir.” Ramos não se importaria em deixar de ser um dos mandachuvas do colégio, embora, por força da lei que proíbe o servidor público de ter negócio próprio, seu nome apareça apenas no Conselho Consultivo. “Vale mais a pena ter 15% de um negócio de 4 bilhões de reais do que 100% de um de 20 milhões”, contabilizou. Caso saia da administração do PENSI, Ramos, que só recentemente pediu licença da Polícia Federal, não se abalaria. Disse que poderia se dedicar ao que mais gosta de fazer: dar aulas.
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