Monteiro, na faculdade de saúde pública da USP: quando empresas privadas ofereciam financiamento para pesquisa, ele respondia com o dedo indicador em pêndulo – “não, não e não” CRÉDITO: VICTOR MORIYAMA_2022
O revolucionário
Como um epidemiologista raiz criou o termo “alimentos ultraprocessados” e jogou uma granada na dieta moderna
Angélica Santa Cruz | Edição 193, Outubro 2022
De sua sala com vista para a copa das árvores, no segundo andar da Faculdade de Saúde Pública da USP, o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro lançou uma nova hipótese científica tão simples, mas tão simples, que parecia sempre ter estado lá. A teoria de Monteiro não pertence a campos profundamente abstratos, como aqueles enunciados pela matemática pura; não é do reino dos desafios que atormentam físicos teóricos, como o de conciliar relatividade geral com mecânica quântica. Pelo contrário. Trata do ato mais comezinho, importante, primal e intuitivo da humanidade: o de comer. Apesar de toda sua singeleza, causou um cataclismo na comunidade internacional de especialistas em saúde pública – e irritou à beça as gigantes da indústria da alimentação.
À frente do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), um grupo que criou há três décadas na USP, Monteiro apresentou, em 2010, uma classificação de alimentos que mais tarde chamou de NOVA – em alusão irônica à explosão nuclear que acontece dentro de uma estrela. O sistema preconizava uma ruptura total na maneira como os cientistas costumavam estudar a comida. Até ali, os alimentos eram separados com base em seu conteúdo nutricional e não interessava a maneira como eles eram feitos. Na gaveta das fontes de carboidratos, por exemplo, entravam qualquer pão, biscoito ou massa – fossem eles caseiros ou cheios de aditivos químicos industriais. Entre as fontes de proteína, cabia qualquer tipo de carne, das frescas aos embutidos entupidos de corantes.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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