ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2016
O último apóstolo
Silvio Costa contra o golpe
Carol Pires | Edição 115, Abril 2016
Numa segunda-feira recente, antes de iniciar as articulações contra o impeachment da presidente, o deputado federal Silvio Costa (PTdoB) almoçou no Lake’s, um dos restaurantes preferidos dos políticos em Brasília. Foi abordado pelo ministro João Otávio de Noronha, do STJ, que dias antes havia chamado o ex-presidente Lula de “ditatorial” e “arrogante” por ter dito, em conversas interceptadas, que as Cortes superiores estavam “acovardadas”.
Costa saiu em defesa de Lula: era uma conversa privada, não uma fala pública. De pé, em frente à mesa, Noronha concordou: “Agora eu penso assim também. Mas o importante é que precisamos pacificar o Brasil”, disse. “Ou o país vira uma Venezuela.” Costa se despediu do magistrado com um “Tamo junto!”, e voltou ao bacalhau na brasa, acompanhado apenas de brócolis, sem carboidratos – ele quer perder alguns dos seus 104 quilos.
“Se um dia eu for presidente da Câmara, a primeira coisa que faço é cassar a concessão da TV Justiça”, disse Costa, com sua voz trovejante, pontuando a frase com um tapa na mesa. “O Poder Judiciário tem que julgar à luz da Constituição, não prestar contas à opinião pública”, seguiu, observado por um funcionário que ria de seus arroubos.
Em seu terceiro mandato, Silvio Serafim Costa passou os dois primeiros como um parlamentar folclórico do chamado baixo clero. Ganhou notoriedade pelos tapas que costuma dar na tribuna durante discursos boquirrotos, que reforçam sua figura pantagruélica. No ano passado, com o início da derrocada do governo e a debandada de aliados, ascendeu como vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. Se não é consenso que Silvio Costa seja o principal articulador contra o impeachment no Congresso, certamente é o mais ruidoso.
No ano passado, a presidente lhe telefonou agradecendo por um discurso. O deputado passou a ser arroz de festa nas reuniões no Palácio do Planalto e no Alvorada. “No dia dos grampos, fui ao Alvorada e nunca vi a presidente tão forte, tão firme. Ela foi forjada na luta. Quanto mais pressionam, mas ela cresce”, disse.
Depois do almoço, Costa se encontraria com deputados para convencê-los a votar contra o impeachment. Ao cair da noite, foi ao Piantas, uma versão mais informal do famoso Piantella – ambos de propriedade do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. No momento em que entravam parlamentares da oposição, fez troça: “Ô, oposição, chega aqui, vamos conversar.” Ao deputado José Carlos Aleluia, do DEM baiano, tascou um “Nunca te pedi nada”. “Eu já sou situação”, respondeu Aleluia, bem-humorado, dando o impeachment como certo.
No dia seguinte, uma terça-feira de plenário cheio, Silvio Costa assomou à tribuna para mais um discurso favorável à presidente – “que foi torturada pelos militares, gritou nos porões da ditadura e não fez nenhuma delação premiada” –, quando foi interrompido aos berros por Jair Bolsonaro, deputado de extrema direita que ouvia o discurso em pé, no corredor central: “Ela matou gente, sequestrou, assaltou banco!”
Costa rebateu com seu forte sotaque pernambucano: “Você não tomou remédio hoje, Bolsonaro?” Filiado ao PSC e eleito pelo Rio de Janeiro, o outro reagia fora do microfone: “Baba-ovo! Puxa-saco!” E Costa continuava: “Fique calmo, não precisa soltar a franga.”
O discurso e o bate-boca haviam incendiado o plenário. Carlos Zarattini, petista de São Paulo, foi para cima de Bolsonaro e precisou ser contido depois de dar dois empurrões no colega. “Fascista! Fascista!”, gritavam uns. “Fora, Dilma! Fora, Dilma!”, retrucavam outros. O presidente da Câmara ameaçou encerrar a sessão, e o vice-líder do governo concluiu sua intervenção: “Não vai ter impeachment! Vossas Excelências vão perder!”
À noite Silvio Costa voltou ao Piantas. Parecia mais animado. Na mesa atrás da sua jantava o ex-ministro Moreira Franco, um dos mais ferrenhos defensores da deposição da presidente no âmbito do PMDB. Na mesa ao lado, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, logo foi abordado por Costa em busca dos votos do PSB.
Então chegou o deputado Manoel Junior, do PMDB da Paraíba. “Tem três coisas que você nunca vai ver na vida”, disse Costa, enumerando: “Roberto Carlos de bermuda, japonês negro e Manoel Junior de cabelo desgrenhado.” O paraibano, topete engomado e retinto, riu e acompanhou o galhofeiro até um canto do restaurante.
De volta à mesa, Silvio Costa disse que o colega pedira o encontro depois que o ministro Teori Zavascki, do STF, determinara, em decisão liminar, que o juiz Sergio Moro enviasse à Corte Suprema a investigação contra Lula. Costa conta com o voto de deputados pendulares para engrossar a bancada pró-Dilma. “Não vai ter impeachment, estou certo disso. Zero chance.”
Silvio Costa se define como “um cara brabo, mas também corajoso”. Critica Eduardo Cunha (“Ditador metido a pastor. Não tenho dúvida de que será a maior delação premiada da história do Brasil quando for preso”), ataca Paulo Skaf (“Canalha. Pode pôr em on: é canalha”), chama Aécio Neves de “arengueiro de Ipanema”. “Não respeito 95% da oposição”, diz.
Hoje, com 59 anos e cabelos brancos começando a despontar no topete, acumulou um currículo partidário invejável: já foi do PSDB, do PSL, do PSD, do PMN, do PTB e estava filiado, até outro dia, ao PSC (Partido Social Cristão, mas que ele chamava de Partido do Silvio Costa). Deflagrado o impeachment contra a presidente, abrigou-se em sua sétima legenda, o PTdoB, a fim de viabilizar seu ingresso na comissão que analisa o processo.
E é possível que este não seja seu último partido. Muitas vezes mais contumaz que os próprios petistas na defesa da presidente, está disposto a se filiar ao PT caso o partido apoie seu filho para a prefeitura do Recife na eleição deste ano.
Fã de Nelson Mandela, Martin Luther King, Barack Obama e Gandhi – pacifistas e bons oradores –, Costa se diz um cara “que acorda para ser feliz”. Quando se excede, desce da tribuna e abraça os colegas. Brigas, só da porta do plenário pra dentro.