CREDITO: MARIA EUGÊNIA_2021
Olha, é tanta merda
Bruna Beber | Edição 177, Junho 2021
AS PÍTIAS
olha é tanta merda
pensada vivida ressentida violenta
num só dia que a vontade é pisar
nesse prego enferrujado e voltar
a ser o que sempre fui
I – aquela
pendurada na beirola dura da bombona
o nariz bambeando as moléculas ardidas
do chorume com água sanitária e plástico
gritando lá pra dentro – o sangue bombeia
os olhos, o som em estado térmico – gritando
berrando rindo chorando caindo na gargalhada
ali pra fora e os cabelos vejam ó meros morcegos
aquela doida
pra cair de cara
olha é tanta merda
pensada vivida ressentida violenta
num só dia que a vontade é pisar
nesse prego enferrujado e voltar
a ser o que sempre fui
II – essa
sentada na frente do circulador quadrado
conversando sozinha em voz metálica
duplicada – oion comoun teim pãssadon –
me ouvindo e me falando e ao me interrogar
informalmente respondo só aquilo que gostaria
de perguntar quiçá argumentando é meio quilo
de ilusão! Prestes a ressoar o que esperei ou esperava?
ou o que ainda espero e escolherei como resposta
mas a verdade é que me distraio com o silêncio
emparedando nossas vozes e esqueço
essa louca
pra decepar um dedo na hélice
olha é tanta merda
pensada vivida ressentida violenta
num só dia que a vontade é pisar
nesse prego enferrujado e voltar
a ser o que sempre fui
III – outra
de rosto retrancado, jeito de corpo
de quem é dona de açougue e usa
poças de óleo como espelho; a colecionadora
de peles de dedo coladas à trempe do fogão
essa sim mais uma que estuda pra matéria
prima do progresso e sabe fazer e aceitar
convites e faz conta como ninguém e gosta
de opinar entende das coisas mexe com dinheiro
enfim desejo ser tudo o que não existe mais
outra insana
faz tabelinha pra tomar chumbinho
olha é tanta merda
pensada vivida ressentida violenta
num só dia que a vontade é pisar
nesse prego enferrujado e voltar
a ser o que sempre fui
IV – você
que ateou fogo na cabeça do colega
da frente e treinou beijo na parede
do box cujo grande medo era e é
a cortina cair junto com a vareta
isto é um escândalo: ano atrás de ano
xingando a mãe pra dentro do casaco
esfriando leite com saliva; belo dia avistou
almas de pardais evaporando na vidraça fria
e uma baía que de longe parecia o deserto
azul de nossas dores quaradas, cavalgadas
e encavalando-se numa fazenda à beira-mar
você frenética
gostando de queimar a língua
olha é tanta merda
pensada vivida ressentida violenta
num só dia que a vontade é pisar
nesse prego enferrujado e voltar
a ser o que sempre fui
eu não sei mas acho
que as coisas boas começam assim
cair gritar decepar veneno abandono combustão
doutro lado é jogar a tarrafa nesse cupinzeiro e nomear
o trauma destronar a corja dispersar a glória e sabe do que
mais vou te contar todo dia é muito prego enferrujado
Almada, maio de 2020
Não gosto de ser gente
e quando esses palhaços
me perguntam (falam muito)
o que faço então da vida eu digo
SONHO
QUE
SOU
inclusive detetive
no Campo de Santana Praça da República Belacap RJ –
Alô quem fala
Miss Uva Thompson em que posso ajudar
De que natureza da parte de quem é o seu pai
Digamos que sim. Especialista. Afobações leves.
Dez reais? Navalhada? No jarrete? Francamente.
A QUADRIGÊMEA
LINDA de CHÃ
PATINHO e LAGARTO JÚNIOR
Uma ligação? No telefone? Que dia é hoje?
Miss Pera Williams em que posso não ser útil
Em absoluto, senhor, mas colônia não é perfume.
Às dez e meia. Manhã, entre a loucura e o despertar.
Modéstia, naturalmente. Dentifrício. Evite molas e ais.
Não gosto de ser gente
A evidência é simples
A ressonância, profunda
Estar de boia no sentido
Olha o som indo e vindo.
Barra Funda, abril de 2020