Os ladrões agem quase sempre do mesmo jeito: escolhem apiários afastados, usam trajes próprios para a apicultura e atacam à noite, quando todas as abelhas se encontram nas colmeias FOTO_PEDRO FRANZ_2019
Operação zangão
O combate ao furto de abelhas no interior de Minas Gerais
Leonardo Pujol | Edição 155, Agosto 2019
Fazia quinze dias que Geraldo Moreira não visitava o apiário. Como as abelhas produzem mel vagarosamente, não há necessidade de os criadores inspecionarem as colônias com muita frequência. Em geral, vistorias a cada duas semanas são suficientes. Naquela manhã de janeiro de 2017, quando o dia da nova inspeção chegou, Moreira pegou a máscara de apicultor, o macacão e outros equipamentos, ajeitou-os no carro e dirigiu por 40 quilômetros. Ele mora em João Monlevade, no interior de Minas Gerais, e as colmeias ficavam num matagal de Itabira.
Assim que desembarcou do automóvel, Moreira tomou um susto. As abelhas haviam desaparecido. Eram 1 milhão e meio de insetos, distribuídos em trinta caixas portáteis de madeira. Com 50,5 centímetros de comprimento e 41 de largura, cada caixa ficava sobre um pedestal também de madeira. O próprio apicultor as fabricou artesanalmente e converteu em colmeias.
Estima-se que, nos últimos cinco anos, mais de mil colônias como as de Moreira tenham sido surrupiadas somente naquela parte de Minas, o Médio Piracicaba, que agrega dezessete cidades. Considerada estratégica para o desenvolvimento estadual, a área se destaca pela mineração. Não à toa, ali se instalaram grandes produtoras multinacionais de aço, como Vale, Gerdau e ArcelorMittal. A monocultura de eucaliptos, a fabricação de cachaça e a apicultura estão entre as atividades secundárias que contribuem para o sustento dos municípios. Atualmente, 26% do mel mineiro vem de lá e dos arredores.
Em maio de 2014, a região registrou um dos primeiros furtos de colmeias. A investida aconteceu na zona rural de Rio Piracicaba, cidadezinha a 23 quilômetros de João Monlevade. Como em janeiro de 2017, os criminosos levaram trinta caixas transformadas em colônias, todas do mesmo Geraldo Moreira. “Foi um trem esquisito demais”, relembra o apicultor. “Em três décadas nesse negócio, eu nunca tinha ouvido falar de ladrão de abelha.”
Robusto, de estatura mediana, Moreira tem 76 anos, cabelos grisalhos e a pele morena. Ele divide uma casa de alvenaria – simples, mas ampla – com a mulher, uma filha e duas netas. O imóvel se localiza em Loanda, bairro periférico de João Monlevade. Flores de diferentes tipos inundam os morros que rodeiam a cidade de 80 mil habitantes. “É muito bom viver aqui. O povo costuma dizer que só troca João Monlevade pelo Baú”, zomba o apicultor, referindo-se a um dos três cemitérios municipais.
O ambiente bucólico se mostra perfeito para a proliferação de abelhas. Por isso, em 1986, Moreira decidiu apostar na apicultura e comprou o primeiro enxame. À época, ainda trabalhava como projetista para a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, hoje ArcelorMittal. No decorrer de uma década, formou dois apiários, cada um com trinta colmeias em caixas de madeira. Mais tarde, em 2003, ajudou a criar a Associação dos Apicultores de João Monlevade, a Aapimon. A entidade nasceu com o intuito de otimizar as criações locais, já que a maioria dos quarenta associados atuava na informalidade e não tinha dinheiro para investir em equipamentos que aprimorassem a extração de mel.
Dez anos depois, Moreira saiu da associação por causa de alguns desentendimentos, mas continuou com os dois apiários até o primeiro ataque dos criminosos, em 2014. Ao perder trinta colmeias, sua produção de mel – que costumava ser de 3 toneladas anuais – caiu pela metade. O segundo furto, em 2017, levou o negócio à bancarrota. O apicultor estima que tomou um prejuízo de 20 mil reais apenas com o sumiço das sessenta caixas e demais apetrechos que constituíam os apiários. Se considerarmos o mel que deixou de vender, o rombo aumenta bastante. Hoje, três toneladas do produto renderiam pelo menos 16 500 reais.
Enquanto não retoma a produção, Moreira sobrevive com o salário mínimo de sua aposentadoria. As visitas quinzenais, antes reservadas aos apiários, agora são à delegacia e ao fórum de Nova Era, município a 29 quilômetros de João Monlevade onde tramita o processo sobre os dois furtos. O criador ainda tem esperança de que a polícia encontre todas as suas colônias.
“O quê? Roubo de colmeia? Mas esse povo rouba de tudo mesmo!” Foi assim que o investigador de Nova Era, Vinícius Estevam Murta Barbosa, diz ter reagido quando soube dos primeiros crimes. Àquela altura, poucos policiais e apicultores da região tinham conhecimento dessa espécie de delito, que se tornou cada vez mais corriqueiro a partir de então. As buscas pelos ladrões, no entanto, quase sempre davam em nada. O cenário mudou em agosto de 2017, quando Ítalo Alves Guedes – integrante da Associação Apícola do Médio Piracicaba, a Apimel – procurou a Polícia Civil de Nova Era. O apicultor contou que, enquanto visitava propriedades nas redondezas, se deparou com várias colmeias furtadas, inclusive as dele. Estavam todas num sítio bem modesto. “Fomos averiguar a denúncia imediatamente”, recorda o investigador.
Chegando ao sítio, Barbosa e alguns colegas encontraram 32 caixas de abelhas. Cada uma trazia as iniciais dos respectivos donos, escritas a ferro quente – uma prática comum entre criadores. Sem muito esforço, os agentes descobriram quem era o arrendatário daquelas terras e seguiram para a residência dele. Lá viram que o sitiante e outro homem descarregavam de um furgão uma quantidade considerável de mel. Presos em flagrante, os dois ainda aguardam o julgamento e alegam inocência. Um relata que comprou as colmeias de um apicultor, cujo nome afirma não lembrar. O outro se declara mero ajudante do primeiro. De acordo com o processo judicial, ambos respondem por receptação de mercadoria que sabiam “ser produto de crime”. A transgressão pode resultar em multa e reclusão de um a oito anos.
Após capturar a dupla, a polícia deflagrou a Operação Zé Colmeia, que acabou apreendendo mais 89 caixas de insetos, pertencentes a onze apicultores. Os agentes recuperaram ainda materiais utilizados na produção e extração de mel, além de uma sacola repleta de serragem. Misturada com cola, a serragem servia para cobrir as iniciais dos legítimos proprietários de cada caixa. O nome da operação policial, convém recordar, é o mesmo do urso que, no desenho animado do estúdio Hanna-Barbera, roubava cestas de piquenique dos incautos visitantes de um parque.
Por causa de dificuldades logísticas, os policiais solicitaram que as próprias vítimas recolhessem as colônias onde os criminosos as esconderam. Geraldo Moreira ficou eufórico tão logo recebeu a notícia de que a operação surtira efeito, mas se decepcionou quando constatou que apenas duas caixas lhe pertenciam. Já outros apicultores resgataram praticamente tudo o que haviam perdido. “Achamos que finalmente a polícia tinha resolvido o problema”, disse Ítalo Guedes, que recuperou trinta colmeias.
Os furtos, porém, continuaram. Na esperança de driblar os ladrões que permaneciam à solta, os criadores adotaram algumas medidas de segurança. Retiraram as placas vermelhas que anunciavam a existência de apiários numa determinada área, se revezaram em rondas noturnas e instalaram cadeados e correntes para fixar as caixas nos pedestais ou cavaletes. Mas o pulo do gato, como se confirmaria mais tarde, seria o investimento em tecnologia.
A Confederação Brasileira de Apicultura (CBA) calcula que o país tenha aproximadamente 350 mil apicultores. O número inclui tanto os que lidam com os exemplares sem ferrão quanto os que se dedicam à Apis mellifera, a mais célebre entre as 20 mil espécies já catalogadas e muito frequente entre os humanos por adorar zumbir em torno de alimentos ou bebidas doces. Com ferrão, pelos e listras amarelas que lhe cruzam o corpo negro, é a preferida dos criadores, segundo a CBA.
Sete em cada dez apicultores do Brasil são de pequeno porte – possuem cem colmeias, no máximo – e exercem a apicultura como atividade complementar. Os apiários ficam sobretudo em lugares ermos, perto de vegetação e uma fonte abundante de água. As caixas são sustentadas por pedestais ou cavaletes geralmente a 50 centímetros do chão. A medida protege os insetos de inimigos naturais, como formigas e tatus.
Uma colônia dispõe, em média, de 50 mil abelhas adultas, que trabalham de maneira organizada e hierárquica. A rainha é a responsável por gerar descendentes após copular com os zangões, os reprodutores da comunidade. No auge de sua existência, chega a botar até mil ovos por dia. Da maioria desses ovos derivam as operárias, fêmeas inférteis que compõem 96% da colmeia. Elas medem 12 milímetros de comprimento, pesam 60 miligramas e vivem de 35 a quarenta dias. Já a longevidade da rainha é de aproximadamente quatro anos. Zangões vivem até noventa dias.
As operárias se encarregam de diversas tarefas, como defender a colônia de intrusos e coletar o pólen, conjunto de grãos microscópicos que se encontra no órgão masculino de uma flor. Quando sobrevoam as plantas, as abelhas deixam cair tais partículas no órgão feminino de outras flores. O fenômeno, chamado de polinização, é indispensável para a reprodução de 80% das culturas mundiais. Borboletas, besouros, aves e até o vento também podem dispersar o pólen pela natureza.
A produção de mel cabe igualmente às operárias. Enquanto recolhem o pólen, as abelhas aproveitam para sugar o néctar das flores – solução que contém açúcares, em especial glicose, sacarose e frutose. A substância é armazenada dentro de uma bolsa que fica no estômago dos insetos. Ali o néctar reage com uma série de enzimas. Mal regressam às colmeias, as operárias regurgitam o material na boca de outras abelhas, que o retransmitem para um novo grupo de insetos, e assim por diante. O passa-passa dura cerca de vinte minutos, até que os açúcares da mistura sejam totalmente quebrados pelas enzimas. A substância que resulta do processo vai para os favos, estruturas hexagonais das colônias, feitas de cera ou fibras vegetais. As operárias, então, batem as asas febrilmente, numa velocidade de 26,4 mil vezes por minuto. Dessa maneira, abanam os favos e desidratam a substância depositada neles, transformando-a em mel, que serve de carboidrato às abelhas.
A extração do mel pelos apicultores ocorre principalmente no verão e na primavera, épocas em que as flores são mais abundantes. Antes de embalado, o produto é centrifugado e filtrado para que fique livre dos fragmentos de favo. O criador brasileiro obtém, em média e anualmente, 15 quilos de mel por colmeia. É um volume pequeno se comparado ao de outros países. Os chineses, por exemplo, geram o triplo. A CBA atribui o diminuto rendimento nacional à baixa profissionalização dos apicultores, que nem sempre se utilizam dos equipamentos e técnicas mais eficazes.
A produção brasileira varia de 45 mil a 50 mil toneladas por ano. Do Rio Grande do Sul, em 2016, saiu 15,9% – o que conferiu ao estado o título de maior produtor. Em seguida, vinham o Paraná (15,1%) e Minas Gerais (12,3%). Boa parte do mel nacional (53%) se destina à exportação, especialmente para os Estados Unidos e a Europa. Em 2017, o Brasil ocupou o 6º lugar na lista dos principais exportadores. Nova Zelândia, China e Argentina lideravam o ranking, nessa ordem.
Por aqui, a demanda pelo produto figura entre as menores do mundo. O levantamento mais atualizado da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que, ao longo de 2013, os neozelandeses consumiram, em média, 2 quilos de mel per capita contra 90 gramas dos brasileiros. “Se consumíssemos o dobro, quase toda a produção nacional permaneceria no mercado interno”, afirma José Soares de Aragão Brito, presidente da CBA. Dono de trezentas colmeias no interior de Sergipe, ele acredita que isso só irá acontecer caso o governo adote políticas de incentivo ao consumo. “Do contrário, as pessoas vão continuar usando mel apenas como remédio contra a gripe.”
A ideia de empregar equipamentos eletrônicos para coibir os furtos agradou os apicultores do Médio Piracicaba. José Antônio Dias, por exemplo, importou dos Estados Unidos uma câmera de segurança com visão noturna e sensor de movimento. Pagou 600 reais pelo dispositivo automático, que registra num cartão de memória as imagens captadas. Já a associação de que o criador faz parte, a Aapimon, além de adquirir quatro câmeras de segurança, investiu 4 500 reais em três rastreadores com GPS e os instalou nas caixas dos apiários que considerou mais vulneráveis.
Aos 68 anos, Dias tem o corpo franzino e o rosto maltratado pelo sol. Começou na apicultura em 1992. Hoje possui oitenta colônias, reunidas em três criadouros. “Trabalho por amor”, costuma dizer, orgulhoso. Em agosto de 2017 – mesmo mês da Operação Zé Colmeia –, vinte caixas desapareceram de seus apiários. O furto lhe causou um prejuízo de 15 mil reais, em razão tanto dos instrumentos roubados quanto do mel que deixou de vender.
Quase um ano depois, em julho de 2018, duas colônias com GPS sumiram na região. Um delegado, quatro investigadores e um escrivão de Nova Era, com a ajuda dos próprios apicultores, esquadrinharam o sinal de satélite e descobriram a localização exata de ambas. Uma delas estava numa fazenda de Rio Piracicaba, que os policiais preferiram não invadir naquele momento. Mas, a distância, perceberam que havia mais caixas ali e fotografaram todas.
A segunda colmeia encontrava-se numa mata fechada de João Monlevade. Lá a polícia se defrontou com as colônias furtadas de Dias e outros apicultores. A julgar pelas fotos que os investigadores tiraram, os criminosos cultivavam os insetos sem muito zelo. As caixas, um tanto carcomidas, repousavam sobre cadeiras de plástico. Por ser inverno, período em que as abelhas enfraquecem devido à baixa floração, os enxames deveriam ter recebido a chamada alimentação estimulante – uma mistura de ração, pólen, xarope e água açucarada. As imagens, no entanto, demonstravam que os ladrões não haviam se preocupado com isso.
Como não encontraram ninguém na fazenda e na mata, os agentes concluíram que o melhor seria monitorá-las eletronicamente. Os apicultores não hesitaram em colocar todo o aparato tecnológico à disposição dos policiais, que aceitaram a oferta de bom grado. “Não recusamos porque os nossos recursos são muito limitados, né?”, justificou o investigador Vinícius Barbosa. A nova apuração ganhou o nome de Operação Zangão.
Embora o consumo brasileiro de mel não esteja entre os mais elevados do mundo, o preço do produto no varejo é alto. O quilo pode custar de 20 a 60 reais (já o quilo do açúcar refinado sai por 2 ou 3 reais). Em parte, a valorização decorre do fato de o mel se enquadrar no rol dos alimentos saudáveis e 100% naturais – o que, hoje em dia, lhe dá certa aura de preciosidade.
Outro aspecto que contribui para valorizá-lo é o “distúrbio do colapso das colônias” – expressão cunhada pelos cientistas que analisam o fenômeno. De 2008 a 2018, abelhas melíferas do mundo inteiro entraram em declínio populacional. A queda, que ocorre especialmente nos Estados Unidos e na Europa, se mostra expressiva também na América do Sul. Um estudo por amostragem realizado pela Sociedade Latino-Americana de Pesquisa em Abelhas (Solatina) apontou que, entre 2016 e 2017, a mortalidade nas colmeias chegou a 53% no Chile, 45% na Venezuela e 37% no Brasil – índices superiores a de outros períodos. Quanto menor o número de rainhas, zangões e operárias no planeta, maior o custo do mel.
Especialistas suspeitam que as mortes tenham relação com o aquecimento global e a expansão do agronegócio, que vem substituindo os hábitats naturais dos insetos por monoculturas de plantas sem néctar. A exposição aos pesticidas também preocupa. Um levantamento de duas organizações jornalísticas sem fins lucrativos, a Agência Pública e a Repórter Brasil, mostrou que, entre o Natal de 2018 e fevereiro de 2019, pelo menos meio bilhão de abelhas morreram em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Só o município gaúcho de Cruz Alta perdeu aproximadamente 20% de todas as colmeias. Segundo a reportagem, as mortes derivaram do contato com agrotóxicos à base de dois tipos de inseticidas: os neonicotinoides e o Fipronil.
O preço salgado estimula a adulteração do mel. Há poucas informações confiáveis sobre o assunto. Sabe-se, porém, que as fraudes são praticadas especialmente pelos distribuidores. Entre as substâncias acrescentadas ao produto para fazê-lo render mais, sobressaem o amido de milho, o xarope de arroz, a glicose, o açúcar e a água.
Vale ressaltar que o apicultor vende o quilo do mel para os distribuidores por algo entre 5 e 10 reais. São preços bem abaixo dos cobrados no varejo. Mesmo assim, o furto de colmeias se revela um bom negócio. Os ladrões, afinal, não gastam nada para constituir os apiários. Além de repassar o mel a um distribuidor ou diretamente ao consumidor, eles também podem negociar a cera produzida pelas abelhas.
O modus operandi dos criminosos é quase sempre o mesmo: escolhem um apiário afastado e agem à noite, quando todos os insetos se encontram nas colmeias. Recolhem as caixas rapidamente e as levam de carro, van ou caminhão até um esconderijo. Durante a investida, usam trajes próprios para a apicultura e lançam mão de um fumigador. A fumaça que o instrumento produz dá às abelhas a impressão de que a colônia está sob o risco de fogo. Elas, então, ingerem o mel armazenado nos favos e preparam uma fuga. Com os papos cheios, se veem impossibilitadas de contrair o abdômen e ferroar, além de ficarem mais pesadas, o que dificulta o voo. Oferecem, assim, menos riscos para os ladrões.
“É preciso tanta destreza no manejo das colmeias que as suspeitas de furto recaem normalmente sobre um apicultor”, explica Carlos Alberto Bastos, presidente da Associação Apícola do Distrito Federal (APIDF). Não se conhece o número exato de colônias surrupiadas no Brasil, mas o setor já constatou que os delitos acontecem em praticamente todo o país.
A Nova Zelândia também padece do mesmo problema. Lá o alvo preferido dos ladrões são as abelhas que fabricam o mel de manuka, cujos supostos efeitos antioxidantes, bactericidas e anti-inflamatórios o alçaram à fama internacional. Apelidado de “ouro líquido”, o produto é confeccionado com o néctar da flor que nasce numa árvore tipicamente neozelandesa, a manuka. Por aqui, um frasco com 250 gramas custa, no mínimo, 200 reais.
Nos Estados Unidos, os californianos lutam igualmente contra os criminosos. A maioria deles ataca em fevereiro, época de polinização das amendoeiras. Tais árvores ocupam aproximadamente 5 mil quilômetros quadrados da Califórnia, área equivalente a três cidades de São Paulo, e atendem 80% da demanda mundial de amêndoas. Para polinizar um espaço tão grande, são necessários 2 milhões de colmeias – um exército de 100 bilhões de insetos. Como existem apenas 500 mil colônias na Califórnia, dois terços dos apicultores norte-americanos arrendam abelhas para os produtores do fruto. O aluguel de cada colmeia varia de 200 a 350 dólares. Tamanha migração de insetos desperta a atenção dos ladrões. De acordo com uma reportagem publicada no site da Vice News em fevereiro, o estado registrou mais de quinhentos furtos de colmeia só durante os primeiros dois meses de 2019. O delito pode ser punido com multa e até três anos de prisão.
Duas semanas após instalar as câmeras de vigilância nas proximidades dos apiários clandestinos, os policiais de Nova Era voltaram para verificar os equipamentos. Entre as imagens captadas, havia a de dois sujeitos que descarregavam caixas do porta-malas de um Ford Escort marrom. Outra cena mostrava uma caminhonete antiga com dois ocupantes devidamente trajados para o manejo apícola.
Os agentes vasculharam os arredores e constataram que o morador de um bairro próximo tinha veículos com as mesmas características dos registrados pelas câmeras. Foi assim que a Operação Zangão resultou em dois homens presos, seis apiários ilegais desbaratados, quase trezentas colmeias recuperadas e um investigador picado. “O coitado era o único alérgico do nosso grupo”, diz Vinícius Barbosa, com um sorriso.
Iniciativas semelhantes às tomadas no Médio Piracicaba começam a ganhar corpo em outras regiões do Brasil. O veterinário Gustavo Nadeu Bijos encabeça uma das mais interessantes. Apicultor em Mato Grosso do Sul, ele mantém grupos no WhatsApp e uma página com 2 500 seguidores no Facebook – a Apicultura Profissional – em que divulga notícias, fotos e vídeos sobre a atividade. No ano passado, aceitou testar um sofisticado sistema antifurto que vem sendo desenvolvido por uma empresa espanhola, a Securidad Centinela. Camuflado na parede das colmeias, um microchip com GPS e sensor de movimento remete mensagens ao criador via aparelho celular se um ladrão manipula as colônias. “O dispositivo parece eficaz. Precisamos agora saber como viabilizá-lo em áreas com pouco sinal de telefonia e de internet”, afirma Bijos. “A maioria dos apiários brasileiros está afastada das cidades.” A baixa autonomia da bateria que alimenta o microchip e a emissão de radiações eletromagnéticas, potencialmente prejudiciais às abelhas, também fazem com que os criadores ainda hesitem em aprovar o sistema.
A apicultura não é o único setor do agronegócio que enfrenta a rapinagem. O Rio Grande do Sul, por exemplo, se debate com o furto de gado bovino (ou abigeato) já há algum tempo. Só em 2017 contabilizou 7 783 delitos do gênero – o maior número de ocorrências entre os estados brasileiros. Não por acaso, os pecuaristas gaúchos se mobilizaram para instalar câmeras de vigilância em estradas vicinais e chips de monitoramento nas orelhas dos animais. Paralelamente, o governo criou a Delegacia Especializada na Repressão de Crimes Rurais e Abigeato. Inaugurou as três primeiras unidades no ano passado, em Bagé, Cruz Alta e Santiago, todas cidades do interior. Até o fim de 2019, promete abrir mais uma. O objetivo é tornar permanente o combate à pilhagem de gado, como já ocorre com a lavagem de dinheiro e a violência contra as mulheres nas delegacias que se dedicam exclusivamente a essas questões.
A Polícia Civil de Nova Era não registra furtos de colmeia desde a Operação Zangão, em julho de 2018. “Aqui, no Médio Piracicaba, ninguém ouve mais falar nesse tipo de crime”, conta o investigador Vinícius Barbosa. Ele acredita que os policiais finalmente chegaram ao cerne do problema.
Os detidos na operação continuam sob custódia e aguardam julgamento. Um deles responde por furto qualificado, pois obtinha lucro com as colônias surrupiadas. O outro é acusado de furto simples, já que apenas ajudava o primeiro. Se condenados, podem pegar entre 1 e 8 anos de prisão.