ILUSTRAÇÃO_ANDRÉS SANDOVAL_2018
Os independentes
Sem partido, com os juízes
Roberto Kaz | Edição 144, Setembro 2018
Foi em junho que o bombeiro da reserva Adenir de Jesus teve uma epifania – ou recebeu um chamamento, como prefere dizer. Ele estava em casa, em Goiânia, relendo seu livro Um Movimento Cristão pela Reforma Moral da Humanidade, publicado dois meses antes numa edição não comercial. “Por que escrevi isso?”, perguntou-se ao topar com uma passagem enigmática que tratava da era na qual o lobo e o cordeiro dividiriam o mesmo espaço. Foi então que a ficha caiu. “Entendi que o lobo era o governo, e o cordeiro, o Evangelho”, disse o autor. “E caberia a mim juntar os dois, quando eleito presidente.”
Adenir de Jesus é um dos vinte cidadãos que, até o fim de agosto, haviam recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral para registrar uma candidatura avulsa – ou seja, sem filiação partidária – à Presidência da República. A lista inclui ainda um fazendeiro, um taxista com ódio de Uber, um líder da maçonaria e uma penca de advogados (há uma única mulher). Todos aguardam o parecer do TSE definindo se podem concorrer ao cargo mais alto do Executivo.
A Constituição Federal proíbe as candidaturas avulsas, e quem quisesse disputar as eleições de outubro tinha até 7 de abril para se filiar a um partido político. Ainda assim, o advogado trabalhista Carlos Alexandre Klomfahs, de São Bernardo do Campo, acredita que o respaldo em tratados internacionais deve bastar para validar a candidatura dos sem-partido. “Ela tem fundamento no artigo 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, no artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”, recitou, sem tomar fôlego. “O TSE tem até 17 de setembro para se pronunciar.”
O advogado começou a sonhar com o cargo em 15 de março de 1990, quando tinha 10 anos de idade e viu pela tevê Fernando Collor de Mello subir a rampa do Palácio do Planalto. “Depois assisti à posse do Fernando Henrique Cardoso e do Lula, que me mostrou que uma pessoa podia sair do nada e virar presidente”, contou. Decidiu correr atrás do sonho quando soube, dois anos atrás, que um advogado – Rodrigo Mezzomo – havia tentado concorrer sem partido à Prefeitura do Rio de Janeiro (o registro foi negado pela Justiça Eleitoral, o que não impediu que Mezzomo tentasse se candidatar novamente este ano, desta vez à Presidência da República). Klomfahs sabe que a luta pelo registro da candidatura será inglória. “O TSE deve negar, e daí recorro ao Supremo”, afirmou. “Na pior das hipóteses, abro um debate.”
Outro que está em compasso de espera pela decisão do TSE é Adhemar Gomes Padrão Neto, um advogado de Ribeirão Preto especializado na legislação de trânsito. O candidato independente se orgulha de nunca ter se filiado a um partido (“Tive convite do Novo, mas o Novo não é novo”), e de não votar desde 2002 (“Prefiro pagar aquela multinha de 3 reais a jogar o jogo deles”). Aos 51 anos, não cogita outro cargo que não o de chefe do Executivo. “A energia que gasto para ser deputado estadual ou presidente é a mesma”, raciocinou, “então é mais jogo começar pelo alto.”
Dentre as candidaturas avulsas, a de Claudio Nasser de Carvalho, ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Patos de Minas, talvez seja a mais estruturada. O fazendeiro mineiro de 58 anos já defendeu sua plataforma num artigo no Estado de S. Paulo e entregou ao TSE um parecer de quarenta laudas em que um jurista da Universidade de São Paulo defende a legalidade do registro independente. Seu programa de governo traça um diagnóstico dos problemas do Brasil e propõe atacá-los com um pacote de medidas que inclui a elaboração de uma nova Constituição e a reestruturação do sistema administrativo.
Carvalho disse que, para elaborar o documento, conversou com professores, agricultores e funcionários públicos. “Mas não com políticos”, frisou. “Tem que falar com político na hora certa.” Para compor sua chapa, o fazendeiro escolheu sua irmã, Glaucia Nasser de Carvalho. “É uma coisa nova, uma família cuidando da família brasileira”, justificou. “E é também a garantia de ter uma vice que não vai tramar contra o presidente.”
Para afastar a mesma ameaça, a solução proposta por Adenir de Jesus – o bombeiro da reserva de Goiânia – é mais original. Caso sua candidatura seja aceita e ele venha a se eleger, pretende trocar a figura do vice-presidente por um conselho formado “por três pessoas habilitadas” que terão “conhecimento científico” para ajudá-lo a apontar os ministros. Mas por que logo três pessoas? “Por causa dos Reis Magos”, explicou.
Não será a única medida de inspiração bíblica de um eventual governo de Jesus. Sua administração terá como slogan “Intervenção DIVINA: Brasil servidor, Brasil feliz”, conforme anunciado em seu programa de governo registrado no TSE. Quando falou à piauí, porém, o candidato disse não ter projeto. “Meu projeto é de Deus, vou até onde Ele me levar.” Jesus pretende concorrer com o número 57, que é também sua idade, mas alegou outro motivo para a escolha. “É que a doutrina espírita fala em 2057 como o fim de um período de grandes batalhas”, explicou.
O bombeiro da reserva mora com a esposa e os três filhos em Goiânia. Nem em casa sua candidatura era levada a sério – isso até ser apoiada pela União Nacional dos Juízes Federais, sediada em Brasília. “Passei a pesquisar sobre o assunto na internet depois que recebi o chamamento”, disse Jesus. “Aí vi que alguém já tinha tentado antes, com ajuda da Unajuf.” O goiano procurou Eduardo Cubas, presidente da União, e recebeu apoio logístico para recorrer ao TSE. “Eles entendem que democracia não precisa de partido e montaram o processo para mim.”
Além de Jesus, a Unajuf apoia outros 41 candidatos sem partido que concorrem também a cargos do Legislativo e aos governos estaduais. “Candidaturas independentes são comuns no mundo inteiro, só nos Estados Unidos já houve mais de mil”, argumentou Cubas, um juiz de 45 anos, numa entrevista à piauí. “Depois do mensalão ficou claro que os partidos são quadrilhas ou empresas políticas.” O presidente da Unajuf disse que a campanha é movida por civilidade e frisou que não há juízes entre os candidatos avulsos. “Senão diriam que estou agindo em causa própria.” Mas uma decisão do TSE favorável às candidaturas independentes pode abrir caminho para que, em futuras eleições, magistrados como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol disputem cargos eletivos sem se vincular a partidos.
Cubas não vê a falta de experiência política como uma fragilidade dos postulantes avulsos. “Na medida em que não são vagabundos ou condenados, eles estão preparados, mais até do que aqueles que estão hoje no Parlamento”, afirmou. “Antes eles que os filhos do Roberto Jefferson ou do Renan Calheiros.” Na dúvida, o juiz preferiu não opinar sobre os candidatos que apoia. “Quem tem que decidir se eles são bons não somos nós, são os eleitores.”