Fecha esse Freud de bolso e vem pra cama. E nada de foque-fuque ou fuc-foc. É pra apreciarmos juntos esses figuraços do Angeli, anagrama de genial
Os Normais do Angeli
Angeli | Edição 13, Outubro 2007
MILLÔR FERNANDES
Eis o Angeli, um dos ícones (!) de nosso desenho de humor. Da geração de Laerte, Glauco, de Paulo e Chico Caruso. Todos de São Paulo. Embora Chico já esteja tão carioquizado que vereadores paulistas vão lhe dar o título de Paulistano Honorário.
Mas desenhista de humor, como batismo, é definição analítica. Mas as definições sintéticas, chargista ou caricaturista, são redutivas e depreciativas. Porém, com qualquer nome, o desenho do Angeli é a busca, bem-sucedida, de retratar os escrotos que estão diante de nós e nós não vemos. Porque não vemos, ou não queremos ver. Diz aí, Amália, é porque são nosso reflexo? Qué qué isso, mulher? Fecha esse Freud de bolso e vem pra cama. E nada de foque-fuque ou fuc-foc. É pra apreciarmos juntos essas figuras de os Figuraços, da República dos Bananas do Angeli.
Olha bem as caras desses caras como ele viu. Claro que pertencem a um mundo mais baixo, mais escroto, como eu disse. Não existe outro adjetivo. E existe em algum lugar, no submundo ou no “subsub”, uma sociedade tão compacta como essa? Claro que não. A República do Bananão, do Ivan Lessa, existe. Existe em nosso mundo, é visível e até louvada, mas, sobretudo, esculhambada – chama-se burguesia.
A do Angeli, os Figuraços, claro que existe, mas no íntimo do “artista”. Ele nos mostra, e só aí nós vemos (brr!).
Quando tive meu impacto ao ver os tipos magistralmente pintados por Lucien Freud (não é à toa que é neto de Freud, assim como não é por nada que Ana Freud, filha de Freud, é freudiana), pensei cá comigo (nunca penso lá com os outros): “Impressionante, esse Lucien Freud pinta um cara formalmente bem vestido, bem-posto, bem penteado e você vê que ele está retratando um bom canalha”.
Pois é, Angeli é um revelador, como Glauco Matoso, hoje com um séqüito tão grande na inteligentsya (nem sempre antítese da burrítsya) que já não o considero maldito. O extraordinário Glauco, contestador visceral (e belo artista gráfico, poucos registram), claramente exagera nos retratos que faz de homossexuais, usando-se como modelo, tentando um certo horror, no entanto chegando muitas vezes ao caricatural.
Aqui não podemos fugir aos retratos literários feitos por Proust, agora recompostos no livro de Alberto Xavier, Retratos de Proust. Leiam. E tentem olhar pra qualquer pessoa que vocês conheçam nos Bailes de Guermantes a que comparecem em suas happy hours. As pessoas de Proust não existem. São figuras, Figuraços supergranfinos, da nobreza decadente parisiense do fim do século XIX, começo do XX. Claro que são criações de uma ótica extremamente peculiar, de uma sensibilidade exacerbada, da qual a nossa maior frescura nem se aproxima.
Mas olha bem, Amália: “Você já viu motoboy igual a este do Angeli? E uma Magia Negra, uma Come Cutículas, um Especialista em Escravas Brancas, um Polidor de Narinas, uma Que acha Sexo uma Coisa Porca e um Espanca Negros, Gays e Nordestinos, como estes?”
Eu nunca vi. Nem quero ver. Porém você não vai poder evitar, aqui, na piauí.
Em tempo: quando ele nasceu, o pai, vendo com orgulho o que tinha pela frente, mas não querendo humilhar ninguém com seu orgulho, chamou-o de Angeli.
Angeli é anagrama de genial.
Vocês decidem.