CREDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Os sons dos Gilsons
A banda formada por um filho e dois netos de Gilberto Gil
Artur Nicoceli | Edição 175, Abril 2021
João Gil começou a aprender música cedo. Aos 10 anos, já empunhava um violão e, entre seus familiares, era tido como um prodígio por causa da rapidez com que entendia as harmonias complicadas e as colocava em prática. Em 2000, quando estava com 11 anos, ele ouviu Mistério do Planeta, do álbum Acabou Chorare, dos Novos Baianos, e ficou entusiasmado com a sonoridade envolvente e os versos da música: Vou mostrando como sou/E vou sendo como posso/Jogando meu corpo no mundo/Andando por todos os cantos/E pela lei natural dos encontros. A canção foi o estopim para uma decisão precoce: ele resolveu ser músico.
Muita coisa contribuía para o futuro escolhido pelo menino. Desde muito novo, ele foi embalado em sua casa em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, pelas músicas cantadas pelo avô, Gilberto Gil, pela mãe, a cantora e atriz Nara Gil (filha mais velha do compositor), e pela tia e também cantora Preta Gil.
Na juventude, João passou a dividir o tempo entre a escola e a música. Em 2014, quando tinha 24 anos, decidiu criar uma banda com o tio e baterista José Gil, um ano mais novo que ele, o primo e guitarrista Francisco Gil, filho de Preta Gil, além de dois amigos, o cantor Luthuli Ayodele e o baixista Magno Brito. A banda Sinara (gíria que significa “maneiro”) fez alguns shows, gravou Sol, um EP (extended play, formato de gravação maior que o single e menor que o CD) com quatro canções, e Menos É Mais, um CD com dez músicas que passeavam entre o reggae, o rock, o maracatu e o baião.
Em 2018, José Gil foi convidado a fazer um show no Dumont Arte Bar, na Gávea, Rio de Janeiro, e chamou os sobrinhos João e Francisco para acompanhálo no palco. O trio tocou composições próprias e alheias, como Várias Queixas, do grupo Olodum. O show fez sucesso. “O pessoal ficou doido e dizia que deveríamos seguir tocando como trio”, conta João. O tio e os sobrinhos resolveram, então, criar outro grupo.
Foi Preta Gil quem sugeriu o nome da nova banda – Gilsons. “Eles precisavam anunciá-la com algum nome”, diz a cantora. “Eu pensei: vocês três são Gils. O que acham de misturar isso com a palavra ‘som’? Eles odiaram no começo, mas depois o nome pegou. O público gostou e permanece até hoje.”
João reconhece que o nome reafirma uma tradição familiar, mas ressalta: “Estamos sempre em busca de uma nova identidade musical.” Para ele, “a Preta Gil é a Preta Gil, a Bela Gil é a Bela Gil, a Nara Gil é a Nara Gil, e nenhuma delas carregou o peso de ser filha de Gilberto Gil, mas fizeram uma carreira incrível e individual”. Os Gilsons querem o mesmo para si.
O avô, naturalmente, se derrama em elogios ao filho e aos netos. Gilberto Gil descreve José, que já o acompanhou em shows, como um “multi-instrumentista” com “uma noção de profissionalização musical muito aguçada”. Sobre os netos João e Francisco, diz que eles “possuem aptidões únicas”: o primeiro, um talento excepcional para trabalhar com instrumentos; o segundo, um espírito de líder, que é “o que uma banda necessita”. E resume: “Juntos, eles brincam de uma forma única com o som, encontrando um caminho incrível na variedade de possibilidades que a música popular apresenta.”
Em 2019, os Gilsons lançaram o EP Várias Queixas, com cinco músicas: além da faixa-título, Cores e Nomes, de João Gil e Julia Mestre, A Voz, de Francisco Gil, Vento Alecrim, de José Gil e Luthuli Ayodele, e Love Love, de José Gil, Julia Mestre e João Gil. Tudo seguia uma rota bem promissora – até que veio a pandemia.
A primeira e pior consequência musical foi o cancelamento da turnê que Gilberto Gil faria com vários familiares na Europa no verão de 2020. A turnê se chamaria Nós, a Gente, e teria a participação dos filhos José, Nara, Bem, Preta, Bela, Marília e Maria (as duas últimas na produção) e de netos, entre eles João, Francisco e Flor Gil, de 12 anos, filha de Bela. As apresentações foram transferidas para o verão europeu do ano que vem.
Outra consequência foi o cancelamento do primeiro CD dos Gilsons. “2020 foi um ano muito complicado. Tínhamos grandes projetos. Tivemos que suspender tudo”, diz João, hoje com 30 anos.
Apesar das dificuldades, alguma coisa aconteceu. Em julho do ano passado, a banda fez um show no estacionamento aberto do BarraShopping, no Rio. Em setembro, tocou pela primeira vez com Gilberto Gil, no Coala Festival, em apresentação virtual. “Ver o Gil cantando nossas músicas no Coala, e a gente poder cantar as canções dele que sempre admiramos foi incrível”, afirma Francisco. Os Gilsons fizeram ainda três colaborações musicais em 2020: em Devagarinho, da cantora Mariana Volker, em Índia, de Julia Mestre, e Besteira, do grupo Yoùn.
Sem se afastar da sua atividade na banda, Francisco, de 26 anos, lançou em dezembro o álbum Onde?, com Chico Chico, filho de Cássia Eller. “Era para ser uma única apresentação pelo Instagram, mas eu e o Chico percebemos que poderia existir uma conexão maior entre nós e, ao compilar todas as músicas de que gostamos, um álbum fez total sentido”, diz.
Em 8 de janeiro passado, nasceram Roma e Pina, as duas filhas gêmeas de José, que trouxeram uma onda de alegria para toda a família. “Sempre estou com o violão perto delas, brincando com alguma sonoridade. Elas adoram”, conta José, que é o único dos Gilsons que fez faculdade: é formado em administração de empresas, como o pai.
O otimismo também bateu à porta dos Gilsons, que retomaram a criação do CD, previsto para o primeiro semestre, e estudam o lançamento de um EP, com músicas divulgadas durante a pandemia. Entre elas, Deixa Fluir, gravada com o grupo Big Up e que diz, esperançosa: Não deixe que nada atinja/O que vem antes do amor/um sinal/um jeito/uma pista/pra ser feliz onde for.