Apesar de viver do funk, a DJ Iasmin Turbininha confessa que gosta mesmo é de pagode. “Na favela, a gente vai num ‘pagofunk’ e tem aquela hora que todo mundo cansa de sofrer. O grupo de pagode sai, e entra um DJ tocando funk. Depois, volta o pagode de novo”, diz a estrela do 150 bpm CRÉDITO: VINCENT ROSENBLATT_2019
Pancadão da Turbininha
A ascensão da DJ mais influente do funk carioca
Yasmin Santos | Edição 156, Setembro 2019
Boa parte do público havia atravessado a madrugada na pista, dançando desde as 11 horas da noite anterior, quando uma moça de 22 anos, vestida de maneira discreta – short jeans, camiseta, tênis e chapéu de pano cobrindo parte dos cachos descoloridos –, subiu ao palco do Baile da Gaiola, o maior evento de funk do Rio de Janeiro e a principal festa de favela da cidade, capaz de reunir milhares de pessoas a cada fim de semana.
Eram sete da manhã.
Diante da mesa de mixagem, a DJ ajeitou os óculos escuros e anunciou sua chegada batendo com os dedos de maneira ritmada sobre o aparelho, fazendo as caixas de som soltarem duas pancadas graves. “Ô rapaziadinha!”, disse ao microfone. “Só para avisar que tamo junto, e hoje a putaria vai até mais tarde.” Prometeu e cumpriu. A batida eletrizante que vibrava nos amplificadores era tão acelerada que, do palco, era difícil ver uma pessoa parada. Cobertos de purpurina e suor, os corpos reluziam à primeira luz do domingo. A apresentação, no final de janeiro de 2019, durou cerca de quarenta minutos, mas a festa só terminaria no início da tarde.
Iasmin Soares dos Santos havia chegado ao baile com o sol raiando, cerca de uma hora antes de se apresentar. Vinha acompanhada da namorada, Maria Julia Delgado, a Maju, e do produtor e empresário, João Carlos da Silva, o Jota. A DJ esperou chegar o momento de conduzir a festa numa área reservada, separada por cordas da plateia – o que não impediu o assédio dos fãs, que durante todo o tempo pediram fotos com ela.
Iasmin Turbininha, como é conhecida, é hoje a DJ mulher mais influente do funk. Acumula mais de 425 mil inscritos em seu canal no YouTube, 144 mil seguidores no Instagram e 273 mil no Twitter. MCs e compositores torcem – e se esforçam – para ter suas músicas pinçadas e mixadas por ela. Ao lado de nomes como FP do Trem Bala e Rennan da Penha, Turbininha integra a vanguarda do 150 bpm (batidas por minuto), vertente do gênero musical também conhecida como “ritmo louco” ou “putaria acelerada” (a batida é muito rápida e os padrões de obscenidade nas letras têm sido atualizados). Nas favelas cariocas, o 150 bpm é unanimidade e já não há espaço para qualquer funk produzido numa velocidade inferior a essa.
Até a ascensão do novo ritmo, o funk era gravado numa levada de 130 batidas por minuto. A diferença de vinte batidas pode parecer pouca coisa, mas causou estranhamento assim que foi incorporada. Mais ou menos como no surgimento do rock, a novidade teve efeitos sobre os corpos. Com uma diferença: enquanto o ritmo surgido nos anos 1950, difundido em filmes norte-americanos, fazia a juventude se levantar, dançar e quebrar as cadeiras dos cinemas, o 150 bpm deixou todo mundo estático, congelado – pelo menos num primeiro momento.
Em 2017, época em que o “ritmo louco” era desconhecido fora dos bairros pobres do Rio de Janeiro, Iasmin Turbininha foi a Brasília participar do Favela Sounds, o Festival Internacional de Cultura de Periferia. Subiu ao palco, numa ampla praça da capital federal, logo após a apresentação do cantor Xande de Pilares, antigo membro do grupo de pagode Revelação. Ninguém estava preparado para o que viria a seguir. Assim que tocou a primeira música, a plateia ficou paralisada. A batida soava tão acelerada que ninguém sabia como dançar, quase como se o público tivesse desaprendido os passos do funk.
Nos dois andamentos, a dança é bem parecida. A atenção continua voltada para os quadris, tanto no homem quanto na mulher, mas o 150 bpm resgata, paradoxalmente, o gingado dos ombros e a dança em grupo dos antigos bailes black – calmíssimos para os padrões atuais. Os corpos executam passos sincronizados, mas os pés se movimentam com menos amplitude e de maneira mais marcada, rapidinha: para a frente e para trás, quase arrastados. Quando o ritmo começou a se popularizar, não deu outra: começaram a chamar o modo de dançar do 150 bpm de “passo de índio”.
“O estereótipo nem condiz com as danças indígenas, mas as pessoas acabavam fazendo essa associação porque a dança traz aquela coisa do ombro e do pé, mais próximo ao chão”, explicou o antropólogo Dennis Novaes, que está pesquisando os novos processos de produção e distribuição do funk para a sua tese de doutorado, a ser defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Num café em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, Novaes me disse que Iasmin Turbininha, por sua ousadia e nível de experimentação nas mixagens, é hoje “a DJ mulher mais influente do funk carioca de forma geral”. Segundo o antropólogo, as primeiras versões do ritmo acelerado em que Turbininha se destaca nasceram na Nova Holanda, favela do Complexo da Maré, por volta de 2014. Uma grande festa acontecia todo final de semana na rua principal da comunidade, uma via comprida e estreita. Ao longo dessa rua, na hora do baile, havia uma sucessão de equipes de som, cada uma com o seu próprio DJ. A lógica era a de mercado com livre concorrência: as equipes que tocavam as melhores músicas concentravam mais público. Isso acabou criando uma disputa entre os artistas, ansiosos por se destacar e fazer algo diferente.
“Eu tenho a impressão de que essa configuração incentivou os DJs a começarem a experimentar com o bpm”, comentou Novaes. “É muito simples você pegar uma música já produzida e simplesmente aumentar os batimentos por minuto.”
Nos bailes sempre foi praxe dos DJs acelerarem um funk gravado no ritmo tradicional, em 130 bpm, levando-o para 134, 135 bpm. Era uma alteração momentânea, no meio da reprodução, feita com o intuito de levantar a música, provocar uma sensação de agitação. O que os DJs da Nova Holanda fizeram foi levar essa aceleração ao extremo e torná-la a frequência dominante da música, do início ao fim.
O problema era que o salto de 130 para 150 bpm, quando feito num material já produzido, provocava distorções. A voz do MC ficava tão aguda que era comparada, por quem frequentava os bailes, com a voz dos personagens do filme Alvin e os Esquilos. Parecia que quem cantava tinha aspirado gás hélio. “Era muito ruim esse negócio de simplesmente acelerar o beat”, avaliou Novaes. Algumas músicas acabavam se tornando, segundo ele, uma “maçaroca confusa”.
O responsável por colocar ordem na casa foi Diogo Lima Costa, mais conhecido como DJ Polyvox, e que acabou ganhando os louros de “criador do 150 bpm”. Costa foi o primeiro a criar um beat já nesse andamento, para ser usado na produção da música, em vez de apenas aumentar a velocidade do funk durante a reprodução. A batida mais acelerada surgiu por volta de 2017, depois de Polyvox ouvir seu filho bater com uma garrafa PET de Coca-Cola na porta de casa. Resolveu acompanhar a batucada do pequeno com a batida de funk no computador. Surgiu o Tambor Coca-Cola, em 150 bpm. Outros beats nesse ritmo começaram a aparecer, e passaram a ser usados para gravar as novas músicas dos MCs, com a voz normal sobre a base acelerada.
Iasmin Soares dos Santos começou a ouvir funk, por horas e horas seguidas, quando ainda era criança, aos 8 anos. Sua mãe, Margareth Ferreira, só podia frequentar o Baile do Buraco Quente, na favela da Mangueira, na Zona Norte carioca, se estivesse acompanhada de pelo menos um dos filhos, por determinação do padrasto de Turbininha. Como o primogênito preferia o videogame à barulheira das caixas de som, sobrava para ela a incumbência de fazer companhia à mãe. Não raro a criança terminava a noite adormecida atrás dos amplificadores, incapaz de aguentar tanto tempo de pancadão.
Nessa mesma época, a menina começou a catar papelão e latinha para ajudar a madrinha, que morava numa casa vizinha à sua. Durante o Carnaval, as duas iam até o Sambódromo, no Centro do Rio. O dia raiando, a última escola de samba se despedia da avenida, e Turbininha estava a postos: esperava o aval dos seguranças para entrar na passarela e recolher os despojos da festa. Mais frequentemente, nos dias de jogo no Maracanã, ela descia o morro – quase ao lado do estádio – para catar latinhas nas pilhas de lixo que se acumulavam pelas ruas. O trabalho se tornou uma forma de sustento.
Algum tempo depois, quando Turbininha já tinha seus 10, 11 anos de idade, o padrasto morreu – na cadeia, onde cumpria pena por ter participado de um assalto. A mãe nunca mais foi a mesma. A menina a viu adoecer, ao que tudo indica assolada por uma grave depressão. “Como eu era muito nova, não entendia o que estava acontecendo”, contou. “Eu não insisti para que ela fosse ao médico.”
A mãe quase não conseguia se levantar da cama. Um dia, ao ajudá-la a ir ao banheiro, Turbininha notou que Ferreira estava com dificuldade para enxergar. Correu à casa da madrinha e pediu dinheiro emprestado. Embarcou num táxi, e levou a mãe até um hospital no Andaraí, também na Zona Norte do Rio. Os médicos diagnosticaram um problema no funcionamento dos rins. Mãe e filha voltaram para casa. Margareth Ferreira passou os últimos dias na cama, sem forças para cuidar dos cinco filhos. Morreu aos 29 anos de idade, quando Turbininha tinha pouco mais de 12. Junto com o irmão mais velho, a menina se mudou para a casa da avó paterna. As outras três irmãs foram acolhidas por tias maternas.
Adolescente, Turbininha continuou a frequentar bailes funk. Conseguiu emprego numa lan house, onde tinha acesso ao computador. Aprendeu sozinha a editar vídeos. A escola ficou em segundo plano, e foi só recentemente que ela conse-guiu fazer um curso supletivo para concluir o ensino médio. Em 2011, criou um canal no YouTube para divulgar as músicas que ouvia nos bailes. Ela ainda não era a Turbininha: assinava seus vídeos como Iasmin Soares. O canal ainda existe, e é por lá que ela segue criando, apresentando músicas e compositores novos de 150 bpm, muitos produzidos por ela.
É comum que os DJs usem “carimbos”, vinhetas, nas músicas que apresentam ou mixam. Em algum momento da reprodução, ouve-se de repente a marca sonora. Turbininha coleciona alguns desses carimbos em seu canal, e normalmente os insere logo ao início do vídeo ou entre uma música e outra de um setlist. Alguns de seus primeiros carimbos foram “Iasmin Turbininha está mais conhecida que pedra de crack lá na Mangueira” e “Essa é Iasmin Turbininha, sempre mijando na cara”. O mais conhecido foi gravado espontaneamente por um fã mirim, primo de um amigo seu: “Iasmin Turbininha, eu não quero mais ver Peppa [Pig], quero ouvir o seu canal”, dizia a voz de criança, em referência a um desenho animado. Não demorou muito e outros DJs também passaram a usar esse áudio em suas músicas, carimbando a vinheta com o seu próprio nome – ou seja, trocando a parte inicial, em que o menino diz o nome de Turbininha, pela alcunha do novo DJj, que se apropriou dela.
No início, a rotina do seu canal era simples. A primeira etapa era o garimpo. A DJ abria o SoundCloud – uma plataforma online gratuita para publicação e compartilhamento de áudio – à procura de músicas que já tinha ouvido nos bailes ou de outras, em que enxergava algum potencial. Fazia download dos arquivos, e montava os vídeos. A edição consistia basicamente em juntar ao áudio fotos suas, de amigos ou ainda vídeos de pessoas dançando nos bailes. Inseria a logomarca do canal e publicava. Nesses anos iniciais, seu trabalho nada tinha a ver com a criação ou a produção musical.
De uns tempos para cá, passou a também produzir. É comum que os MCs criem músicas e as postem no SoundCloud sem nenhum acompanhamento, só a voz, cantando a capela. DJs como Turbininha selecionam as que interessam, acrescentam a batida, escolhem tipos de acompanhamento, fazem intervenções – produzem a música. Interessados em serem selecionados por artistas de que gostam, muitos MCs gravam várias versões da música a capela, “carimbando” antecipadamente suas próprias criações com os nomes dos DJs famosos.
Isso significa que um MC desconhecido precisa gravar um zilhão de versões da mesma música. Em pequenos estúdios, é comum vê-los segurando uma lista imensa de nomes aos quais precisam fazer referência. É o método de divulgação mais comum para quem está começando. Se a música de fato for boa, que DJ não vai querer produzir algo que o enaltece?
Se o SoundCloud fosse o acervo de um museu, Turbininha e os outros DJs de funk seriam curadores com superpoderes: além de escolherem as obras que serão expostas, poderiam intervir, fazer retoques nos quadros, refazer as esculturas, ressignificar as instalações.
Estampada numa das paredes do estúdio “#MuitaFé”, aos pés do Morro do Encontro, no complexo de favelas do Lins, na Zona Norte do Rio de Janeiro, há uma foto reproduzida em tamanho ampliado de Iasmin Turbininha, com mais de 2 metros de altura. A DJ é a estrela da produtora do Jota.
A sala é repleta de objetos de decoração que fazem referência a divindades femininas afro-brasileiras, católicas, indianas e gregas. As paredes são pretas. Metade do piso é de ardósia. A outra parte é coberta por uma camada de adesivo preto e branco que já começa a desgrudar do chão e se contorce no ar. As cadeiras estão puídas. O sofá, logo abaixo da foto de Turbininha, é decorado com almofadas floridas.
As ilhas de gravação e edição de som e imagem estão posicionadas uma ao lado da outra, separadas por poucos centímetros. Vários compositores usam a infraestrutura do #MuitaFé para registrar suas criações, antes de publicá-las no SoundCloud. Mas não há um espaço à parte para a gravação. O MC grava ao lado do produtor, que já vai captando e equalizando o som. Não há isolamento acústico na sala. Caso os quatro cachorros grandalhões, da raça pastor alemão, comecem a latir no quintal, ou o telefone toque, ou caso alguém fale alguma coisa no estúdio, o MC terá que recomeçar.
O endereço é antes de tudo residencial. O estúdio ocupa uma parte da casa que Jota, um servidor público de 39 anos, divide com a mãe. Os óculos de grau com aro metálico fino e lentes retangulares contrastam com o formato redondo do rosto do produtor. Ele recebeu a piauí no início de maio, mancando. Disse que estava se recuperando de gota em um dos pés, uma forma de artrite caracterizada por dor intensa e sensibilidade nas articulações. Sentava-se com claro desconforto em uma cadeira giratória do estúdio.
Jota é formado em filosofia pela PUC-Rio. Logo que terminou a faculdade, passou num concurso público para trabalhar em um posto de saúde da região. Lá, exerce funções administrativas, como a de acompanhar o tratamento dos pacientes atendidos na unidade. Apesar de trabalhar com funk há quase duas décadas, não faz sentido para ele abandonar a estabilidade do emprego.
Desde 2016, Jota administra a carreira profissional e as redes sociais de Turbininha. Por vezes, acaba se comportando como pai da moça, tentando protegê-la de tudo que possa acentuar as inseguranças da DJ, como comentários maldosos que a artista recebe nas redes sociais. De longe, os dois chegam até a se parecer fisicamente, o que dá ainda mais verossimilhança ao comportamento de Jota: “Muita gente pensa que eu sou pai da Iasmin, e eu sou mesmo”, diz. No celular do produtor, o número da namorada de Turbininha está salvo como “Maju Nora”.
Quando Turbininha e Jota se conheceram, em 2012, ele ainda administrava a rádio Revolta Funk, e ela era uma adolescente. Foi lá que a então youtuber começou a se encantar pela produção. Naquela época, uma das vinhetas do canal da DJ trazia a frase “a mãe da facção”. Era uma brincadeira inocente, mas o produtor lembra, rindo, que morria de medo de ela ser presa. “À medida que ela foi entendendo o limite entre a liberdade de expressão e o crime, nós retiramos até algumas músicas do canal”, explicou Jota.
“Tudo o que passamos aqui na favela é revoltante, mas a gente tenta manter na cabeça do jovem o seguinte: a caneta e o microfone são as maiores armas que ele tem. Mas tem que dar um tiro certeiro, um tiro que não vai dar motivo para ele ser desmerecido.” Para o produtor, o funk é uma ferramenta política capaz de comunicar a favela com a favela.
Seu estúdio, ele diz, já foi invadido algumas vezes pela polícia. Para se proteger, Jota instalou, não faz muito tempo, arame farpado em cima do muro. “Agora, só entram aqui conforme diz a lei, com mandado”, explicou.
Numa tarde de junho, acomodadas no sofá da casa da avó da DJ, no Morro da Mangueira, Turbininha e sua namorada, Maju, me explicaram a origem do apelido da estrela do 150 bpm.
“Muita gente já veio me perguntar se Turbininha era por causa da bunda dela”, comentou Maju, rindo.
“Turbinada, né?”, brincou a DJ, para logo em seguida explicar que aquela não era, nem de longe, a razão da alcunha. “Era a música de que eu gostava na época.” O apelido foi incorporado em 2015, por causa de um dos funks favoritos da moça, o Passinho do Turbininha, de MC Copinho e MC Tino, com presença garantida no setlist do Baile do Céu Azul, no Morro do Jacaré, frequentado pela DJ. “Quando tocava o Passinho do Turbininha, eu ‘embrazava’ muito, dançava como se não houvesse amanhã”, contou. A princípio ela não gostava do apelido, mas acabou adotando.
Turbininha não segue o dress code esperado de uma funkeira. Nada de roupas apertadas ou que possam deixar partes estratégicas do corpo à mostra, como o colo, a barriga e as coxas. Tampouco rebola diante do público. Seu jeito de se vestir é simples, comportado até, quase sempre camiseta e short.
Quando questionada se o fato de ser mulher chegou a gerar desconfiança no meio do funk, dominado por homens, disse que isso acontecia no início da carreira e, sobretudo, fora da favela. Também os DJs mais velhos estranhavam. “Eles não falavam nada para mim, mas tu sente, sabe?”, comentou. “Quando chegava para tocar, reclamavam: ‘Ih, é uma mulher?’ Mas quando eu começava, filho, não tinha como. Hoje já até me recebem falando que eu sou braba.”
A artista já está acostumada a ser a única mulher no meio dos homens, mas faz questão de afirmar que os DJs homens da sua geração, que começaram mais ou menos na mesma época, a respeitam e a tratam como qualquer outro profissional da música. Sempre que os encontra num baile, diz, é a maior festa.
Fora do palco, Turbininha é tímida, tem o sorriso frouxo e é brincalhona. Seu jeito é genuinamente doce. Fala pouco, mas quando fala, sempre arranja uma maneira de terminar as frases com um sorriso, na verdade uma risada sem graça.
Apesar de viver do funk, a artista confessa que gosta mesmo é de pagode. Sempre preferia quando a mãe trocava os bailes no Buraco Quente pelo samba na quadra da Mangueira. Quando não está trabalhando, estudando ou pesquisando, a jovem passa o dia em casa ouvindo pagode. Os dois mundos, de toda forma, convivem bem. “Aqui na favela, se você está num pagode, não tem como não tocar funk”, explicou. “A gente vai num ‘pagofunk’ e tem aquela hora que todo mundo cansa de sofrer. O grupo de pagode sai, e entra um DJ tocando funk. Depois o DJ sai, e volta o pagode de novo. É tudo junto.”
Depois de romper a barreira da favela, o funk acelerado começou a ganhar a atenção de artistas internacionais. Na edição brasileira do festival Lollapalooza, em abril deste ano, o cantor norte-americano Post Malone convidou ao palco o MC Kevin O Chris, um dos maiores destaques do 150 bpm. Pediu para o brasileiro entoar duas de suas músicas mais conhecidas: Vamos pra Gaiola e Ela É do Tipo. Rapidamente se espalharam vídeos pela internet da multidão no Autódromo de Interlagos cantando em uníssono a música que faz homenagem ao maior baile funk dos anos 2010, o Baile da Gaiola. No YouTube, a mesma canção, gravada em parceria com o DJ FP do Trem Bala, obteve mais de 66 milhões de visualizações desde o seu lançamento, em dezembro de 2018.
Um dos primeiros artistas conhecidos a evocar o Baile da Gaiola em suas músicas, quando a festa ainda era desconhecida pelo mainstream, foi Nego do Borel. Fez isso com Me Solta, lançada em maio de 2018. O videoclipe, gravado no Morro do Borel, na Zona Norte carioca, trazia o artista interpretando um personagem homossexual, vestido com short jeans curto, cropped vermelho, sapato de saltinho, óculos escuros e brincos que pendiam sobre os ombros.
A interpretação rendeu elogios no meio artístico, mas também gerou questionamentos na comunidade LGBT: sobre representatividade, reforço de estereótipos e misoginia. Para alguns ativistas, Nego do Borel estava se apropriando daquela estética para fazer chacota de um grupo minoritário. O artista negou. Apesar da polêmica – ou em parte por causa dela –, o videoclipe, publicado dois meses após o lançamento da música, soma mais de 167 milhões de visualizações no YouTube. A música, gravada no ritmo acelerado, fez o nome do Baile da Gaiola ressoar longe da Vila Cruzeiro, onde a festa acontece, e atiçou a curiosidade sobre o lugar. Pode chegar, pode chegar/Que a festa vai começar/Sabe aonde você tá?/Naquele lugar que tu ouviu falar/Aonde tu senta, aonde tu sobe/Aonde tu desce, aonde tu rebola/Sabe aonde você tá?/É no Baile da Gaiola.
Por trás da canção estava Rennan da Penha, então DJ residente do baile e um dos maiores nomes do 150 bpm, o que tornou a festa que ele comandava o epicentro do novo ritmo. Antes da parceria com Nego do Borel, Rennan já havia produzido outras músicas, dentro da cena do funk, que falavam da festa. Tu Tá na Gaiola, funk acelerado do MC Kevin O Chris, foi lançado em fevereiro de 2018 no canal do DJ e acumula mais de 37 milhões de visualizações. A música descreve a dinâmica do baile: Cheiro de lança do bom/Ei, tu tá na gaiola/Cheiro de maconha boa/Ei, tu tá na gaiola/Várias piranha jogando/Ei, tu tá na gaiola/Os amigos faturando/Ei, tu tá na gaiola. Como a música acabou rompendo a bolha das favelas, um medley com versões light dessa e de outras três músicas foi providenciado, produzido por Dennis DJ, e o 150 bpm pasteurizado ganhou o asfalto com tudo. O “lança”, que faz referência à droga lança-perfume, agora era só perfume; a maconha virou “marola”; “piranha” foi substituída por “malandra”.
Muitas outras músicas carimbadas pela Gaiola também fizeram sucesso: Eu Vou pro Baile da Gaiola e Finalidade Era Ficar em Casa, também do MC Kevin O Chris; Brota na Penha e Hoje Eu Vou Parar na Gaiola, do paulista MC Livinho. A Gaiola chegou até no brega-funk do Nordeste, em março de 2019, com o lançamento de Baile da Gaiola, de MC Daninho.
Em abril deste ano, contudo, a Gaiola, tal como era conhecida, deixou de existir.
No dia 31 de março, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou uma filmagem exclusiva, gravada pela polícia, na qual Rennan da Penha cumprimentava traficantes. No vídeo, o DJ aperta a mão do motorista de uma Mercedes vermelha. Quem estava ao volante era Pedro Paulo Guedes, conhecido como Pedro Bala, um dos chefes do tráfico da Penha, segundo investigações da polícia. Pouco depois, Rennan abraça um homem que está sentado numa cadeira de plástico, identificado como Dudu do Antares, acusado de tráfico de drogas. A reportagem, que teve cerca de sete minutos de duração, foi ao ar dois dias após a expedição do mandado de prisão de onze homens que trabalhavam no Baile da Gaiola. Entre os nomes estava o de Renan Santos da Silva, o Rennan da Penha, condenado por associação ao tráfico de drogas, em segunda instância, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
O processo de Rennan da Penha teve início em 2015, quando o DJ foi indiciado por associação ao tráfico e chegou a ser detido pela polícia. Em 2017, julgado em primeira instância, Rennan foi absolvido. A Justiça entendeu que as provas apresentadas eram insuficientes para justificar uma condenação. Tratava-se de “manifestações da cultura cotidiana de quem reside numa comunidade onde há tráfico de drogas”, segundo a sentença. O Ministério Público recorreu, e o DJ acabou condenado, em março deste ano, por unanimidade dos desembargadores do TJ.
O acórdão do processo apresenta como provas mensagens em que o DJ informa a movimentação dos policiais aos moradores do bairro, postagens em redes sociais lamentando a morte de pessoas com envolvimento no tráfico de drogas e uma imagem do Carnaval de 2013, em que Rennan aparece com uma arma feita, segundo ele, com pedaços de madeira e enrolada com fita isolante. O documento afirma ainda que havia venda e consumo de drogas ilícitas no Baile da Gaiola, identificando Rennan da Penha não só como DJ residente da festa, mas como seu idealizador e organizador, o que ele nega. Segundo a decisão dos desembargadores, o Baile da Gaiola era um produto de Rennan, e o comércio de drogas ilícitas no local ocorria sob sua responsabilidade. O baile passou a ser visto como um instrumento do tráfico para aumentar sua lucratividade.
Os advogados do DJ e ativistas do funk refutam essa associação. Afirmam que o baile era custeado e mantido pelos comerciantes locais, que vendiam bebidas e comidas na festa. A seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil emitiu uma nota manifestando preocupação com a prisão do DJ e repudiando o que chamou de “criminalização da arte popular”.
Reinaldo Santos de Almeida, advogado criminalista e professor da Faculdade de Direito da UFRJ, argumenta que não é cabível que se queira imputar a Rennan uma responsabilidade sobre algo que ele não tem como controlar, ou seja, a venda de drogas no Baile da Gaiola. “Em grandes festivais, em festas e em vários núcleos da vida social, inclusive em ambientes corporativos, o uso de drogas é absolutamente normal e cotidiano”, disse Almeida, que recebeu a piauí em seu escritório, no Centro do Rio, em abril. A expressão séria de seu rosto contrastava com a vestimenta descontraída: camisa amarela de manga curta, bermuda e chinelo. “Parece-me uma hipocrisia dizer, por exemplo, que no Rock in Rio as pessoas não consumam drogas ilícitas. É evidente que há uma necessidade, de acordo com a legislação, de coibir esse tipo de conduta, mas essa responsabilidade não é só do organizador, é também do poder público.”
Depois da prisão do DJ, condenado a seis anos e oito meses de reclusão, o Baile da Gaiola deixou de funcionar. Parte da rua Aimoré, nos arredores da Vila Cruzeiro, favela do Complexo da Penha, não amanhecia mais com copos descartáveis, garrafas de vidro, papéis, frascos de loló ou canudos espalhados pelo chão. Os moradores da região passaram a dormir na maior parte do tempo em silêncio, sem o barulho ensurdecedor das caixas de som – mas ainda atentos aos disparos da polícia e dos traficantes. A festa voltou a acontecer em meados de julho, mas de maneira tímida, sem palco, com público e espaço reduzidos.
Em seu perfil no Twitter, Iasmin Turbininha comentou, na época, a prisão de Rennan da Penha: “Só quem é da favela sabe que isso que tá acontecendo com ele é um preconceito do caralho”, escreveu. Para a artista, a prisão do dj teria sido motivada por uma visão de mundo que associa indiscriminadamente moradores de favela, funk e criminalidade. À piauí, ela disse que se sentia abalada com a situação. “Como que você mora num lugar, cresce com essas pessoas e não pode cumprimentar? É questão de educação, sabe? Não tem nada a ver com ser envolvido ou não.”
Meses depois, a própria Turbininha seria chamada pela polícia a depor numa investigação da possível relação entre DJs que se apresentaram num baile na favela Nova Holanda, em julho, e o tráfico de drogas. A artista estava entre as atrações anunciadas para o evento, mas acabou não participando da festa na data investigada pela polícia.
Ao tomar conhecimento da intimação policial, Jota, o produtor de Turbininha, se desesperou. Chorava, quando falamos ao telefone. Turbininha compareceu à delegacia acompanhada da advogada Lívia Casseres, nome que lhe foi indicado por Fábio Amado, coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Amado prometeu à artista que seguiria o seu caso de perto, mas achava melhor que ela fosse representada por uma mulher negra. De preferência, por Casseres. Reconhecida por ações na defesa de grupos minoritários, a advogada foi condecorada com a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2016.
“Eu sou um homem branco, cis, heterossexual; eu consigo transitar muito bem em qualquer espaço”, explicou Amado. “Mas colocar uma mulher negra para te defender é ainda mais significativo”, disse para Turbininha. “O Estado pode ser racista, mas ele vai ter que aturar uma mulher negra doutora, condecorada, te defendendo.”
Turbininha e Jota depuseram por cerca de uma hora, cada um, no final de julho. A polícia queria informações sobre pagamentos aos artistas que haviam se apresentado na Nova Holanda na data investigada. Além de não ter tocado naquele dia, Turbininha alegou nunca ter sido remunerada para tocar em baile de favela. A DJ e o produtor foram ouvidos como testemunhas, e depois liberados.
Da porta para dentro de sua casa no Morro da Mangueira, Iasmin Turbininha é a Mimi, apelido carinhoso que recebeu da família. Ali mora sua avó paterna, Maria Aparecida dos Santos, tratada por todos como dona Cida. A casa de três andares e quatro quartos é a típica construção de favela que foi ganhando puxadinhos verticais. Sem a possibilidade de aumentar a área do terreno, o jeito foi construir outros cômodos na laje, um andar em cima do outro. Depois a família se espalhou, a casa se esvaziou e ficou grande para dona Cida. A família já tentou tirá-la de lá, uma missão aparentemente impossível.
A última parente a deixar o lar na Mangueira foi Turbininha. O trecho onde a avó mora não é acessível por carro, e a DJ muitas vezes precisava sair de casa no meio da madrugada para tocar. Os tiroteios constantes também a impediram de continuar morando com dona Cida. Apesar de não dividirem mais o mesmo teto, a artista continua auxiliando financeiramente a avó e duas de suas irmãs, que moram em Cosmos, na Zona Oeste do Rio.
Desde meados do ano passado, Turbininha vive em um apartamento alugado em um condomínio de classe média no bairro de Engenho Novo, Zona Norte da cidade. Divide o imóvel com a namorada Maju e, desde o início do ano, também com Isabelle, uma de suas irmãs.
O reconhecimento no mundo do funk mudou a vida de Turbininha, permitindo uma relativa ascensão social, mas não muito mais do que isso. Numa reportagem publicada pela revista Veja em fevereiro deste ano, Turbininha foi retratada como uma DJ que ganha 50 mil reais por mês, faz até cinco shows por dia e que só tem peças Gucci originais. A descrição destoava do que constatei no período de convivência com a DJ. Quando questionei Jota se era verdadeiro o rendimento mensal de cinco dígitos da artista, ele riu. O produtor disse que a dupla estava no vermelho. “No momento, seria até bom se faturássemos 50 mil por mês.” Já os chapéus Gucci são comprados religiosamente, há anos, com a mesma vendedora ambulante, em Madureira.
Por causa dos cabelos cacheados, a DJ perdeu há alguns anos sua primeira oportunidade de patrocínio. Em 2017, Turbininha recebeu a proposta de fazer uma parceria com uma loja de roupas e acessórios. A ideia era que ela usasse as roupas e postasse os looks em suas redes sociais. Quando a equipe de comunicação da marca fez a proposta de uma sessão de fotos com a DJ, adicionou uma cláusula problemática: ela deveria alisar o cabelo. “Eu não queria fazer. Se eu alisasse, como eles queriam, ia demorar muito tempo para ter o cabelo de volta”, explicou Turbininha. Depois da negativa, a marca nunca mais estabeleceu contato com a DJ.
“Até que você está se dando bem, não está, Mimi?”, perguntou a avó, orgulhosa, numa tarde de junho passado, na Mangueira, demonstrando não entender muito bem o que a neta faz.
“Tô…”, a DJ respondeu, balançando a cabeça de forma afirmativa, a voz se esvaindo aos poucos, traço de sua timidez.
Dona Cida nunca viu a neta tocar e um baile funk não é algo que lhe encha os olhos. Com 85 anos, ela sofre com as sequelas da chikungunya que contraiu no ano passado. “Ela curte mais um sambinha”, explicou Turbininha. “Nem uma cervejinha eu posso mais beber. Ordens do médico. Só tomo remédio”, emendou a avó, disciplinada, mas aparentando sentir saudade da bebida.
Maria Auxiliadora Almeida, tia da DJ, estava sentada no braço do sofá e olhava a rua na porta de casa, quando avistou uma amiga que passava. “Oi, Marta. Como você tá?”, cumprimentou, sem se levantar. A vizinha se aproximou da porta da sala. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a avó chamou sua atenção para a presença de Turbininha, que a visitava. “Olha a minha neta”, disse. “É essa aqui, ela é filha do Beto.”
“Nossa, mas eles têm tudo a mesma cara”, observou a moça, que bisbilhotava a família pela porta da casa. Sem cerimônia, começou a perguntar sobre o parentesco de todas as pessoas que estavam na sala.
“E essa aqui?”, quis saber, apontando na minha direção.
“É colega”, respondeu a tia de Turbininha, querendo desconversar.
“Minha filha, eu morei 25 anos em Nova Iguaçu”, começou a dizer Marta, sem motivo aparente. Dali por diante, dispararia frases como uma metralhadora, quase sem tempo para respirar. Todos na sala pararam para ouvir a história. “Não tem um mês que eu estou aqui, mas não estou acostumando, não. Hoje eu estava falando para as minhas irmãs: Que lugar no-jen-to! Tu quer uma galinha, tu tem que andar daqui até lá embaixo, né, dona Cida? Eu já tô velha. Meu joelho dói. Que lugar é esse que eu me meti? Alô!?”
O celular tinha tocado, e ela interrompeu o discurso, afastando-se para atendê-lo. De dentro da sala dava para todo mundo ouvir a mulher gritando ao telefone, lá fora.
“Não esquenta não. Aqui é assim mesmo”, disse a tia. “Fim de semana então…”
No dia 7 de abril, quando completou um ano da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, simpatizantes do ex-presidente organizaram atos e eventos culturais pelo país, repetindo a palavra de ordem “Lula Livre”. No Rio, Iasmin Turbininha foi convidada para encerrar um festival-protesto na orla de Copacabana, na Zona Sul da cidade. Do alto do trio elétrico, também pediu liberdade, mas para Rennan da Penha. Era a primeira vez que Turbininha tocava em um evento político. O ato estava esvaziado, mas ganhou alguma energia com o som da DJ.
Uma vendedora ambulante, que assistia às apresentações, trouxe seu carrinho para perto do trio elétrico e começou a dançar. Uma criança sem camisa, que andava sozinha para lá e para cá como se estivesse à procura de uma bola perdida, também se sentiu à vontade para participar. Um morador de rua se animou a acompanhar o ritmo que saía dos amplificadores. Turbininha não fez discurso.
“Os atos estão muito Bossa Nova, né?”, comentou Jota. “Eu venho reclamando disso há um tempo. Como é que eles querem dialogar com a periferia assim? Não estou tirando o mérito daqui. Aqui é Zona Sul, é vitrine, mas tem que expandir.”
Durante o trajeto até Copacabana, no metrô, Turbininha tinha se mostrado insegura sobre o público que encontraria, pois é pouco conhecida fora do circuito do funk. Explicou que havia preparado um setlist só com letras lights, sem palavrões. Para ela, tocar na orla de Copacabana era uma grande oportunidade, mas o significado pessoal ainda parecia descolado do ato político. “Minha mãe adorava o Lula”, lembrou, mencionando o Bolsa Família. “Ajudou muito a gente lá em casa.” Não quis, de toda forma, opinar sobre a prisão do líder petista. Perguntei se a considerava injusta, e ela desconversou: “Eu não estou acostumada a falar de política. Então prefiro não falar muita coisa. Eu falo de música, que é o que eu sei.”
Quando a conversa chegou ao atual presidente, Jair Bolsonaro, Turbininha se sentiu mais à vontade para opinar, criticando-o. Os poucos passos que a DJ vem dando para se afirmar politicamente são influenciados por Jota e pela namorada. Até o ano passado, contudo, nunca havia votado, nem sequer regularizado sua situação no Tribunal Regional Eleitoral. Não era algo que parecia fazer diferença para a jovem.
Caminhando pela orla depois do show, já no caminho de volta em direção ao metrô, Turbininha parou diante da banca de uma vendedora ambulante. Como tinha sido grande a movimentação ao redor da DJ após sua apresentação no trio elétrico, a comerciante quis saber: “Ela é famosa?”, perguntou. “Médio”, respondeu Jota.
Na calçada em frente ao Copacabana Palace, Maju, a namorada, não disfarçou o encantamento e disse que tinha o sonho de passar a lua de mel na suíte presidencial do hotel. Perguntei a Turbininha se ela se hospedaria lá, caso faturasse 50 mil reais por mês. Ela riu, como se nunca tivesse pensado no que faria com tanto dinheiro. “Acho que a gente ficaria melhor no prédio do lado, que é onde a Narcisa mora”, interveio Jota, fazendo referência à socialite Narcisa Tamborindeguy, conhecida pelos excessos e o jeito desbocado. “Faz mais a nossa cara.” O sinal abriu, atravessamos a rua. Turbininha continuava rindo, como se achasse a conversa meio absurda.
Por diversas vezes, ao me encontrar com ela, quis saber de Turbininha como imagina estar daqui a cinco ou dez anos. A DJ sempre sorriu, sem nunca dar alguma resposta mais precisa. “Não sei”, dizia, um pouco confusa e constrangida. Parece esperar sucesso, mas não estabelece metas. Dá voltas, fala em juntar dinheiro para aprimorar seus equipamentos. Perguntei sobre uma realização pessoal, sobre o que tinha feito com o primeiro dinheiro que recebeu. “O meu sonho na época era ter um iPad, porque eu tinha muito medo que o meu notebook travasse na hora da mixagem, na frente do público. Mas era muito caro para mim. Eu demorei um tempo para conseguir comprar.” No início do ano, afinal, juntou dinheiro suficiente para ter sua primeira controladora, a mesa de DJ, que custou pouco mais de 6 mil reais. “Não tem nada que você queira alcançar para você mesma?”, insisti, numa dessas vezes. Ela, então, se deu por vencida. “Uma casa própria.”
Turbininha pode não ter muita clareza a respeito de onde quer chegar, mas sabe que quer acelerar. Sentada num banco de madeira do playground do condomínio onde mora, ela me disse certo dia que o 150 bpm já soava lento aos seus ouvidos. Em bailes de favela, contou, prefere tocar quando o dia está amanhecendo, depois das cinco da manhã, momento em que a festa fica ainda mais acelerada. “De manhã, na favela, é pique rave. Às vezes eu já começo em 160.” Entre um lançamento e outro no seu canal no YouTube, ela vinha progressivamente aumentando o ritmo. No final de junho, surpreendeu. Lançou um set mixado todo em 170 bpm. No título, ela já mostrava a que veio: “170 é o ritmo.”