Para minhas amigas, era culpa exclusiva da stripper ousar divertir um pênis que havia sido tão difícil de ser conquistado por outra garota IMAGEM: CIDA CALU
Pelada no palco
Eu nunca havia andado de moto nem feito aborto, terminara a faculdade em oito semestres certinhos e jamais roubara batom numa loja bacana. Eu era um saco, queridos. Podia sentir meu fogo apagando. Minha crise dos 25 anos pesou no estômago como um cheeseburger duplo. Essa é uma das razões para ter me dedicado ao strip-tease
Diablo Cody | Edição 26, Novembro 2008
Em janeiro de 2003, quando tinha 24 anos e estava cheia da cidade grande, me mudei de Chicago para Minneapolis. Como muitos corações solitários, tinha conhecido meu namorado Jonny na “perda de tempo mundial”, ou seja, na internet (especificamente num site sobre a fase psicodélica dos Beach Boys e a subseqüente derrocada do Brian Wilson rumo à terapia radical e todo aquele drama). Nosso namoro floresceu para o mundo real quando Jonny, do nada, me mandou um e-mail bastante curioso. Ele tinha uma maravilhosa gravação pirata dos Beach Boys, um raro fragmento instrumental da música I’m in Great Shape, do final de 1966. Apenas uma elite de gordos que não compartilha nada com ninguém tivera acesso à gravação, mas Jonny galantemente a ofereceu para mim como se fosse uma gardênia sonora. Como uma virgem poderia resistir àquele vinil? Aceitei o símbolo de amor nerd com um desmaio devidamente criptografado e protegido de vírus cibernéticos, e um romance acabava de nascer.
Imediatamente, atirei meu namorado da época no fundo do poço com a força de um tiro de bazuca. Logo enviávamos um ao outro fitas de músicas extremamente confessionais (nada simboliza melhor o amor verdadeiro do que fitas cassetes cinzentas com os nomes das músicas escritos à mão). Atendendo a pedidos, Jonny me mandou fotos dele, com sua esposa simpaticamente retirada de cada uma por meio do Photoshop. Eu juntava contas de telefone que se desdobravam longamente como a Carta Magna e tocavam o chão da mesma forma que o meu queixo caído de espanto.
Quando um encontro ao vivo pareceu urgente, decidimos viajar separadamente para Los Angeles e nos encontrar no Whisky a Go Go, como verdadeiros roqueiros metidos a besta. Em pânico, tive uma crise de coceira segundos antes do horário marcado para o nosso encontro. Felizmente, Jonny nem ligou para o meu rosto coçando e cheio de bolinhas e olhou direto para os meus peitos. Passamos o resto do dia passeando por Hollywood, entornando cerveja mexicana, de mãos dadas, nossas palmas pegajosas grudadas de suor. Foi um primeiro encontro para entrar na história, culminando com os dois pelados e frenéticos na cama de um quarto de hotel em Marina del Rey.
Minha mãe, justificadamente neurótica com a idéia de que eu ia cruzar o país para me encontrar com um estranho, previu que receberia em casa um corpo morto num saco. Mas eu trouxe de volta um corpo, simplesmente um corpo muito bom no que fazia. Jonny era incrível, legal, nota dez, material de primeira. Meu coração e meus órgãos genitais emitiram um decreto determinando que eu me mudasse imediatamente para onde Jonny morava, Minnesota.
Assim, eu logo estava dirigindo uma van por vários estados, parando só para comer galinha frita engordurada em restaurantes de beira de estrada. Não estava deixando muita coisa para trás, a não ser um emprego de baixo nível num escritório de advocacia prestes a falir, no qual uma mulher reprimida chamada Louanne me fazia arquivar coisas. Meus pais ficaram desconcertados com a mudança, mas eu tinha que me mandar. O amor é misterioso e foda, como dizia o vocalista do Journey, Steve Perry.
Quando cheguei, me mudei para o condomínio de subúrbio em estilo colonial de Jonny, que parecia uma Casa Branca em versão piorada. No apartamento, as paredes eram brancas, os eletrodomésticos eram brancos, os ruídos eram brancos e o carpete era da cor de areia virgem. Em Chicago, eu vivia num prédio zoneado e sem elevador, perto de um bar e de um centro de recuperação de jovens assassinos. Minha nova locação, ao contrário, era tão silenciosa que dava para ouvir uma agulha caindo.
Em Minnesota eu poderia ser a garota mais anônima do mundo. Se quisesse, poderia me reinventar e virar campeã de hóquei. Poderia usar gravatas como as dos mafiosos e carregar um cachorrinho de madame pela cidade. Poderia mudar meu nome para Lynn, ficar bulímica e vomitar barras de cereal dietéticas nas latas de lixo. Parecia mágica! Eu tinha me apagado, como aquela cantora Lisa Loeb faz naquele clipe supergay.
Depois de passar dois dias vagando pela cidade sem falar com ninguém, consegui trabalho como digitadora numa agência de publicidade que parecia o cená-rio de um filme do Kubrick, com paredes cobertas de aço escovado e aparelhos de televisão. Enquanto preenchia pilhas de papel com roteiros de propagandas de rádio imbecis (correções eram proibidas), via a neve caindo pela minha janela no 26º andar. Os flocos caíam tão rapidamente da camada cinzenta de nuvens que eles não pareciam subir ou descer. Apelidei Minneapolis de “Cidade Branca”.
Eu até gostava da agência de publicidade. Alguns dos benefícios de se trabalhar lá eram: grande variedade de chás normais e descafeinados, incluindo os sabores maçã e chá preto com laranja; conexão de internet de primeira, rápida como um coelho; um excelente Porn Shui.
Meu amor da internet, Jonny, tinha grandes esperanças de que eu fosse bem-sucedida em Minneapolis. Por isso, me senti meio mal quando peguei uma espécie de gripe mutante letal depois de apenas uma semana na Cidade Branca. Como o vírus atacou minhas pernas, tinha que me arrastar com a ajuda dos braços pelo nosso apartamento alugado e vazio. Quando finalmente voltei ao trabalho, ainda não tinha parado de mancar. Enquanto capengava da minha mesa até a copiadora, as pessoas me olhavam como se perguntassem: “Quem contratou a aleijada?”
Por outro lado, as primeiras semanas na minha nova casa foram radiantes e recompensadoras. Eu fazia jantares cafonas, como fondue ou carne assada queimada, enquanto Jonny (um velho habitué do rock local) tirava sons estridentes de sua guitarra Epiphone vermelha. A filha de três anos de Jonny, uma larva precoce com covinhas de celebridade infantil, dormia lá em casa algumas noites por semana e, no começo, parecia tranqüila com a minha repentina inclusão em sua família partida. Quando eu estava sozinha em casa, tentava obstinadamente terminar o terrível romance que estava escrevendo desde o começo da faculdade.
Inspirada pelos talentos musicais de Jonny, tentei aprender a tocar baixo, mas, quando finalmente fiz um teste para uma banda de eletropop, os membros do grupo me olharam como se eu estivesse peidando o tema de Mahogany, aquele filme brega com a Diana Ross. Fiquei chateada com a rejeição, e meu baixo rapidamente adquiriu uma grossa camada de poeira, o que foi realmente uma merda, porque eu queria ter uma presença de palco como a da Kim Gordon, do Sonic Youth, ou da Kim Deal, dos Pixies, ou de qualquer baixista de cabelos lisos escorridos chamada Kim que tenha sido minha heroína na adolescência. Naquela época, não sabia que acabaria mostrando o dedo do meio para o público inúmeras vezes, ainda que em circunstâncias diferentes das que eu imaginara.
Olhando para trás, eu tive uma bela vida. Foi uma existência digamos nota oito (dois pontos a menos pelo clima de merda e pela gripe mortal). Ainda assim, me sentia inquieta, procurando agitação desesperadamente, como uma criança que rouba um gole do vinho da mãe. Estava chegando ao lado negro dos meus 20 anos, mas não parava de me mexer, ainda me sentia uma adolescente com formigas na calcinha. A grande mudança para Minneapolis tinha provocado uma espécie de azia psicológica, e sentia como se me tivessem oferecido uma última oportunidade de fazer uma loucura sem ter que lidar com as conseqüências da vida adulta.
Eu disse “última” porque sempre fui um ser humano do sexo feminino bem-comportado. As provas: nunca havia andado de moto, nem naquelas japonesas fraquinhas. Nunca havia engravidado por acidente ou feito um aborto. Recebi cada um dos sacramentos, com exceção do matrimônio e da extrema-unção. Terminei a faculdade em oito semestres certinhos (com uma crise nervosa em cada um). Nunca joguei bebida na cara de alguém no meio de um porre. Nunca furtei batom numa loja bacana. Eu era um saco, queridos. Podia sentir meu fogo apagando. Minha crise dos 25 anos pesou no estômago como um cheeseburger duplo. Acho que essa é uma das razões por ter acabado seminua numa boate como a Skyway Lounge.
Uma noite, no finalzinho do inverno, estava me arrastando para o ponto de ônibus depois de mais um dia entediante na agência como uma esplêndida digitadorazinha de merda. Passei por um desses bares enfurnados em que as garçonetes trabalham com os peitos de fora, e prestei atenção na marquise, onde normalmente estava escrito: “Noite Amadora $200” (e, às vezes, “cidade da diversão”, do que eu discordava). Eu tinha a tendência a passar correndo em frente ao Skyway Lounge, como se sua aura molecular pudesse me contaminar incuravelmente com piolhos genitais.
A frase “Noite Amadora” (relacionada ao strip-tease) sempre formou uma imagem específica na minha cabeça: eu via uma bêbada de pernas tortas cambaleando pelo palco da boate, com sapatos altos e surrados de dama de honra, enquanto o marido a estimula com um maço de cigarros light: “Vamos lá, querida! Seus cigarros estão aqui! Só mais uns passos e as duzentas pratas são nossas!” Stripper é uma profissão que parece superglamorosa, mas a idéia de tirar a roupa no circuito amador me desesperava tanto quanto uma cidadezinha do interior do Texas. Ainda assim, eu estava curiosa.
Só havia entrado num bar de strip uma vez, em Chicago. Era um estabelecimento que não podia vender bebidas alcoólicas, sombrio e sem graça, dirigido pela máfia russa. Senti pena das garotas perambulando de mesa em mesa, suas bocas abertas em semi-sorrisos, como belos cadáveres. Meu companheiro e eu compramos uma lap dance cada um, aquele lance em que as garotas dançam e se esfregam diretamente no cliente, e trocamos cômicos olhares de animação e pânico enquanto as strip-pers giravam passivamente sobre nossas virilhas. Minha stripper, uma garota andrógina de cabelos raspados e vestido de vinil, era uma fonte indiferente e ineficiente de calor. Quando ela se inclinou para a frente e abriu a bunda para me mostrar o olho do cu, eu disse: “Gostei das suas botas.” Desde então, a experiência ficou gravada na minha tenra cabecinha, e tentei me imaginar nua naquele salão cheio de espelhos e com cheiro de bunda. Eu não conseguia. Eu era uma legítima idiota.
Suponha que eu conseguisse reunir um pouco de desembaraço e entrasse no Skyway Lounge: mesmo se tivesse coragem para tirar a roupa por diversão, sabia que teria que dar satisfações a um pequeno, mas reprovador círculo social feminino. A maioria das garotas que eu conhecia odiava strippers com a mesma fúria reservada a estupradores em série. Elas usavam “stripper” como um adjetivo para desprezar qualquer coisa estúpida, nojenta ou repugnante. Por exemplo: “Esses sapatos são coisa de stripper, Jen.” Ou: “Kyle me dispensou por alguma puta stripper que faz compras em lojas de varejo.” Uma garota típica do meu grupo preferiria tirar as cutículas com gilete a permitir que seu parceiro fosse associado a garotas peladas. Essa paranóia era reforçada por histórias sensacionais de namorados que tiveram seus membros emporcalhados por strippers. Pouco importava se aquilo fora pago, e feito de livre e espontânea vontade: era culpa exclusiva da stripper ousar divertir um pênis que havia sido tão difícil de ser conquistado por outra garota.
Nunca tive essa hostilidade em relação às strippers. Elas eram simplesmente as dançarinas de outrora, as garotas dos bares de hoje em dia, com superpeitos. Como ouvira falar que as strippers eram bem pagas, achava difícil acreditar que tivessem interesse em roubar o namorado, o marido ou o caso de alguém. Para mim, as strippers, mesmo as mais safadas, que faziam boquetes, só estavam faturando uma grana extra. Além disso, eu secretamente imaginava todas as strippers como membros de uma irmandade muito unida, que compartilhavam piadas picantes engraçadíssimas, trocavam fantasias, bebiam gim e cuidavam dos bebês das outras nas noites de folga. Elas deviam ser muito apegadas umas às outras por causa de sua vulnerabilidade: de que outro jeito poderiam sobreviver em meio às mandíbulas salivantes de homens estranhos?
Parada na frente do Skyway Lounge, meu coração batia nas costelas como um rock rápido e pesado. Eu queria estar lá, fazer parte daquele grupo brilhante de mulheres que sabiam o que as aguardava, mas metiam a cara de qualquer jeito. Não me importava se eu era namorada, filha ou quase madrasta de alguém, ou mesmo se era a porra da digitadora de alguém. Eu queria me abrigar na escuridão úmida e quente, a salvo da claridade ofuscante da neve, da papelada do trabalho e das pastas de arquivo que cortavam a palma de minhas mãos. Queria marchar rumo à espelunca e me expor aos seguranças sombrios, invernais em seus casacões e capuzes assustadores, que entravam e saíam em intervalos regulares.
Então, respirei fundo várias vezes e entrei lá como uma perfeita idiota. Sinceramente, não consigo ler uma autobiografia sem ter uma visão clara de como o autor era fisicamente em cada estágio da narrativa. Então, aqui vai: uma garota entra num bar enfiada em roupas de lã, como qualquer habitante equilibrado de um estado que faz fronteira com o Canadá, e onde chove granizo em qualquer cabeça descoberta. Eu era magricela (nós neuróticas geralmente somos assim), pálida e molenga como alguém que gosta de computadores e não de esportes pesados. Meu cabelo escuro estava cortado como uma cuia, minhas unhas eram luas minguantes roídas, e minha maquiagem já tinha saído horas antes. Estava a 2 mil anos-luz de uma Pamela Anderson no que diz respeito a ser uma stripper chique convencional.
– Oi – disse o porteiro, um cara velho, gordo e grisalho, do tipo que você espera ver como vigia de um bar de strip. Parecia que ele tinha administrado uma loja de consertos de barcos até Betty Anne se divorciar dele e, bem, você sabe como essas coisas são…
– O que você quer? – perguntou-me por entre seus bigodes cinzentos. Seus beijos deviam ter gosto de batata frita sabor bacon ou de cabeça de camarão. Algo grosseiro e salgado.
– Eu queria me inscrever para a Noite Amadora.
– Ah, é? – respondeu ele, completamente incrédulo. Essa foi a primeira vez (mas definitivamente não a última) que alguém deixou claro que eu não parecia nada com uma stripper.
– É – repliquei, desafiando-o. O Grisalho olhou para minha saia longa de retalhos e para meus sapatos acolchoados furrecas. Eu parecia a professora convidada de uma faculdade para mulheres do interior.
– Você realmente acha que pode subir aqui e tirar a roupa? – Ele apontou para o palco, onde uma latina gostosona se pendurava num poste de ferro, girando para mostrar uma cicatriz de cesariana vermelha como um salmão. Olhei a dançarina durante um tempo e admirei seus sapatos de plataforma salto 12, sólidos o suficiente para abrigar um cardume de peixes em cada uma de suas solas transparentes. Lição número um: até uma garota que acabou de parir pode ser glamourosa com os sapatos certos.
– É claro – eu disse. – É óbvio. Sou exatamente o tipo que você está procurando.
– Você pode me mostrar o seu corpo? – perguntou o Grisalho de um jeito sacana. Suspirei, deixando para trás a primeira de muitas barreiras do meu ego, enquanto tirava o casaco de inverno comprido e revelava o meu (totalmente vestido) corpo. Eu era uma garota riponga, com o corpo parecido com um baixo, mas aceitável. Não tinha nenhuma cicatriz recente ou um cromossomo Y, e o sorriso perfeito era testemunha de anos de aparelhos dentários durante os meus puros e inocentes tempos de menina. O Grisalho continuava em dúvida: – Você pode me mostrar? – repetiu ele enfaticamente, os mamilos masculinos sacudindo como tofu macio.
– Tipo um teste? Não tenho nada para vestir – murmurei.
Ele esperava que eu trepasse com ele? Quer dizer, eu tinha visto milhares de filmes pornôs com cenas de “testes”. Sabia como a banda tocava e eu não ia montar no Grisalhinho em nenhum depósito isolado. O rosto enrugado do Grisalho ficou ainda mais enrugado, como uma máscara de Carnaval vagabunda. Ele parecia profundamente irritado com a minha relutância de mulherzinha em tirar a roupa e cavalgá-lo como um cavalo campeão.
– Sim, como um teste.
– Eu não trouxe uma roupa de apresentação – repeti. – Não tenho nenhuma roupa especial. Só queria me inscrever na Noite Amadora. É na quinta, não é?
– É – disse o Grisalho, resignado. – Apareça, então.
Saí do bar desestimulada pela conversa cheia de indiretas do Grisalho, mas comprometida com o meu plano bobo e idiota. Em casa, anunciei meu plano a Jonny. Ele ficou surpreso com a idéia inesperada, mas gostou na hora. Sério, o cara não hesitou. Como se eu tivesse sugerido tomar sopa no abrigo para mulheres pobres ou praticar ioga, e não fazer strip num bar a menos de dois quarteirões de nossos locais de trabalho. Amo esse cara porque ele é bem porra-louca.
– Você vai à Noite Amadora do Skyway? Acho legal, sinceramente – disse Jonny. – Você tem que ensaiar na minha frente. Preciso ver que tipo de movimentos pretende fazer.
– É uma pena que você não possa estar lá: é na quinta.
Geralmente, a filha dele dormia lá em casa às quintas, e eu não achava que meu showzinho deveria ser mais importante do que o tempo dele como pai. É o tipo de negligência paterna que pode resultar em terapia quinzenal.
– É… – disse Jonny, frustrado.
– Não se preocupe. Consigo fazer isso sozinha – tranqüilizei-o.
Sinceramente, eu queria fazer aquilo sozinha. O strip, apesar de público, me parecia algo estranhamente particular. Além do mais, se eu ficasse nervosa, escorregasse e caísse no palco, não queria fazer isso na frente do meu namorado gostoso da internet.
Na noite seguinte, me arrastei pela neve até uma loja de roupas de strip. Contrariando a imagem de cidade das galochas fedidas, camisetas de banda e luvas acolchoadas, Minneapolis é o lar de pelo menos quatro lojas que atendem a sua população curiosamente grande de strippers. Essa em particular, cuja dona é uma ex-dançarina com tino para os negócios, não fingia ser uma loja de lingerie; era estritamente para strippers. Eu havia passado por lá algumas vezes, a caminho de uma -lanchonete, e olhado a vitrine com as caixas de plataformas Ellie, as cor-rentes pseudoturcas de colocar no quadril e vendedores gays vestidos com redes, tipo meias arrastão, que iam da cabeça aos pés.
Suando em bicas no meu casacão, me dignei a entrar. As araras eram uma confusão de peças de lycra fluorescente, lantejoulas e estampas de animais; cordinhas, correntes e vários tipos de franjas pendiam das roupas. Naquele lugar, uma garota podia ser tudo o que quisesse, da Cher à Cheetara dos Thundercats. Havia biquínis tão absolutamente mínimos que ocupavam um espaço negativo. Havia vestidos de preços exorbitantes em preto, rosa e laranja berrante para aquelas que tiravam a roupa em cabarés e bares chiques. Havia tanguinhas e fios dentais que combinavam com o modelo de roupa mais horrível. Inventei nomes para os conjuntos mais chamativos: “Tigresa com lantejoulas”, “Sinfonia em verde e ocre” e “Brilho de diamante falso”.
Tudo era incrivelmente pequeno. Senti que minha bunda gorda podia estragar mais aqueles trajes do que uma tesoura. Os vestidos já eram ruins o suficiente, mas as calças de poliéster para strippers eram liliputianas. Juro que tive uma boneca chamada Cricket que usava calças maiores do que as -daquela loja. Infelizmente, eu preci-sava de algo maior do que PP para -cobrir minha bunda gorda e flácida. Pretendia usar um top preto normal e uma mi-nissaia de vinil que já tinha, então minha roupa de palco estava pronta, apesar de meio capenga. Mas comprei uma tranqüilizadora calcinha preta resistente a puxões, um boá preto de plumas e plataformas rosa choque de salto fino dez, com lantejoulas. Quando paguei os 45 dólares e saí da loja, me senti uma puta qualquer. Foi o melhor dia da minha vida.
Voltei para casa, coloquei o disco Hysteria, do Def Leppard (um presente de Dia dos Namorados para strippers, se houvesse um), e ensaiei um caminhar sexy pelo apartamento. Não sabia qual era o jeito ideal de uma stripper se movimentar, então tentei visualizar uma participante de concurso de modelos e a estrela da propaganda Bobbi Brown. No vídeo Cherry Pie, Bobbi balança sua cortina de cabelo louro platinado, franze os lábios vermelhos, que parecem recheados com gordura de cadáver, e pega um pedaço de torta de cereja que caiu bem entre suas pernas. O cabelo, os lábios e o jeito espetacular de pegar a torta me faltavam, mas eu podia fazer beicinho, desfilar e bater as asas como o Mick Jagger, graças a anos de prática escondida.
Um site que eu lia secretamente no trabalho me informou que as strippers deveriam se mover lentamente, mas eu tinha certeza de que os homens preferiam movimentos frenéticos sobre saltos altos à animação de um peixe em estado de coma. Inocentemente, me assegurei de que sabia que era sexy. Ainda assim, senti que a falta de coordenação motora que me acompanhara durante toda a vida seria difícil de superar. Enquanto me sacudia da cozinha até a sala, meus tornozelos trepidavam sobre os saltos estratosféricos, e apenas o carpete fofo parecia segurar meus passos. Me perguntei se sobreviveria à Noite Amadora sem esmagar meu cóccix e passar o resto da minha carreira de digitadora sentada numa almofada inflável em forma de anel.
A quinta-feira chegou rápido. Depois do trabalho, parei em casa e peguei meus apetrechos de stripper com as mãos tremendo. Voltei para o centro da cidade cedo demais e tentei matar o tempo numa megalivraria, me arrastando junto com velhos solitários e estudantes estrangeiros. Como tudo no centro de Minneapolis, a livraria apagou as luzes e fechou às 21 horas, e fui forçada a me dirigir ao bar. Dentro do Skyway Lounge, o ar esfumaçado dava ao ambiente a cor de um hematoma feio na canela.
O turno da noite estava a pleno vapor. Uma stripper subiu no palco com um biquíni que brilhava no escuro, fazendo caretas para qualquer um que ousasse olhar para outra direção. Todo o lugar exalava indiferença. Me apresentei na porta e fiquei aliviada ao ver que o Grisalho não estava lá.
– Estou aqui para a Noite Amadora – disse ao rapaz com pinta de gerente na chapelaria. Ele foi o primeiro dos homens perturbadoramente bem-apessoados que encontrei na indústria. Verdadeiros homens de terno e gravata, os garotos de ouro do comércio de corpos. Não faço a menor idéia de como esses mauricinhos acabam trabalhando no bas fond. O que aconteceu com os empregos para iniciantes nas firmas de venda de copiadoras?
– Ótimo – respondeu o garotão, me dando uma prancheta. – Escreva seu nome de guerra na lista. Pensei um pouco e escrevi “Docinho”. Achei bem engraçado.
– O.k., Docinho. A gente avisa quando estiver na hora de se vestir – disse o garotão. – Sinta-se à vontade para pegar um drinque se já tiver idade.
Mais bien sûr! Enquanto o barman checava minha identidade, percebi um bando tranqüilizador de strippers com jeito de meninas bebendo refrigerante e fumando. Uma delas usava calcinhas de algodão e marias-chiquinhas meio tortas. Ela se encolhia e chiava cada vez que um cliente passava e apertava seus peitos.
De repente, me ocorreu que eu seria uma das garotas mais velhas na competição, talvez a veterana naquele desfile de criancinhas. Aos 24 anos, aqui estava eu, cercada por adolescentes cobertas de lycra e exalando nuvens mentoladas na escuridão. Elas olhavam minha sacola com um misto de hostilidade e interesse. Estava na cara que eu não era uma profissional. Acenei para elas e olhei em volta do salão para detectar outras rivais em potencial. Houve uma rajada de ar gelado, e uma garota entrou no bar carregando uma mala do tamanho de uma banheira. Ela tinha cabelo ralo, num tom vermelho-ketchup, cara de coelhinho da Páscoa e dentes estragados. Não sei por que, mas ela era interessante de um jeito decadente. Deu um show ao arrastar sua mala estufada até uma mesa e se mandou para o bar.
– Tem um cigarro? – perguntou ela.
– Não fumo – me desculpei. – Só bebo. Muito.
– Eu ainda não posso beber – disse a garota, sorrindo como a foto do “antes” num consultório de dentista. – Só tenho 19 anos. – Ela notou minha sacola. – Você também veio para a Noite Amadora?
– É – disse eu, esperando me solidarizar com uma companheira iniciante. – Estou tão nervosa. Estou entrando em pânico. E você?
– Que nada, eu não. Faço strip há dois anos e nunca perdi uma Noite Amadora – disse a garota, com as gengivas inflamadas brilhando.
A stripper que estava no palco tinha tirado o sutiã e lançava insultos à multidão indiferente.
– Eu estou pelada, porra! – gritou ela. – Vocês podiam pelo menos olhar pra mim!
Um sujeito meio careca caiu numa gargalhada que mais parecia um milk-shake de nicotina sendo batido no liquidificador. Logo apareceu uma mulher com uma prancheta no pé da escada que levava ao camarim.
– Todas as participantes da Noite Amadora subam e se arrumem – gritou ela, com as mãos na cintura. Éramos sete. Fomos reunidas numa sala mal iluminada, com teto baixo e do tamanho de uma caixa de lenços de papel. A mulher que segurava a prancheta se apresentou como a “mãezona”, uma putinha violenta e louca por grana, vestindo jeans desbotados e com cara amarrada que, de algum jeito, parecia ter 15 e 50 anos ao mesmo tempo. A mãezona nos analisou rapidamente e disparou as regras da competição:
1. Não tocar nos clientes durante a performance. (Não que eu estivesse tentada a fazer isso, já que a maioria dos caras no bar parecia ter os ombros atrofiados e ser bem desprezível, como se vivessem à base de cigarro, conhaque barato e batatas fritas.)
2. Não tirar a calcinha para mostrar o patrimônio. (Ah, droga… Eu queria tanto dar uma amostra grátis da minha perereca.)
A mãezona nos deu o que era eufemisticamente chamado de “arquivos pessoais”: formulários em branco, com perguntas sucintas sobre nossos hobbies (crochê? colagem?) e posições sexuais favoritas (cachorrinho? frango assado?).
Deveríamos preencher as fichas e entregá-las ao DJ. Ele então compartilharia esses perturbadores detalhes pessoais com o público enquanto fazíamos nossas performances.
Uma das competidoras, apelidada de Destinée, que lembrava a tenista Venus Williams bêbada, parecia perplexa com seu perfil pessoal. Visivelmente menstruada, semivestida com uma camisola rendada, ela olhava para as perguntas.
– Não consigo ler isso. Alguém pode me ajudar a preencher? – perguntou ela, usando um bolo de papel higiênico para absorver o sangue que transbordava como uma enchente mexicana. Li as perguntas, mas ela não escutava. Seus olhos estavam inexpressivos e evasivos enquanto o sangue viscoso enchia suas mãos frouxamente transformadas em recipiente. Apressadamente, preenchi seu formulário com respostas inventadas. Acho que escrevi que ela queria ser harpista.
Kayla, a ruiva com quem eu havia falado, agora estava nua em frente ao espelho, apertando orgulhosamente seus seios pequeninos. Parecia pesar uns 40 quilos, os dois conjuntos de costelas visíveis através de sua carne translúcida. Ela me lembrou a mulher de vidro do Museu de Ciência de Chicago, cujos sistemas vasculares e o tecido do peito acendiam com um aperto de botão.
– Acabei de ter um filho e olha como estou bem! – berrou Kayla, batendo na sua barriga côncava. As outras garotas a ignoraram e se enfiaram em suas velhas lingeries. Uma negra estonteante e sensual, reluzente como uma peça de xadrez, se gabava dos 3 mil dólares que ganhara fazendo strip na semana anterior. Ela me examinou friamente enquanto eu ajeitava meu boá preto nos ombros.
– Você tem classe – declarou ela. – Deveria dançar num lugar sofisticado.
Murmurei um “obrigada” por entre meu boá e uma pena entrou na minha boca. Depois de umas rápidas perguntas, descobri que havia apenas duas autênticas amadoras na nossa equipe: eu e uma adolescente do Sudeste Asiático que havia trazido pelo menos quinze amigos para dar apoio moral. As outras faziam parte do circuito de strip da cidade e entraram no concurso pelos 200 dólares fáceis. Estava fodida! Sem coordenação motora, sozinha e obviamente meio passada, senti que não tinha chance.
Ainda assim, estava surpresa com o fato de que as garotas eram comuns. Sempre imaginei as strippers como as jezebéis dos quadros, vigorosas e perfeitamente pintadas, embelezadas pela genética e cheirando a perfumes doces como Passion. Mas ali, na luz amarelada do camarim, vi unhas roídas com voracidade, vulvas mal depiladas, peitos que pendiam como velhas meias esportivas e corpos de todos os feitios e modelos, da Ferrari ao Ferrado. Certo, eu estava num bar de strip de segunda categoria num dos estados menos glamorosos do país, mas mesmo assim… Se essas garotas podiam ficar peladas sem assustar a clientela, eu certamente podia tirar a roupa sem medo de ser expulsa do palco por uma multidão histérica. Minha confiança aumentou sensivelmente.
Entregamos nossos arquivos pessoais ao DJ e desci a perigosa escada rumo ao andar principal. Aquele concurso duvidoso estava para começar e os freqüentadores estavam inquietos. Tudo aconteceu muito rápido: fui a segunda, depois da surpreendentemente equilibrada Destinée (que parecia bem-sucedida em estancar seu sangramento). Respirei fundo e galopei para o palco ao som de Rag Doll, do Aerosmith. Estava preocupada com o meu equilíbrio sobre as mortíferas muletas cor-de-rosa, então me pendurei no poste e girei como uma cigana. Arranquei logo meu top para acabar de vez com aquilo.
O público parecia estar se divertindo, o tipo de reação esperada dos que olham para peitos, e alguns deles jogavam dinheiro no palco. Enquanto eu balançava entusiasmada o boá sobre a cabeça, olhei para meus seios nus, quase sem acreditar que ainda estavam ali. Meio que tinha esperado que eles se desintegrassem com a exposição, como vampiros retirados de seus caixões em pleno dia. Saltei para fora da minissaia de vinil com alguma dificuldade, chutei-a e então caminhei pela passarela vestindo nada mais do que minha calcinha super-resistente.
– Conheçam Docinho! – gritou o DJ por cima da música. – Aqui diz que seus hobbies são ir pra balada e fazer boquete! Suas posições sexuais preferidas são todas!
Sorri envergonhada para a multidão, que me olhava maliciosamente, e dei de ombros como se dissesse: “O que posso dizer? Sou uma ninfomaníaca excêntrica!” Um cara malvestido botou uma nota de 5 dólares no palco.
– Você tem que ganhar! – disse ele, e assobiou através da barba comprida à la ZZ Top.
Com a coragem renovada pelo cumprimento amistoso, decidi tentar um truque com o poste. Tinha visto strippers veteranas fazerem movimentos voadores, e presumi que não devia ser tão difícil. No entanto, como você deve se lembrar, às vezes elas caem do cavalo – ou do poste. Quando tentei passar uma perna em volta dele e rodar, um dos meus sapatos de salto fino prendeu, e o poste ficou no espaço entre o salto e a sola. Passei os desesperadores segundos seguintes (que na verdade pareceram um ano) tentando me desprender enquanto o público e as outras concorrentes gargalhavam. Oh, diabos!
Finalmente consegui libertar meu salto do poste e terminei a apresentação com o rosto rosa de alívio. Foi bizarríssimo ficar no palco quase pelada, já que sempre fui o tipo de garota que transa no escuro. Houve um leve pipocar de aplausos mornos e corri para fora do palco, protegendo meus seios dos olhares curiosos como se fossem filhos de celebridades.
Enquanto olhava as outras garotas, percebi que havia ignorado as modas no strip-tease. Em primeiro lugar, elas reclinavam as costas e abriam as pernas o suficiente para personificar um daqueles filmes educativos sobre os órgãos reprodutivos femininos. Chamavam isso de “trabalho de chão” (um termo que parecia inapropriadamente olímpico para um espetáculo tão pouco qualificado), o que provocava assobios de admiração da galera de pênis. Além disso, nenhuma sorria no palco, optando por expressões que iam da semi-inconsciência causada por soníferos a uma raiva abrasadora.
O julgamento foi feito com decepcionante falta de cerimônia (havia me imaginado com os braços cheios de rosas, uma coroa com diamante falso encarapitada no meu cabelo fedendo a fumaça). A gente se alinhou no palco, e o DJ mandou o público aplaudir a garota que queriam que ganhasse. (Diante dos aplausos fracos, dei um passo à frente e fiz um golpe de kung fu, em busca de redenção.) A asiática que parecia um cisne ganhou facilmente, já que havia trazido uma torcida organizada digna de um grande time de futebol. As outras garotas fizeram beicinho e marcharam para fora do palco sem grande alarde.
Não me importei muito com a derrota. Só queria botar minha roupa e ir para um lugar que não cheirasse mal. No camarim, a jovem Kayla estava puta. O rosto da garota estava vermelho, fervendo, e ela batia seus cascos de plástico como um cavalo treinado para contar.
– Nunca perdi uma Noite Amadora – bufou ela. – Deveria ter feito mais trabalho de chão. Normalmente enrosco minhas pernas em volta da cabeça e lambo meu cu. Os caras amam. Mas como hoje não tomei meu analgésico, não deu para fazer.
– Não se preocupe. Você poderá lamber seu cu da próxima vez – disse eu.
Pus de volta meu uniforme diário de trabalho, saí e chamei um táxi. Quando voltei ao útero bege do apartamento, Jonny e sua filha estavam dormindo em seus respectivos quartos. Podia ouvir a respiração irregular da criancinha e o ronco alto dele. Brinquedos de menina se amontoavam no tapete da sala, incluindo uma orgia de Barbies nuas, que terminara com um desmembramento parcial das bonecas. Uma caixa de suco vazia e amassada estava largada na mesa da cozinha, o perfeito símbolo da inocência. Eu me sentia abalada, mas segura, como se tivesse saído de um abrigo subterrâneo depois de uma explosão no atol de Bikini.
O Skyway Lounge nunca havia sido real para mim. Agora que eu havia estado lá e visto a vida real daquelas garotas, andando e conversando, sobrevivendo e fumando cigarros mentolados, o universo do strip não era mais tão distante quanto o Brasil (apesar de esses dois mundos terem em comum o estilo de depilação). Eu sabia que ia voltar.