ANDRÉS SANDOVAL_2011
Perícia ungular
Autoridade em unhas defende a abolição dos alicates
Clara Becker | Edição 58, Julho 2011
Ao ser apresentada a alguém, Daniele Honorato fita primeiro o rosto e pula direto para o que interessa: as unhas. Elas são a obsessão por excelência dessa publicitária paulista de 28 anos. “As unhas são o espelho da alma”, explicou ela, que virou autoridade na matéria cálcica. Daniele Honorato é dona de uma coleção de mais de 2 mil esmaltes, presta consultoria sobre o tema e assina um blog que é a bíblia das aficionadas.
A publicitária faz as próprias unhas todos os dias, impreterivelmente. “Tem dias que eu troco de esmalte mais de uma vez, basta mudar de humor ou de roupa”, disse. Com tanta prática, é compreensível que tenha adquirido a agilidade de um mecânico de Fórmula 1 na execução do seu ritual diário. Dos primeiros golpes de lixa à aplicação do óleo secante, a operação não lhe toma mais que quinze minutos, cravados. Ao final de um ano, ainda assim, terá dedicado 91 horas de sua vida (ou quase quatro dias) à higiene, cultivo e embelezamento das unhas.
O processo até poderia ser mais ágil, não fosse pelo inevitável gargalo da escolha do esmalte. Com tanta oferta, Daniele fica indecisa diante dos milhares de vidrinhos coloridos à sua disposição. Às vezes, deixa o acaso decidir e pega um esmalte de olho fechado. Em sua casa, em Arujá, na Grande São Paulo, os frascos ocupam todas as gavetas e móveis. A limitação de espaço é uma ameaça à expansão da coleção. “Se entrar mais um esmalte, terei que sair eu”, brincou.
Para Daniele, o tamanho das unhas reflete a personalidade da dona – ainda que o comprimento comportado das suas não seja exatamente uma tradução fidedigna do seu temperamento expansivo e obstinado. Na hora de escolher a cor, é preciso dosar a intuição com bom-senso. Esmaltes em tons de nude amarelado, que emulam a tonalidade da pele, não ficam bem nas suas mãos alvas, com dedos longilíneos. Mas as unhas do pé não precisam ser pintadas da mesma cor que as das mãos – basta que conversem entre si. “É uma questão de composição, as pessoas têm que saber brincar com os contrastes”, ensinou. “Ton sur ton fica ótimo, mas mão laranja e pé verde, não dá.”
Nada aflige mais Daniele Honorato do que um esmalte lascado na ponta da unha. “Chego a ter arrepios”, contou, com expressão de asco. Para evitar esse tipo de dissabor, a publicitária não sai de casa sem um kit para retoques antiacidentes. Outro pecado estético que a contraria sobremaneira são os esmaltes que secam fazendo bolhas. Atormentada pelo problema, escarafunchou a literatura técnica e concluiu que o calor é o responsável pelas bolhas. Desde então, nos dias quentes, ela só faz as unhas depois de segurar pedras de gelo, ou deixar as mãos no congelador por alguns minutos. “Tudo vale pela boa cobertura do esmalte”, alegou. “Nada mais horroroso que uma unha com superfície de Chokito.”
Por onde passa, a unhóloga prega uma revolução nos salões de beleza: quer o fim dos alicates usados para tirar as cutículas. A ferramenta foi abolida de sua vida quando se deu conta de que seu marido – que não faz as unhas – tinha cutículas mais bonitas do que as suas. “Quanto mais você tira a cutícula, mais ela cresce”, reza o mantra que ela repete para manicures de todos os quadrantes. “O Brasil é o único país em que existe o hábito de se tirar cutículas. É um absurdo, elas protegem a unha”, disse ela, com a convicção de uma ex-tabagista.
Na internet, Daniele Honorato vem se firmando como a principal expoente de um nicho editorial inusitado: a blogosfera de unhas. No casamento real celebrado no fim de abril, ninguém fez uma cobertura tão completa quanto a de seu blog. O leitor descobriu ali que Kate Middleton ganhou de presente de Camilla Parker Bowles um dia no The Nail Spa. A noiva fez esfoliação, hidratação e pintou as unhas com a manicure Marina Sandoval, do celebrado salão Jo Hansford, em Mayfair. A princesa optou por dois tons de rosa bem pálidos, quase transparentes. A especialista brasileira avalizou a decisão: “Achei ótima a escolha; vale lembrar que pintar as unhas é uma quebra de protocolo.”
Seu campo de atuação pode soar demasiado específico, mas o blog Unha Bonita já conquistou 1,5 milhão de acessos. É ali que, desde fevereiro de 2009, Daniele compartilha com os internautas seu conhecimento sobre cutículas, pauzinhos de laranjeira, esmaltes holográficos 3D, com glitter, cintilantes e cremosos.
A caixa postal do blog recebe toda sorte de dúvidas. “Que esmalte a Deborah Secco estava usando no Domingão do Faustão?”, quis saber uma internauta, há alguns meses. Daniele aceitou a pergunta como um desafio e correu atrás da resposta com rigor detetivesco. Analisou vídeos e fotos da atriz, mas não conhecia nenhum esmalte daquele tom de roxo rosado, com fundo envelhecido. Ligou para a Globo, não conseguindo pistas conclusivas. Matar a charada foi mais custoso do que ela imaginara: foi preciso descobrir o salão em que a atriz fizera as unhas e inquirir a manicure. A investigação foi exitosa: Deborah Secco usara o esmalte Drama 106 da Dolce&Gabbana, com as pontinhas das unhas pintadas de Preto Sépia da Risqué. Quem diria, não?
No ano passado, o varejo de esmaltes vendeu 600 milhões de vidrinhos e faturou 800 milhões de reais. O mercado é promissor, e o Brasil já é o segundo maior consumidor do mundo. O crescimento do setor valorizou profissionalmente Daniele, que agora é uma palestrante disputada. Mais de uma vez fabricantes de esmalte contrataram a jovem para falar sobre novas tendências em auditórios lotados de manicures.
A publicitária não revela quanto cobra por palestra. E diz que não está nessa por dinheiro. O trabalho é compensado quando ela descobre que senhoras de mais de 70 anos passaram a fazer as unhas depois que as netas lhes apresentaram o blog. Ou quando fica sabendo que mais uma brasileira renunciou a tirar suas cutículas. “É uma difícil conquista”, diz, com a voz levemente embargada. Ela adora ser reconhecida na rua. “Uma vez meu marido foi buscar o carro na concessionária e as mulheres do departamento financeiro pediram para eu ir até lá”, contou. “E olha que era em Mogi das Cruzes!”