Poemas impublicáveis
Os dentes tortos são minha infância
Fabrício Carpinejar | Edição 11, Agosto 2007
VICIADO
Antes da aula,
eu cheirava cola.
Confesso: cheirava cola com ânsia.
Levava os saltos da mãe
para consertar no sapateiro.
Escorado no balcão,
não apressava Anastácio,
boiava os olhos do olfato.
Ria depois dos colegas
que se contentavam
com o álcool do mimeógrafo.
DEPOIS DAS ROMÃS
Atirar a pasta pesada na cama,
livrar-me do uniforme branco
fechado até o último botão,
não falar nada na mesa
para ficar sussurrando com os cães
de chinelo e calção no pátio.
Da escola, o que mais aprendi
foi voltar para casa.
PONTO FRACO
Existe um único jeito de me envelhecer,
um único e irremediável.
Nenhuma perda em especial
me fará envelhecer.
Nenhuma dor em particular.
Nenhuma morte, eu me arriscaria a dizer.
Não será a barba grisalha, o tédio,
a dificuldade de subir a escada.
Não serão os ombros caídos,
o lápis sem ponta e os óculos
que enterro na cabeça para nunca mais.
O definitivo jeito de me envelhecer
é corrigir meus dentes.
Os dentes tortos
são minha infância.
PAPEL CARBONO
Ela reclama de minha fraca memória.
Fala alguma coisa, escuto, mas não guardo.
Juro que escuto, a deficiência não é auditiva.
É que não encontro um local seguro para guardar.
Há muito tempo deixei
de ser um esconderijo confiável.
PAPEL CARBONIZADO
Ela não reclama de minha fraca memória.
Agradece quando esqueço para aperfeiçoar a história.
Agradece porque nunca será repetitiva para mim.
Estou sempre interessado quando sua voz emudece.
Ela perdoa homens sem memória,
mas não perdoa homens sem imaginação.
OPORTUNISTA (ou Chamfort)
O fim ainda é um meio.
O político vê em seu cadafalso
mais uma chance de subir ao palco.