Poesia
| Edição 33, Junho 2009
A BELA E A FERA I
Em cruzar
a sala zumbindo
sua navalha o besouro-ébano espanta
o piano que se ergue atrapalhado,
plantado na ponta das
patas
sem poder,
do chão, tocar o ouro
absoluto da negra couraça que inseta
o ar ali com sua canção. E o pobre
Steinway supõe ser
a nave
um
sinal, um
seu semelhante, um filho talvez.
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A BELA E A FERA II
Em cruzar a sala zumbindo o ouro negro
de sua couraça
o besouro
absoluto
ébano espanta
o piano que, plantado no chão, ergue-se
atrapalhado na ponta das patas sem poder
tocar a nave que
navalha
o ar
com sua canção-verniz. E
o pobre Steinway supõe ser o inseto
ali um sinal, um seu semelhante,
talvez um
filho.
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NA GÁVEA
Luís Miguel Nava
Ocorre-me de vez em quando a idéia de que o
homem que nos barcos sobe à gávea o faz na
realidade apenas para perscrutar a sua própria
pele, obter dela uma outra perspectiva, funcionando
o mar como uma representação muito
aumentada, qualquer coisa como uma metáfora
ou uma lente. É pelo menos desse homem
que eu me lembro sempre que sobre a minha
pele, inquieto, me debruço, a avaliar os mais
leves prenúncios de intempéries.
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PEDRA
Zbigniew Herbert
A pedra
é uma criatura perfeita
igual a si mesma
percebe seus limites
é perfeitamente preenchida
por seu sentido de pedra
seu cheiro não lembra nada
não assusta não excita
seu ardor e frieza
são justos e dignos
sinto um grande remorso
quando a pego na mão
e seu corpo nobre
é envolvido pelo meu falso calor
– Pedras não podem ser domadas
até o fim nos olharão
com olhos calmos e transparentes
Tradução_Sylvio Fraga Neto e Danuta Nóbrega
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OBJETOS
Zbigniew Herbert
Os objetos inanimados são sempre corretos e,
infelizmente, não se pode censurá-los por nada.
Jamais vi uma cadeira deslocar o peso de um
pé para outro, nem uma cama empinar-se sobre
as patas traseiras. E as mesas, mesmo quando
cansadas, não ousam dobrar os joelhos. Desconfi o
que os objetos ajam assim com intenção
pedagógica, a fi m de nos reprovar constantemente
por nossa instabilidade.
Tradução_Paulo Henriques Britto