ILUSTRAÇÃO: FLÁVIA RIBEIRO_2007
Poesias
Três poemas do livro 'Tristia'
Osip Mandelstam | Edição 6, Março 2007
Tristia
1
Aprendi a ciência da despedida
No desabrigo, em noites de ansiedade.
O boi rumina, a espera é longa lida,
Está no fim a vigília da cidade,
E à noite do galo, rendo homenagem,
Quando, ao longe, olhos miraram em pranto,
E, suspenso o peso da dor da viagem,
Mulher e musa uniram choro e canto.
2
Quem pode, na palavra – despedida,
Prever que separação nos espera,
Ou a que o canto do galo nos convida,
Quando a acrópole em chamas reverbera,
E na aurora de uma vida nova,
Quando o boi rumina à sombra indolente,
Por que o galo, arauto da vida nova,
No muro da cidade, adeja impaciente?
3
Mas o ofício de fiar me fascina:
A lançadeira trama, o fuso ressoa.
Olha: como uma pena de cisne,
Descalça, ao teu encontro, Délia voa!
Oh, urdidura frouxa de nossa vida,
Como é pobre a língua da alegria!
Tudo está feito – um repetir sem saída:
E só reconhecê-lo delicia.
4
Numa travessa de barro lavada,
Jaz a figura em cera transparente,
Como pele de esquilo esticada,
Que a moça mira com luz de vidente.
Do Érebos grego, não nos vêm profecias.
Às moças, serve a cera; a nós, o cobre duro.
Só nas guerras nossa sorte se anuncia,
Mas mulheres, até morrer, vêem o futuro.
***
“Como o luxo de mantos e adereços
Me dói, na desonra que padeço!”
– Sobre a pétrea Trezena,
Desgraça grassará sem pena;
O palácio, pleno espelho
Da vergonha, se verá vermelho.
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——-
E para a mãe enamorada
Nascerá um sol negro.
“Quem dera o ódio fervesse em meu peito sem dó…
Mas, vê: a confissão caiu dos lábios por si só.”
– Fedra arde como labareda negra
Em pleno dia.
O facho fúnebre fumega
Em pleno dia.
Da mãe, Hipólito, não te achegas:
A Fedra-Noite te vigia e te cega
Em pleno dia.
“Com o meu amor negro, manchei o sol…
Vem, morte, em limpa taça, esfriar meu pó…”
– Assustados, não ousamos
dar consolo ao soberano.
Ferida por Teseu,
A noite o abateu.
Com nossos cantos de luto,
Pondo os mortos em seu reduto,
Traremos ao insone sol negro,
E ao seu ardor de fera, o sossego.
***
Feras nas jaulas
1
Paz: palavra expulsa pela sanha
De uma era ultrajada e bruta;
Brilha o castiçal na funda gruta,
E ar – éter – de terras de montanha;
Éter, que não tivemos gana
nem ciência de respirar.
Retornam, trêmulas, a cantar
Desgrenhadas flautas de cana.
2
Enquanto pastavam bezerros
E cordeiros as gordas espigas,
E velavam águias amigas
Nos ombros sonolentos dos cerros,
O alemão uma águia nutriu,
O leão rendeu-se ao inglês,
E a alta crista do gaulês
De um topete de galo emergiu.
3
Mas hoje o selvagem se arvora
E toma de Héracles a clava,
Esgotou-se a boa terra de lavra,
Infrutífera, como outrora.
De um galho seco que se preste
Para a faísca, o fogo eu farei,
Deixe fugir para noite agreste
A fera que eu alarmei!
4
O leão e o galo, a águia austera,
E larga, e o urso benfazejo –
Para a guerra, ergueremos um despejo,
Teto e calor para o couro das feras.
E eu canto dos tempos o vinho –
A fonte do idioma italiano –
E no berço proto-ariano,
O eslavo e o germano linho!
5
É inútil, Itália, não percebes?
Perturbar a Roma imperial
Com cacarejos de ave de quintal
Que voou por cima da sebe.
E tu, vizinha, não te confundas –
A águia se eriça, irada:
Que fazer se a tua funda
Não se presta a uma pedra pesada?
6
Depois de enjauladas as feras,
Gozaremos sossego e folga,
Vai subir caudaloso o Volga,
E brilhar o Reno de outras eras –
E os homens, sábios e sadios,
Ao estrangeiro, à semelhança
De um semideus, honrarão com danças,
Sobre as margens dos grandes rios.