ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Protesto imperial
Os monarquistas contra Dilma
Tiago Coelho | Edição 108, Setembro 2015
“Você deve achar que sou o único monarquista do país”, disse Daniel Roque. O estudante de cinema de 20 anos estava desde as nove da manhã de prontidão em frente ao Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Aguardava seus correligionários, com quem havia combinado pelo WhatsApp de se encontrar para os protestos daquele domingo, 16 de agosto – em instantes começaria uma passeata na avenida Atlântica pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O rapaz trazia na lapela um broche com o brasão do Império do Brasil e carregava com zelo uma bandeira imperial enrolada num mastro de madeira. A avenida já estava cheia, mas nada de aparecerem seus pares. “Fique tranquilo que daqui a pouco chega mais gente.”
Apesar do calor crescente, nem uma gota de suor brotava na testa de Roque, e cada fio de sua cabeleira preta estava no lugar. O estudante escolheu para o domingo uma camisa polo verde-musgo fechada até o último botão, mas costuma se vestir de modo mais formal. Em seu quarto há uma tela pintada a óleo em que ele posa como um nobre do século XIX, envergando um terno preto, um pincenê preso ao nariz, o olhar altivo perdido no horizonte e a mão direita segurando uma bengala.
Passava de nove e quinze quando chegou o primeiro colega de Roque – Alan Freitas, um empresário de Petrópolis de 44 anos que diz ter a monarquia no sangue por viver na cidade imperial. Em seguida vieram dois senhores com ar sexagenário, um deles chanceler do Círculo Monárquico do Rio de Janeiro. Completaram o grupo um português e um adolescente de 16 anos que administra uma página do movimento monarquista no Facebook. Em tom solene e acompanhado da mãe, o garoto se desculpou pelo atraso e convocou que marchassem.
Alan Freitas não parecia se incomodar com o contingente modesto do grupo. “Somos poucos, mas, como diz o ditado, nos menores frascos, os melhores perfumes.” Loquaz, o petropolitano testava o conhecimento dos colegas sobre os símbolos monárquicos enquanto marchava. “Você sabe que música é essa?” Com fala esbaforida e gestual performático, nem esperou a resposta. “Pois saiba que essa melodia foi tocada durante a coroação de dom Pedro II.” E acrescentou: “Aposto que você aprendeu na escola que a cor verde da bandeira representa as matas, e o amarelo, o ouro. Errado. O verde representa a casa de Bragança e o amarelo é uma homenagem à casa de Habsburgo, à qual pertencia dona Maria Leopoldina da Áustria, mulher de dom Pedro I”, explicou, em tom professoral. “Pena que não ensinem essas verdades nas escolas.”
Daniel Roque sacudia sua bandeira de um lado para o outro com a desenvoltura de um baliza em desfile militar. Os monarquistas traziam insígnias do Império brasileiro presas nas vestes. Embora engrossassem os gritos contra Dilma e o PT, pouco se misturaram com os outros 20 mil manifestantes. Ao longo do trajeto, mais simpatizantes da causa munidos de bandeiras se juntaram a eles, inclusive jovens que ajudaram a diminuir a média de idade do grupo. Ao atingirem um terço do trajeto, já eram trinta.
Até a Constituição de 1988, defender a volta da monarquia era proibido por lei. Hoje, os simpatizantes se manifestam livremente em sites e nas redes sociais. A causa só não tem um partido político – seus adeptos alegam que a figura do monarca precisa ser apartidária e representar apenas os interesses do povo.
A Constituição previu também um plebiscito para decidir a forma e o sistema de governo do país, realizado em 1993. A monarquia parlamentarista amealhou quase 7 milhões de votos, ou 13% do total. Maggui de Broux, mulher de um dos sexagenários, era sócia de uma empresa de marketing político que prestou serviços para a campanha monarquista e abraçou a causa. Na internet é possível ver uma das peças publicitárias, cujo jingle terminava com a exortação “Vote no rei”.
Aos 70 anos, Broux é uma mulher jovial, de cabelos louros e curtos e uma das mais animadas do grupo. Para ela, a defesa da volta do Império é tanto uma questão política quanto estética. “A monarquia dá um charme, um glamour, um plus”, argumentou. Ela citou o exemplo da família real de Mônaco, que dá um sentido de unidade e pertencimento ao povo, “como uma religião”.
Sobre nossa República, Broux tem opiniões pouco lisonjeiras: “É de uma pobreza aquela gente malposta, sem cultura, sem compostura.” Ela vai além na crítica. “Aqueles políticos são gordos, melentos, parece que não estão limpos. Um horror.” (Não que os monarcas portugueses, antepassados da família imperial brasileira, fossem exemplos de forma esbelta ou hábitos higiênicos, como mostram dom Afonso II, o Gordo, e dom João VI.) Dos políticos contemporâneos, Broux só alivia a barra dos senadores Aécio Neves e Ronaldo Caiado, que considera exemplos de finesse republicana.
No final do percurso, depois de muito insistir, um monarquista de bermuda conseguiu subir no trio elétrico e, lá do alto, sacudiu um grande lábaro imperial como se tivesse acabado de conquistar o Everest. O microfone foi passado a Alan Freitas, que iniciou um discurso inflamado a favor da moralidade política. Os colegas do movimento monárquico já davam sinais de cansaço e não deram muita bola para sua fala. O empresário só arrancou alguns aplausos quando, no meio do falatório, pronunciou as palavras “Império do Brasil”.
O momento de maior glória para os monarquistas veio no meio do trajeto, quando avistaram enfim um legítimo representante da realeza. No meio do povo, vestindo bermuda e camisa branca, estava dom João Henrique de Orléans e Bragança, o dom Joãozinho, bisneto da princesa Isabel. Ainda que não esteja na linha direta de sucessão do trono na eventualidade de uma volta do Império, ele é um habitué das colunas sociais e causou frisson entre os monarquistas, que fizeram fila para tirar selfies ao seu lado. Questionado se não gostaria de se incorporar à marcha monarquista, dom Joãozinho desconversou. “Estou aqui defendendo a democracia.”