Quarto de acumular: no apartamento do Jardim Paulista, em São Paulo, a dependência de empregada virou despensa, enquanto ao banheiro minúsculo (com o chuveiro alinhado à pia e ao vaso sanitário) sobrou apenas a função de cantinho da bagunça CRÉDITO: TABA BENEDICTO_2022
Quarto de esquecer
Um ensaio fotográfico sobre as dependências de empregada
Taba Benedicto | Edição 191, Agosto 2022
Ao aceitar o convite da piauí para realizar um portfólio fotográfico sobre os quartos de empregada não imaginei as dificuldades que iria encontrar. Foi simplesmente impossível fazer uma foto mostrando um quartinho ainda habitado pela empregada.
Os donos dos apartamentos em São Paulo apresentaram várias desculpas para evitar que esse espaço de suas casas fosse fotografado. Alguns disseram temer pela “segurança” deles e dos funcionários; outros afirmaram que a empregada não dormia no local.
Nos casos em que as fotos foram autorizadas, já não havia empregada fixa vivendo na residência. Sendo assim, o local havia adquirido outras funções: às vezes um pequeno escritório; mais frequentemente um depósito de objetos. Foram mudanças pelas quais passaram as dependências de empregada, depois que o Estado por fim resolveu se ater ao direito das trabalhadoras domésticas.
Em uma casa no bairro de Pinheiros, a dependência de empregados, com saleta, quarto e banheiro, tornou-se um pequeno museu doméstico, com sua coleção de retratos e objetos, um lugar que garante à família o acesso a fragmentos do seu passado (porém não há nada que recorde as trabalhadoras que viveram ali). Para esses moradores, o quartinho é um arquivo de lembranças que se deseja preservar por um tempo, mas que pouco a pouco, como os papéis velhos, irão para o lixo.
Com a pandemia e o home office, em muitas casas a dependência de empregada acabou virando um escritório, como se o morador relegasse aos fundos da casa essa parte de sua vida que diz respeito ao trabalho. Em seu apartamento no bairro de Higienópolis, um jovem influenciador fez do quartinho o espaço onde cria suas postagens para as redes sociais e tenta enobrecer o local com livros e flores.
Em outro apartamento nos Jardins, encontrei uma das funções mais comuns reservadas atualmente à dependência de empregada e ao banheirinho, com a pia, o vaso e o chuveiro disputando a área minúscula: os dois espaços viraram um depósito de tudo (ferramentas, tranqueiras, mantimentos, materiais de limpeza). O quarto e o banheiro se transfiguraram em “cantinhos da bagunça”, onde se junta tudo que não deve ser exposto ao olhar das visitas.
Os moradores se esforçam para se “reapropriar” do quarto da empregada, de repente vazio e disfuncional, deslocando para aquele anexo pouco valioso da casa todas as coisas menos importantes de suas vidas, ou aquelas que estão destinadas ao futuro descarte e ao esquecimento.
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