ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2013
Que feio, Mônica
Arrombaram a festa da dentuça
Malu Delgado | Edição 88, Janeiro 2014
Os três funcionários da farmácia lançaram o olhar em direção à obra – vamos chamá-la assim – e, acanhados, disseram que, sim, sabiam do que se tratava. Seria mesmo o que parece? É com pesar que assentiram constrangidos. Asseguraram que ela, a obra, fora depositada discreta e silenciosamente naquela mesma madrugada, ali na Haddock Lobo com a avenida Paulista, ao lado da Monicrânio, título intrigante da criação do artista Crânio.
Eram duas obras, portanto: a de Crânio e a de Anônimo. A primeira, integrando a Mônica Parade, evento que ocupou São Paulo por um mês, tempo julgado curto por uns e longuíssimo por outros; a segunda, surgida misteriosamente no domingo, 8 de dezembro, último dia das festividades que espalharam pela cidade cinquenta esculturas da personagem Mônica, aquela do dentinho para fora. Feitas em fibra de vidro e com 1,60 metro de altura, as peças foram concebidas por 49 artistas escolhidos por Mauricio de Sousa. O quadrinista – autor da quinquagésima escultura, fiel à original – convidou a tropa para fazer uma releitura – usemos o termo – da doce malvada dos gibis, em celebração ao cinquentenário da personagem.
Naquele domingo, Ellen Agnes Soares Lima, jovem funcionária da banca de revistas da localidade, relatava a uma amiga detalhes da intrigante instalação anônima: um rolo daquelas espumas de hidroginástica habilidosamente torcido em círculos concêntricos, em cujas reentrâncias o artista depositou argila, o todo pintado em azul, verde, amarelo, vermelho e rosa. Não havia como escapar da inapetente conclusão: estávamos em terreno escatológico, ainda que de corte psicodélico. “Tem uma parte que você mexe e parece mole. Outra parte dura. Parece um cocô colorido.” O dia raiara, a banca abriu às seis horas, e a obra já repousava sobre um banco de madeira, a menos de 1 metro da Monicrânio.
“Já destruíram um pedaço”, observou Ellen. “Do cocô?”, horrorizou-se a amiga, Luciana Abdala, design de moda. “E você colocou a mão nisso?” Tomando fôlego, Luciana acercou-se da instalação. Desabrida, especulou que aquela “merda” entraria para a história. Minutos depois, fez nova inspeção e, empreendedora nata, deu-se conta do potencial publicitário da novidade: “Eu devia colocar uma plaquinha da minha loja no banco para ver se vendo mais.”
De fato. Não eram poucos os transeuntes que se encantavam com a peça, desprezando solenemente Monicrânio. A secretária Eliana Lombardi, de 49 anos, disse à filha caçula: “Vai lá, minha filha. Tira a foto com o cocozinho…” Tinha levado quatro das cinco filhas – a mais velha preferiu o namorado às Mônicas – para a Paulista, e agora enxugava o suor do rosto. “O que estamos rodando atrás dessas Mônicas você não tem noção”, contou.
“Para mim é uma bosta à la Romero Britto”, decretou o publicitário e esteta Ítalo Gaspar, de 23 anos. Considerava as Mônicas o grau zero do espírito. “Passei por algumas, não dei bola. Já isso aqui despertou minha curiosidade”, disse, referindo-se à obra concorrente. Antes de se retirar, fotografou a escultura – a que lhe interessou, não a outra, está claro.
Eram quase oito da noite e as Mônicas da avenida Paulista – que ganharam notoriedade pela localização privilegiada – passavam os últimos momentos a céu aberto. Em frente ao Conjunto Nacional, fãs e curiosos faziam fila e disputavam a calçada pelo direito a uma foto ao lado da Monica Pop 50, peça que contou com a distinção de ter sido roubada. Inicialmente colocada na Oscar Freire, a rua de lojas de grife dos Jardins, a estátua do artista Lobo desapareceu em 8 de novembro e foi encontrada uma semana depois num terreno baldio no município de Guarulhos. O episódio teve o mérito de conferir algum interesse ao natalício da Mônica.
Crânio deu gargalhadas quando soube da obra colocada ao lado de sua criação. “Bom, as pessoas têm ideias, é normal”, ponderou. Disse tratar-se de “merda cinematográfica”, ou seja, porcaria com cachê artístico. Crítico atilado, lançou-se de pronto às interpretações: “Pode ser que ele ache a Mônica Parade uma merda. Ou quem sabe não considere o próprio espectador das Mônicas um merda. Sei lá.”
A prefeitura impôs à organização do evento que fosse colocada pelo menos uma escultura nas proximidades de cada uma das 32 subprefeituras da capital. “Claro que a arte tem de chegar à periferia, mas como são poucas peças e há muita periferia em São Paulo, seria preciso mais obras para se ter essa força”, diagnosticou Crânio. Cinco CEUs (Centros Educacionais Unificados), criados na gestão de Marta Suplicy, receberam Mônicas.
Na última sexta-feira da Parade, Patrick Oliveira Silva, de 12 anos, brincava no DEU Parque Anhanguera, a 34 quilômetros da Mônica Pop 50. O menino lamentava o fato de ter tirado foto apenas ao lado da Mônica à la Tikka, criação de Tikka Meszaros, exposta no centro de educação, cultura e lazer. “Não gostei muito dela, não. Tem a cor esquisita, o vestido não é vermelho, e o Sansão” – o coelho que a dentuça usa como arma – “não tem nada a ver com azul.” Patrick viu no Cartoon Network que havia mais Mônicas em exibição. “Eu tinha vontade de ver as outras”, suspirou, mesmo sabendo que não teria como deixar o Morro Doce – “que de doce não tem nada” – para circular pela cidade em busca das esculturas.
Na madrugada de segunda-feira, as Mônicas deixaram as ruas, e com elas foi-se a peça escatológica, de cujo destino ninguém sabe. As cinquenta estátuas foram levadas para um shopping paulistano. Monicrânio foi colocada no 1º andar, quase impecável, como se pintada horas antes. Mônica Pop 50 parou no 3º. Mônica à la Tikka foi descoberta, depois de uma busca extenuante, lá no subsolo. Mônica Candy Memories, vermelha como uma bala de morango, foi instalada em frente a um grande painel com a reprodução de uma obra de Romero Britto. Só resta torcer para que o publicitário Ítalo Gaspar passe por ali.