Reali Jr (1941-2011)
Em novembro de 2002, o site Nomínimo, hoje extinto, publicou a seguinte nota sobre o jornalista Reali Jr, que faleceu em São Paulo em 9 de abril
| Edição 55, Abril 2011
Na paralela
Reali Jr completou em outubro trinta anos de França. Nascido há sessenta anos em Bauru, no interior de São Paulo, ele passou metade da vida, conforme diz, “na paralela”: à margem da sociedade francesa, ainda que a conheça de trás para frente, adore morar em Paris e tenha feito bons amigos entre os nativos. Não é um expatriado nostálgico nem desses brasileiros esnobes que fala com sotaque francês, ou simula dificuldade em achar determinadas palavras em português.
Para políticos e jornalistas de passagem por Paris, o correspondente da Jovem Pan e de “O Estado de S. Paulo” é uma referência. Foi amigo de João Goulart, tem boas relações com José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. E sabe de tudo que se passa nas principais redações brasileiras.
Ele é o jornalista brasileiro que está há mais tempo na França. “Vim para passar dois anos, mas fui ficando, ficando e fiquei”, conta. Ele saiu do Brasil por motivos políticos e profissionais. Adolescente, foi dirigente da União Paulista de Estudantes Secundaristas e militou no Partido Independente, de centro-esquerda. O golpe de 1964 o pegou trabalhando como repórter político na TV Record. Seus colegas, entre eles Maurício Loureiro Gama e Tico-Tico, fizeram uma lista dos jornalistas de esquerda e a entregaram aos militares. A lista tinha mais a ver com acerto de contas profissionais e disputa de cargos do que com política. Mesmo assim, Reali ficou um tempo na geladeira, afastado de suas funções.
Quando as retomou, foi escalado para entrevistar o governador Ademar de Barros, no aeroporto de Congonhas. Encontrou na porta da Record com um amigo, o humorista iniciante Jô Soares, e foram juntos para a cobertura. No aeroporto, que estava cheio de policiais e militares, deu de cara com Tico-Tico, que lhe abriu um sorriso, o saudou – “Realinho!” – e partiu para o abraço. Reali – póft! – desceu-lhe o braço. Reencontraram-se quase vinte anos depois, em Paris: Tico-Tico pediu desculpas e Reali o perdoou.
Em 1967, Reali ganhou o prêmio Governador do Estado de melhor repórter político do ano. Subiu no palco, olhou o auditório, repleto de autoridades, e dedicou o prêmio aos colegas presos. Fez-se um silêncio acabrunhante. O gesto em nada contribuiu para melhorar suas relações com os militares. O II Exército passou a negar-lhe sistematicamente credenciais para coberturas político-militares.
Reali chegou a ter cinco empregos simultâneos (TV Record, Jovem Pan, “Correio da Manhã”, Diários Associados e TV Tupi) e ganhava mal em todos. Resolveu tentar uma vaga de correspondente na Europa, aonde já havia viajado para fazer reportagens para a Record. Escolheu Paris. Não era fácil. Tinha quatro filhas, com idades entre um e nove anos. Falava o francês que aprendera na escola. Jornais e emissoras raramente tinham correspondentes fixos. “Tudo era difícil, mas eu era moço e minha vocação de repórter político estava truncada”, lembra.
Conseguiu acertar-se com a Jovem Pan, a TV Record e os Associados. Desembarcou em Paris em outubro de 1972. A época coincidiu com a popularização da Fórmula Um no Brasil, graças às vitórias de Emerson Fittipaldi. Seguiu o piloto pela Europa.
Em 1973, atritou-se com os Associados e começou a trabalhar para o “Estadão”, a princípio como freelance. O motivo da briga foi a queda de um avião da Varig perto do Aeroporto de Orly, quando morreram Filinto Müller, Agostinho dos Santos e Regina Leclery. O jornal argentino “Clarín” noticiou que um atentado terrorista derrubara o avião. Os Associados, em busca de escândalo e sensação, passaram a publicar as matérias do “Clarín”. E engavetavam as de Reali que, acompanhando diariamente a investigação francesa, informava que não havia a hipótese de atentado terrorista. Reali pediu demissão. “Até porque os Associados estavam atrasando ou não pagando salários”, completa.
O “Estadão” passou a encomendar matérias com frequência. Fez tantas que ficou mais barato contratá-lo. Reali viveu então o que chama de sua “grande fase” profissional. Do lado brasileiro, teve contato com os exilados, que frequentemente se reuniam na sua casa. Aproximou-se de Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes. Mesmo longe do Brasil, tinha acesso a tudo o que se passava na política nacional.
Do lado internacional, cobriu a morte de Franco na Espanha, a Revolução dos Cravos em Portugal, o assassinato de Sadat no Egito, a guerra Irã-Iraque (ficou dois meses em Bagdá), a guerra do Líbano e a eleição de Mitterrand.
Com o fim da ditadura, quis voltar ao Brasil. Queria acompanhar a redemocratização, viver a política, trabalhar em redação, retomar sua carreira. Pensou bem e desistiu. Sua mulher, Amélia, estava bem adaptada. As filhas, agora, tinham entre onze e dezenove anos. Iam bem na escola, só tinham amigos e namorados franceses, faziam planos para um futuro em Paris.
“Ficar em Paris não é propriamente um sacrifício”, brinca Reali. Enraizou-se: suas filhas casaram com franceses, tem cinco netas, comprou uma casa de campo na Normandia, fez mais amigos.
Sua vida continua, no entanto, na paralela. “Gosto dos franceses, nunca fui discriminado e até profissionalmente sou obrigado e viver os problemas da França, mas fico à margem da sociedade”, diz. “Não porque a integração seja impossível. É que eu sou brasileiro. Bastou eu abrir a boca, no primeiro ‘a’ se percebe que sou estrangeiro. E faço questão de manter o sotaque. Não quero ser francês, por mais que goste da França. Quero continuar a ser brasileiro”.
Quando Reali telefona para pedir uma entrevista a um francês, no entanto, ele é cada vez mais reconhecido. E não apenas pelo sotaque, e sim como um brasileiro especial: sempre lhe perguntam se ele é o pai da famosa atriz Cristiana Reali.