Reflexões sobre as faces da direita e as ruínas da esquerda
| Edição 123, Dezembro 2016
FACES DA DIREITA
Entre os erros da esquerda e a ascensão da direita, outro assunto muito em pauta é o extremismo exacerbado que divide a população não só no Brasil, cuja pior consequência é a intolerância com o contrário, com o diferente. Cultivar o ódio à oposição anda cada vez mais comum, e o diálogo, cada vez mais raro. A empatia e a alteridade estão em extinção. Por isso, agradeço e parabenizo os perfis como o de Bolsonaro (“Direita, volver”, piauí_120, setembro) e o de Janaina Paschoal (“A acusadora”, piauí_122, novembro). São duas figuras que eu hostilizava de forma veemente e que agora consigo enxergar como “seres humanos”. Ainda não concordo com eles e criminalizo atitudes de ambos, mas pelo menos me sinto livre daquele ódio que cega e que me impedia de entender e conversar com o divergente.
ANDRESSA SANTA CRUZ_FLORIANÓPOLIS/SC
Janaina Paschoal demonstra um senso magnífico de autocrítica ao qualificar o impeachment de Dilma Rousseff, que protagonizou, como uma “porcaria”.
ARMANDO FREITAS FILHO_RIO DE JANEIRO/RJ
Sou leitora da piauí e aprecio muito os textos de qualidade que a revista produz.
Entendo que a oportunidade de retratar uma pessoa polêmica do momento pode ter motivado a revista a perfilar Janaina Paschoal. A reportagem foi útil ao apresentar aos leitores uma figura despolitizada (a infeliz foto que ilustra o perfil apenas reforçou essa imagem) e sem qualquer ação realmente importante na construção da nossa história – um peão cujo ímpeto foi muito bem usado no jogo dos tronos da política brasileira.
Mas gostaria muito que a revista agradasse alguns de seus leitores de sempre, como eu, e oferecesse o perfil de um brasileiro, não precisa ser famoso, que venha trabalhando de forma contínua para tornar o Brasil um país um pouco melhor, e tenha obtido sucesso em seus projetos. Educadores, empreendedores, trabalhadores sociais, há gente de todo tipo que pode compor o leque de opiniões da piauí e merecer textos mais extensos do que os que integram a seção Esquina, e mais relevantes do que o perfil da sra. Paschoal.
ANA FLÁVIA L. M. GERHARDT_VOLTA REDONDA/RJ
Excelente a matéria de Julia Duailibi. A foto da entrevistada está simplesmente arrasadora! A trajetória de vida de Janaina e irmãos é um exemplo de dedicação e esforço no sentido de buscar um sentido positivo para suas vidas. E como conseguiram! Mas – sempre há um mas –, recomendo que Julia Duailibi se enfronhe com mais cuidado na história de São Paulo e nos assuntos relacionados à Revolução Constitucionalista de 1932. Os paulistas não pegaram em armas contra o governo de Getúlio Vargas, mas sim contra uma ditadura implantada no país, acidentalmente liderada por esse senhor. Com relação ao espírito revolucionário dos paulistas, eu recomendaria que a autora lesse um pouco sobre fatos bem antigos como a luta dos paulistas contra os holandeses, franceses e outros piratas. Sobre a descoberta das minas de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso e o alargamento de nossas fronteiras muito além de Tordesilhas. Só esses “pequenos” fatos já mostram o espírito revolucionário dos paulistas. Mas o que é lamentável é classificar 1932 como a “segunda e definitiva derrota da mesma elite que já havia sido vencida em 1930”. Julia Duailibi, você já ouviu falar da Constituição de 1934? Ademais, o termo elite não é bem adequado no que se refere a 1932. A verdade é que toda a população se engajou no conflito. Meu pai, por exemplo, lutou no Batalhão Princesa Isabel, um batalhão de negros que com boa vontade aceitou meu pai branco. Tenho em mãos documento de revolucionário que, finda a breve luta, retornou à vida civil e, simplesmente, não tinha meios de sustento. Como era bom músico, compôs um hino em homenagem ao movimento e, para se sustentar, vendia a partitura de casa em casa dessa São Paulo vencedora, não derrotada. Aliás a “elite”, termo muito desgastado atualmente, implantou uma universidade e ajudou muito para que São Paulo fosse o que sempre foi, a mais importante (em todos os sentidos) unidade da federação.
NELSON PENTEADO DE CASTRO_SÃO PAULO/SP
Não sem apreensão li o perfil de Janaina Paschoal nas boas letras de Julia Duailibi. E tive a certeza de que as falas fascistas da agora conhecida advogada foram amenizadas, embora ainda revelem a ânsia dessa mulher em se firmar na selva do direito brasileiro, já que, academicamente, não é melhor que a média de seus pares. As inconsistências de seu trabalho foram evidenciadas pela forma como foi aprovada em sua livre-docência e também pela relutância de seu orientador em embarcar na tese do impeachment. Mas triunfou, e seu histrionismo será registrado não apenas como elemento do golpe de 2016, como também pelo estabelecimento da vitória no grito de teses insustentáveis dos pontos de vista legal e econômico. E creio que até político, uma vez que no Senado houve o fatiamento do julgamento para não cassar direitos políticos de Dilma Rousseff. Veremos o que mais advirá dessa ex-cara pintada e neojurista pseudoantipolítica.
ADILSON ROBERTO GONÇALVES_CAMPINAS/SP
Concorde-se ou não com as ideias da Janaina Paschoal (e eu não concordo), não tem como não se apaixonar. Por seu entusiasmo juvenil, seu cabelão e sua pressa de viver. O texto sempre primoroso da nossa Julia Duailibi e a foto fantástica da Ella Dürst completam uma das melhores matérias do ano.
DJALMA ROSA_SÃO SIMÃO/SP
Aos poucos a sedimentação do tempo e as historietas esparsas compõem a sinuosa farsa do impeachment de Dilma Rousseff. O perfil escrito por Julia Duailibi traz, nas entrelinhas, alguns elementos importantes para a escolha precisa das personagens. Mulher, Janaina Paschoal foi um álibi perfeito para o pseudocombate entre a mesma e Dilma porque forjava uma dimensão exclusivamente feminina, enquanto os verdadeiros varões interessados (Aécio, Serra, Cunha e Temer) apareciam como coadjuvantes. Todo machismo latente da política podia, por assim dizer, ser relativizado. Nacionalista inconteste, inclusive nas vestes amarelas e com bandeira em punho, a advogada encarnava o espírito “Verás que um filho teu não foge à luta” que insuflou as massas, em especial a classe média, uniformizada com camisas da CBF.
Embora Janaina acredite piamente que teve um papel preponderante no processo, ela foi tão somente um clown da direita: histriônica e eloquente, seus gritos, aos tolos, pareciam fazer sentido, mas argumentos mesmo não havia. Na história do impeachment, Janaina não passa de uma caricatura, assim como o foi também, em certa medida, Hélio Bicudo (que fez o importante papel de inocente ressentido). Ao personagem juridicamente relevante, Miguel Reale Júnior (o experiente ex-ministro de FHC), ninguém prestou atenção. Contudo, o arremate do processo, quando as manifestações já eram irrelevantes, foram dois atos inequívocos do juiz Sérgio Moro que levaram a torcida às ruas e ao desfecho do impeachment (a condução coercitiva de Lula e o ilegal vazamento dos grampos).
HAROLDO HEVERTON SOUZA DE ARRUDA_SÃO PAULO/SP
O MASCARADO
Excelente matéria sobre V. S. Naipaul de Alejandro Chacoff (“O exilado”, piauí_122, novembro) que, aliás, ilustra a alta qualidade dos colaboradores da piauí ao longo dessa sua década de vida. Além de informativo, o texto faz refletir sobre as limitações de um debate literário realmente universal no mundo de hoje.
Passado o período de entusiasmo pelos estudos pós-coloniais, fica a sensação de que houve, sobretudo, assimilação. Nos casos de Naipaul e de Derek Walcott, e talvez de Salman Rushdie e, em menor medida, de J. M. Coetzee, a inclusão de autores no mainstream literário da língua inglesa não implicou necessariamente a real ampliação das fronteiras culturais e a erosão da dicotomia entre “centro e periferia”. Ao contrário, talvez a “misantropia etnocêntrica” de Naipaul e o “nativismo” de Walcott tenham contribuído para reafirmar o status quo.
Chacoff observa, com razão, que autores latino-americanos têm participação modesta nos debates internacionais sobre as humanidades e a literatura contemporânea. Creio, porém, que o articulista deixou de mencionar elemento importante para se entender o problema, que é a questão do idioma. Naipaul, Walcott, Coetzee e Rushdie escrevem naquela que seria a “língua franca” dos nossos tempos, o que naturalmente facilita a circulação de suas palavras e ideias. Por outro lado, autores latino-americanos, escrevendo em português ou espanhol, forçosamente interpõem uma barreira linguística a críticos, leitores e “formadores de opinião” internacionais que não dominam os idiomas em que originalmente foram publicados – ainda que, vale lembrar, somados, existam cerca de 700 milhões de falantes das duas línguas no mundo.
Hoje, no Brasil, e imagino que em outros países da América Latina, há autoras e autores cujos romances versam sobre temáticas de apelo universal, e que contextualizam seus universos ficcionais fora das fronteiras nacionais, afastando-os dos estereótipos culturais mais óbvios. Ainda assim, enfrentam dificuldades em alcançar público internacional mais amplo devido ao idioma. Infelizmente, saindo do mundo anglófono, parece não haver muitos escritores, exceto tipos como Haruki Murakami, Amós Oz e Orhan Pamuk, que conseguem ter suas vozes ouvidas mais além do contexto linguístico/cultural de onde vêm.
GUSTAVO SÉNÉCHAL_BRASÍLIA/DF
ERIKA BRONZE
Parabéns a Roberto Kaz (Chegada, “À procura da marquinha perfeita”, piauí_122, novembro). Pauta meio surreal abordada de forma perfeita. Um texto que deixou sua marquinha.
RENATA CORTE MARTINHO_JUNDIAÍ/SP
NOTA DO DEPARTAMENTO DE BONS COSTUMES: Não foi só o texto que ficou com a marquinha. O pudor nos impede de publicar uma foto de biquíni do repórter Roberto Kaz. Afiançamos que é de deixar o queixo caído. É consenso na redação que Kaz, praticante do jornalismo participativo, desta vez foi longe demais.
QUERO MAIS
Que venham mais textos como esse de Ana Cássia Rebelo (“A vulgaridade silenciosa, invisível”, piauí_122, novembro). Excelente. Essa portuguesa, data venia, é do carvalho.
JOSÉ ANÍBAL SILVA SANTOS_TEÓFILO OTONI/MG
NOTA PEDAGÓGICA DA REDAÇÃO: Na edição 90 da revista (março de 2014) publicamos outra autoficção de Ana Cássia Rebelo (“Bonjour, tristesse”).
PIAUÍ_122
Entrei no ônibus com a piauí de novembro. Seriam 400 quilômetros entre Rio e São Paulo, mas viajei a tantos mundos, outros países e épocas distantes! Foram seis horas em que não passei sentada, mas voei pela União Soviética, conversei com as velhas senhoras varridas de suas certezas, entendi por que Aleksiévitch foi a vencedora do Nobel de 2015, enfim, vivi na ex-URSS entre 1979-81 e novamente em 1991 (“O fim do homem soviético”, piauí_122, novembro). Atravessei as estepes e fiquei lado a lado com Mori e seu filho Mati impregnando-se de cheiros e emoções nas terras japonesas (“Okāsan”, piauí_122, novembro), e até me vi em terras brasileiras quando entendi, por fim, o que a mídia mal nos mostrou: como nasceu – de verdade – a ideia do impeachment (“A acusadora”, piauí_122, novembro). Muito bom!! E ainda tenho mais para ler, que sorte.
RENATA DEL SOLDATO_SÃO PAULO/SP
RUÍNAS DA ESQUERDA
“Por questões de clareza e espaço, piauí se reserva o direito de editar as cartas selecionadas para publicação na versão impressa da revista.” Os leitores somos injustiçados: essa política da “escrita mínima” também deveria ser aplicada a alguns colaboradores, como o xaropão do Ruy Fausto, que usou treze páginas para dar azia em Sonrisal (“Reconstruir a esquerda”, piauí_121, outubro); outro delirante foi o tal André Singer comparando o molusco-mor com Roosevelt (“O lulismo nas cordas”, piauí_111, dezembro 2015). Sugiro que à seção delírio Tribuna livre da luta de classes seja dado um limite de três páginas: quem exceder tal espaço será remetido à Carta Capital. Para ocupar o espaço restante, publiquem qualquer coisa dos repórteres Malu Gaspar, Consuelo Dieguez, Bernardo Esteves, Paula Scarpin e Tiago Coelho. Façam essa moçada excelente trabalhar – nós, leitores, agradecemos.
MARCOS CARVALHO_SÃO PAULO/SP
Muito bom, bem fundamentado e pertinente o artigo do Ruy Fausto sobre a esquerda. É uma autocrítica (enfim ela!) corajosa e mais do que necessária. Além de trazer análises que apontam algumas “doenças infantis”, Ruy desvenda algumas “más-formações” da esquerda, como a questão do totalitarismo. Esperar que uma “ditadura do proletariado” seja exercida só em nome dos trabalhadores, e não em prol de sua casta dirigente, é uma ingenuidade a respeito do ser humano e da força do poder em corromper corações e mentes. Acabamos de viver isso aqui no Brasil, com os “companheiros” no (bem-bom do) poder, muitos pedindo o controle da imprensa.
E muito bem lembrado o fato histórico de que, quando Marx escreveu sua teoria, Freud ainda não tinha produzido a sua, revelando outras dimensões do humano, não antevistas pelo autor de O Capital. Digamos que Freud tenha escrito sobre outro lugar: “a Periferia”, ou melhor, “o Interior” humano. Depois dele, a afirmação comunista/idealista “trabalhar conforme as possibilidades e receber segundo as necessidades” ficou definitivamente exilada na ilha de Utopia.
O autor traz muitas questões importantes e abre vários espaços para conjecturas, debates etc. sobre as possibilidades de se “exercer” a esquerda, evitando desvios já acontecidos. Uma delas, por exemplo, sobre a questão central da organização democrática, da representação dos cidadãos. Sobre isso estamos imersos num pântano de ideias paradas, sempre com a desculpa de que o atual “é o pior dos sistemas, mas o melhor que podemos ter”. Uma balela sobre a democracia, que obviamente não é uma coisa única nem estática. Ruy de alguma maneira corrobora a forma atual, abrindo somente uma brecha para “formas de democracia direta” ou participativa. Este ponto merece mais reflexão e criatividade. Creio que o autor esteja aberto a discussões sobre o tema. O fato é que a esquerda precisa se repensar, se atualizar e parar de ficar culpando a todos, como faz o PT.
Como senão, as muitas linhas sobre fundamentalistas como Olavo de Carvalho, Marilena Chaui e Reinaldo Azevedo, sobretudo. Muita tinta para pouca coisa.
Teria elogios a fazer a vários outros artigos com que a piauí nos tem brindado. Mas, como Jack, vamos por partes.
CARLOS RALPH LEMOS VIANA_FLORIANÓPOLIS/SC
NOTA ADMOESTATÓRIA DA REDAÇÃO: Jack é um péssimo exemplo, por que guiar-se por ele? Elogia o resto, Carlos.
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