A reputação de Gotlib na berlinda
| Edição 125, Fevereiro 2017
ANAIS DA EDUCAÇÃO
Há certas reportagens que doem na alma. Em “Pátria iletrada” (piauí_124, janeiro), o estudo do passado nos faz ver um acinte do começo ao fim. Do Império à República, o agora livre-docente Renato Colistete nos ensina que houve um intencional cultivo da ignorância dos mais pobres.
A população brasileira tem uma ultrajante história educacional de humilhação, sobretudo no que a reportagem identifica como os fundamentos sociológicos e econômicos da manutenção do poder pela via da reprodução da desigualdade escolar. No plano objetivo e concreto (o número de vagas), para ficar no exemplo mais gritante da reportagem, 90% das crianças americanas foram para a escola na virada do século XIX para o XX, enquanto aqui essa marca fora atingida apenas na década de 90 do século passado. Se ao Estado caberia a criação e manutenção dos espaços de conhecimento, no plano subjetivo, vemos o quanto se perdeu na perpetuação de um “habitus familiar” (como diz Pierre Bourdieu) que não foi capaz de desenvolver e aperfeiçoar nos indivíduos e seus descendentes os instrumentos cognitivos mínimos para a ascensão social. Ler, escrever e calcular permaneceriam para boa parte da população quase que uma transmissão hereditária de pais para filhos somente em famílias endinheiradas. A precária instituição escolar pseudorrepublicana contribuiu para a disseminação tristemente ideológica de que existem pessoas “que não dão para o estudo”, como se este fosse um dom natural dos sujeitos. Também pudera, dessa forma o Estado lava suas mãos e livra-se do seu dever, e a ideologia liberal culpa o indivíduo por sua ignorância alegando que ele não se esforçou o bastante, não tem mérito algum e a pobreza é seu destino. A reportagem de Rafael Cariello e Tiago Coelho deveria ser colada em todas as secretarias educacionais do país, e, claro, nas escolas estaduais de São Paulo que não forem fechadas pelo atual governador Geraldo Alckmin.
HAROLDO HEVERTON SOUZA DE ARRUDA_SÃO PAULO/SP
Saio da banca com a minha piauí_124 debaixo do braço (que naturalmente vai chamando a atenção dos passantes). E vou pensando no que me disse o jornaleiro: “O preço continua 19 reais…” E isso já faz tempo, impressionante! Vou atinando com os meus botões que eles lá mantêm tal preço porque estão ocupados demais com o regime para emagrecimento – da revista, claro.
Está deliciosa esta edição. O artigo “Pátria iletrada”, de Cariello e Coelho, é mesmo para fazer pensar. Percebo que, entre as razões que apontam para o nosso trágico atraso no desenvolvimento da educação, eles não destacam o desvio das verbas públicas que poderiam ter sido liberadas justamente para essa finalidade. Nas muitas cidades do país há famílias abastadas que disputam o poder há várias gerações. Mostram-se inimigas no plano político, mas na verdade se alternam no poder – isso quando ainda existem grupos rivais. E não são abastadas ao acaso, muitas delas chegaram a tanto graças aos engenhosos meios de desvios do dinheiro público em benefício próprio. Quero dizer com isso que, ainda que tenha havido algum clamor cidadão por escolas e educação, ainda que tenha havido liberação controlada dessas verbas pelo poder central para seus aliados etc., ainda assim com certeza aconteceram desvios. Como ainda acontecem, por certo.
Mas esta revista vale o quanto pesa e o quanto eu pago por ela… cada centavo! Não à toa, tenho todas.
P.S.: Jesus Cristo!!! Gotlib voltou!!! Isso é assustador… apavorante. E o subtítulo “Pérolas aos poucos” é uma vergonha… um acinte… é muita ousadia… uma declaração de guerra.
LUIS CARLOS HERINGER_MANHUMIRIM/MG
NOTA DA REDAÇÃO: Duas coisas. Primeira delas: guardemos todos, entre comovidos e alertados, a constatação forte do jornaleiro acerca do nosso preço de capa. Para os sonsos ou para aqueles que não estão ligando o nome à pessoa, aqui vai: “O preço continua 19 reais…” Ao que o leitor acrescentou, com sensatez e espanto: “E isso já faz tempo, impressionante!” Segunda coisa: piauí não entra em guerra para perder. Declarado o conflito, partimos para o ataque com o que os americanos chamam de “força desmesurada”. Gotlib – que não voltou, mas se foi (que Deus o tenha) – abrilhanta as páginas 67 e 68 desta edição. Rá!
QUESTÕES EXISTENCIAIS
Ao ler “Elogio ao tédio” (piauí_124, janeiro), lembrei-me do Albert Camus de O Mito de Sísifo. No texto de Joseph Brodsky, o autor fala do tédio e da nossa finitude e irrelevância no universo, bem como da falta de sentido da própria existência. Camus, por sua vez, fala também da falta de sentido da vida, mas ressalta que negar um sentido à vida não significa que ela não valha a pena ser vivida. Brodsky diz a mesma coisa em outras palavras: quanto mais finita uma coisa, mais repleta de emoções, alegria, medos etc. Camus explica ainda que o homem tem desejo de compreender, mas não consegue – sua única certeza é de que a morte é a única realidade. Em suas palavras: “Não há amanhã. Esta é, a partir de então, a razão da minha liberdade profunda.” Enfim, concordo com ambos sobre essa interpretação da vida – eu a vejo como uma compreensão ateísta e penso que a muitos leitores poderá não agradar, mas acho muito pertinente e oferece muita matéria de reflexão. Por mais textos assim!
MARIANE SAUER_JARAGUÁ DO SUL/SC
CASO SÉRIO
“Descobri que te amo demais”, diria o Zeca, quando me vi no espelho, com o secador da namorada na mão, folheando página por página da edição 124 encharcada pelo temporal da noite anterior, esquecida que fora na mochila no futebol. A verdade é que já havia perguntado antes, pro meu amigo Rodolfo, que começou a te assinar de tanto me ver lendo, como podia ele ter deixado cair suco na 123, justo sua primeira edição de assinante. Logo eu, que já até peguei autógrafo do meu amigo Junior, também jornalista, autor de uma Esquina (a melhor parte da revista, pra mim) na 96. Será que tanto amor merece uma 124 nova pra coleção e uma 123 pro Rodolfo?
PAULO MARCONDES_SÃO PAULO/SP
NOTA FILOSÓFICA DA REDAÇÃO: Como diria a Presidenta em seu finado diário, amor sem cultivo é base aliada sem cargo: não termina bem. 123 e 124 a caminho.
TRIBUNA LIVRE
Excelente e de tamanho adequado o artigo de Samuel Pessôa (“A armadilha em que a esquerda se meteu”, piauí_123, dezembro 2016). Tão coerente e claro que praticamente fecha a questão. Penso que nossa esquerda, com 90% de emoção e 10% de razão, vai contestar. Quanto à disputa PT versus PSDB, para mim, que entrei na USP em 1964, fica difícil de entender, pois os dois partidos tinham nas origens o grupo de “exilados” que na volta receberam indenizações e se empoleiraram em bons cargos políticos. Parece mais luta de vaidades do que de verdades.
MAURICIO FRIZZO_NITERÓI/RJ
Muito oportuno o texto “Reconstruir a esquerda” (piauí_121, outubro 2016). Quem acompanha o desenrolar político brasileiro esperava há muito um balanço autocrítico por parte da esquerda. O texto é excelente não por estapear o Partido dos Trabalhadores, mas por cutucar a ferida purulenta que foram seus governos de conciliação. Identificar o estelionato eleitoral de Dilma em 2014 como metonímia dos governos petistas é lucidez.
No que se referia à esquerda de raiz, o autor não poupou também o claudicante PSOL, que apesar da sigla meio refúgio, meio luz no fim do túnel – cujos méritos parlamentares estão mais nas provocações jurisdicionais feitas no STF do que no âmbito legislativo, não por demérito, mas por ser meia dúzia de freiras em convenção de pornografia mesmo –, persiste em se solidarizar com governos antidemocráticos da América Latina. Além disso, o autor é preciso em sua anatomia dos porta-vozes da direita na imprensa, que ora polemizam o inútil e ora desinformam sobre o essencial. A conclusão do autor como possível rota para a esquerda é sensata, uma vez que a economia de mercado já não é alternativa, mas pressuposto contemporâneo, da mesma forma que é a democracia.
Surpreendente para mim foi a escolha da revista para responder o texto na edição seguinte. O autor de “A armadilha em que a esquerda se meteu” pretende debater, quando apenas responde uma interrogação de modo com adversativas. Descredenciar a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas de modo passivo-agressivo, além de deselegante, é de infantilidade que não cabe nesta revista, parece-me. Em seguida, pergunta qual a evidência de que o Estado de bem-estar social foi desmontado no Brasil. Como se não bastasse ignorar lição elementar de história do Brasil, qual seja, a de que nunca houve Estado de bem-estar social por aqui, o autor passa a atochar (termo já utilizado pela revista) números num frenesi típico de quem pretende explicar política com uma tabela, números esses que não corroboram sua tese. Dentre os absurdos, afirmar que a demonização do governo FHC é o problema da esquerda é desafiar nossa inteligência. O que foi demonizado e é motivo da crise atual é essa forma de governar comum ao príncipe, ao operário e à impedida: acomodar o PMDB e distribuir as migalhas aos partidos de aluguel.
Alguém avise o professor Samuel Pessôa que aqui não há clientes do rentismo, mas leitores.
ÁLVARO MERLOS AKINAGA CORDEIRO_SÃO PAULO/SP
DONALD TRUMP
Todo mês é com muita expectativa que espero a revista chegar em casa. Assim que a edição 123 se fez presente aqui, me indaguei o motivo de mais uma capa a respeito de Donald Trump. Piorou aquela sensação de assunto repetido quando, ao folhear a revista, me deparei com não apenas uma, mas duas matérias sobre o mesmo. E não parou por aí minha incredulidade. Como um leitor consciente e ciente da qualidade jornalística da revista, quis logo me aventurar pelo texto de capa, mas tive uma baita surpresa ao ver o minúsculo tamanho da resenha. Como assim, piauí? Vocês se destacaram dos demais meios de comunicação impressos justamente dando abertura para conteúdos extensos e extremamente bem escritos. Acha que acabou por aí? Não mesmo. Fiquei me perguntando qual motivo fez vocês escolherem tal matéria para a capa em detrimento da sensacional reportagem sobre a educação para ocupar o referido espaço.
DIOGO PEIXOTO DA SILVA_ARAGUARI/MG
NOTA APREENSIVA DA REDAÇÃO: Ai, ai, ai. Sugerimos ao leitor que desvie os olhos da capa corrente e vá logo para o ensaio de Ta-Nehisi Coates sobre Obama, artigo que certamente o ajudará a mitigar a desconfiança de que estamos em plena política de redução dos textos publicados. De resto, em defesa da frequência de nossos artigos sobre Trump, gostaríamos de argumentar que as consequências da eleição norte-americana são potencialmente graves não só para quem lá vive, mas também para o resto da turma neste planeta. A sustentar a tese, basta listar as iniciativas tomadas desde o dia em que o novo presidente assumiu a caneta. Não há migrante, refugiado, floresta, urso polar ou organismo internacional que não será afetado.
VARIEGADOS
Sou leitor da piauí há anos e todo mês ensaio escrever uma carta para a revista. Mas a preocupação em conseguir o timing certo (não tão longe da última edição, não tão perto da próxima) sempre me faz perder o “prazo”. Dessa vez, mesmo sem ainda ter recebido a última edição, resolvi escrever logo. E fiz isso não porque desejava ansiosamente escrever sobre alguma reportagem específica – apesar de não faltar vontade, como sobre o instigante perfil da filósofa Martha Nussbaum (“A filósofa dos sentimentos”, piauí_122, novembro 2016) –, mas por querer falar justamente das cartas dos leitores. Confesso que inicialmente dava pouca importância para essa parte da revista, mas hoje em dia é uma das primeiras sessões que leio, fascinado com a diversidade de leitores que a revista abarca. Há sempre leitores muito sagazes e eruditos, que alargam o poder das reportagens, mas os posicionamentos variam desde os que criticam a revista por gastar energia demais com políticos da direita brasileira até os que defendem o pioneirismo e a superioridade de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 32! Considerando que escrever uma carta exige disposição e vontade, me admira o espírito argumentativo desses célebres leitores, e agora também me submeto ao crivo da redação dessa querida revista.
LEONARDO AZEVEDO_JUIZ DE FORA/MG
NOTA DA REDAÇÃO: É com prazer que informamos que o veredicto da redação é unânime. Você passou com brilho pelo crivo.
A piauí está tão ridícula que podia se chamar São Paulo…
MARIA DE FÁTIMA NÓBREGA_RIO DE JANEIRO/RJ
PIADA RIDÍCULA DA REDAÇÃO: “O que existe em comum entre um jornalista paulistano e um jornalista carioca? Os dois adoram falar mal de São Paulo!” Como bons piauienses, estamos fora dessa. Rá-rá-rá!
DEZ ANOS DE PIAUÍ
Acabei de ler Tempos Instáveis (Companhia das Letras) e não pude deixar de enviar meus comentários. O livro está incrível: do prefácio até o último texto, acredito que ele cumpre sua missão de mostrar a última década do país e do mundo por meio das reportagens publicadas pela revista. Inclusive a forma como o livro está dividido, pensada com primazia pela organização.
As reportagens finais ainda comentam as dificuldades do jornalismo em tempos atuais e acredito que, como diz o prefácio, a piauí vai na contramão dessa tendência, trazendo jornalismo de qualidade e com informações precisas. Só senti falta do perfil do economista Delfim Netto, que para mim foi um dos perfis mais marcantes desde que sou assinante. Apesar de conhecer grande parte das reportagens selecionadas, foi um prazer relê-las na ordem como foram dispostas. Parabéns a toda a equipe. Já aguardo o próximo livro e as próximas revistas.
GUSTAVO RIGONATO_AMERICANA/SP
–
Por questões de clareza e espaço, piauí se reserva o direito de editar as cartas selecionadas para publicação na versão impressa da revista. Para as cartas publicadas em nossa versão eletrônica (www.revistapiaui.com.br) procuramos manter a sua forma e tamanho originais. Somente serão consideradas para publicação as cartas que informarem o nome e o endereço completo do remetente.
Cartas para a redação:
redacaopiaui@revistapiaui.com.br