Dentre as mais de 20 milhões de fotos no National Archives dos EUA, a do rei do rebolado com o presidente careta é a mais solicitada FOTO: OLIVER ATKINS, 1970_RICHARD NIXON PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM
Rock na Casa Branca
Como Elvis Presley pediu a Nixon para ser agente do FBI
Dorrit Harazim | Edição 45, Junho 2010
A constatação foi feita pela National Archives and Records Administration de Washington, a instituição federal encarregada da preservação de tudo o que documenta a história oficial dos Estados Unidos: uma banal fotografia de quarenta anos atrás, de escasso valor simbólico, tornou-se o documento mais solicitado até hoje para reprodução. Destronou inclusive a ata da Constituição e a Declaração de Independência, os campeões de audiência até então. Não é pouca coisa ser o primeiro da lista de um acervo que agrupa, entre outras categorias, 9 bilhões de páginas de texto, mais de 20 milhões de fotos, 365 mil rolos de filme, 70 mil gravações e 7,2 milhões de itens cartográficos.
A história por trás da foto começou numa noite de dezembro de 1970, quando dois hóspedes vindos de Los Angeles e, no dia seguinte, um vindo de Memphis, no Tennessee, ocuparam as suítes 505, 506 e 507 do Washington Hotel. Registrados como coronel Jon Burrows, Jerry Schilling e Sonny West, tomaram café da manhã bem cedo e rumaram a pé até a Casa Branca, situada a poucos quarteirões de distância. Burrows levava consigo uma carta manuscrita de seis folhas, endereçada ao presidente Richard Nixon. Levava também uma pistola Colt calibre 45, acomodada numa caixa de madeira.
Ao se apresentar aos guardas do portão da ala norte, Burrows deixou de ser Burrows e aposentou o “coronel”. Identificou-se, corretamente, para espanto dos guardas: “Meu nome é Elvis Presley.” Informou estar ali porque precisava dar uma palavrinha com o presidente. Ou, pelo menos, fazer chegar às suas mãos a importante carta que havia escrito de próprio punho.
Aparição e pedido tão insólitos desencadearam resposta igualmente incomum. Enquanto o Rei do Rock’n’Roll e seus dois amigos guarda-costas aguardavam na guarita, o envelope foi levado ao assessor presidencial Dwight Chapin para avaliação. Escrita em garranchos, rabiscados sobre papel de bordo da American Airlines, a missiva sugeria improviso e urgência. Num dos trechos, Elvis Presley dizia:
“Não pleiteio cargo nem nomeação para um posto fixo, mas posso e serei mais útil se puder me tornar um Agente Federal Itinerante… Do meu jeito, posso ser de grande ajuda, dada a minha capacidade de comunicação com pessoas de todas as idades… A cultura das drogas, os elementos hippies, o SDS [Estudantes para uma Sociedade Democrática], os Panteras Negras etc. não me veem como inimigo.”
Dwight Chapin ordenou que os portões se abrissem. Elvis foi conduzido ao gabinete de Egil “Bud” Krogh, assessor jurídico da Casa Branca, para explicar melhor seu pleito de obter um crachá do Departamento de Combate às Drogas do FBI. Ter Elvis-the-Pelvis associado à figura sinistra e careta de Nixon seria uma dádiva, pelo bom motivo que o presidente provocava urticária na juventude. Apostando no impacto de um encontro Elvis-Nixon, Krogh despachou o rei do rebolado de volta ao Washington Hotel, com instrução de que aguardasse uma convocação.
Enquanto isso, Chapin redigiu um memorando de duas páginas ao chefe de gabinete da Presidência, o linha-dura H. R. Haldeman, também conhecido como “Muro de Berlim”. Recomendou que Nixon se reunisse com Elvis Presley naquele mesmo dia. Seria uma oportunidade de ouro para o presidente conhecer alguns jovens de talento. Apesar de cético, Haldeman aprovou o pedido, e ordenou a elaboração de uma ficha que informasse o presidente sobre o propósito da visita e fornecesse tópicos de conversa com o cantor de Hound dog e Blue suede shoes.
Informado pelo telefone de que seu pleito de saudar o presidente fora atendido, Elvis teve 45 minutos para se apresentar na Casa Branca. Pontualíssimo, chegou de limusine às 11h45 no portão combinado. Seus dois guarda-costas tiveram de ficar num prédio anexo. E a pistola cromada da Segunda Guerra Mundial não pôde ser dada de presente a Nixon no Salão Oval, como imaginou fazer. Teve de entregá-la aos cuidados do Serviço Secreto. A arma integra hoje o acervo público da Biblioteca Richard Nixon em Yorba Linda, na Califórnia.
A ata oficial da audiência, redigida pelo assessor jurídico “Bud” Krogh é substantiva, mas não dá conta do descompasso entre anfitrião e visitante. Imediatamente depois da sessão de fotos, Elvis espalhou sobre a mesa presidencial distintivos policiais da Califórnia, do Colorado e do Tennessee, com o seu nome. Também mostrou fotos suas, com a mulher e a filha Lisa Marie, já autografadas.
A pergunta, feita de chofre, sobre se conseguiria um crachá do FBI, deixou Nixon hesitante. “Ele se dirigiu a mim”, contaria Krogh mais tarde, “repassando-me a pergunta. Só que eu não conseguia captar o que o presidente realmente queria que eu respondesse.” Nixon acabou aquiescendo, o que deixou Elvis extático de gratidão. Envolto pelo roqueiro num abraço fora de qualquer protocolo, o presidente retribuiu com um curto tapinha no ombro do visitante. “Aprecio a sua disposição em ajudar, sr. Presley”, disse-lhe.
Elvis, que servira com orgulho no Exército e sempre alardeou seu amor pela pátria, desejava com obsessão um crachá do FBI, ainda que fosse honorário, como o que recebeu. A mania vinha de longe e se tornara premente. Durante a audiência, revelou estar mergulhado há mais de dez anos no estudo de uma técnica comunista de fazer lavagem cerebral. E manifestou o receio de que os Beatles estivessem promovendo uma campanha antiamericana ao incentivarem a contestação, os protestos contra a guerra do Vietnã e o uso de drogas.
Antes de se despedir, Elvis pediu para apresentar seus dois amigos que aguardavam do lado de fora. A porta do Salão Oval se abriu, Jerry Schilling e Sonny West puderam entrar no santuário do poder mundial. E ainda ganharam um chaveiro de ouro com o selo presidencial que Richard Nixon tirou de uma gaveta. “Mas eles também têm esposas!”, lançou Elvis, espiando o conteúdo da gaveta por cima do ombro presidencial.
Com mais dois brindes oficiais no bolso, o trio se despediu do anfitrião e foi convidado pelo assessor Krogh a almoçar no refeitório da Casa Branca. Ao longo de todo o trajeto, Elvis Presley não parou de dar autógrafos. Ao final da visita, recebeu seu cobiçado troféu das mãos do vice-diretor do Bureau de Narcóticos e Drogas Perigosas. Ninguém disse: Ladies and gentlemen, Elvis has just left the building.
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