Rooney, em Enniscrone, no interior da Irlanda: seus personagens se comunicam em diálogos cortantes e pensados com esmero, frequentemente vistos como o ponto alto dos seus livros CREDITO: PERRY OGDEN_2021
Romance de geração
Como os best-sellers de Sally Rooney tentam decifrar os millennials
Victor Calcagno | Edição 186, Março 2022
Na cena inicial de Belo Mundo, Onde Você Está, livro mais recente da jovem autora irlandesa Sally Rooney, um casal tem seu primeiro encontro após se conhecer via Tinder. Ela, uma escritora de sucesso com crises de saúde mental e preocupação constante com problemas de justiça social; ele, um trabalhador braçal no galpão de uma grande varejista online, figura assombrada pela precarização laboral e instabilidade financeira. Ambos têm incertezas quanto à definição exata da própria sexualidade. Não sabem – e talvez nem queiram saber – o que querem para seu futuro, além de começarem a achar que estão envelhecendo. A autora escreve que “pareciam ser mais ou menos da mesma idade, ter 20 e tantos ou 30 e poucos anos”. Seguindo um roteiro clássico dos primeiros encontros nascidos dos aplicativos de paquera, a conversa mistura uma dose de constrangimento, reconhecimento de terreno e alguma provocação. Após alguns drinques no bar de um hotel, os dois se dirigem para a casa dela. Quando tudo parece se encaminhar para os finalmentes, ele comete o pecado mortal de tentar defini-la. “Sobre que tipo de pessoas você escreve?”, ele pergunta. “Pessoas feito você?” A resposta cortante é também a deixa para o casal se separar abruptamente e dar por encerrado o encontro fracassado: “Que tipo de pessoa você acha que eu sou?”
Para a multidão de leitores de Rooney mundo afora, críticos de sua obra ou agentes literários, a resposta para que tipo de pessoas são Alice e Felix, o casal descrito, é a mesma para todos os principais personagens da autora: millennials. Nascida em 1991, com três romances publicados, milhões de cópias vendidas e uma disposição para escrever histórias que juntam diversos aspectos e contradições dos jovens entre “20 e tantos e 30 e poucos”, Rooney ganhou vários epítetos para explicar o fenômeno que a acompanha – entre eles, “a primeira grande romancista millennial”, “Salinger para a geração Snapchat”, “romancista da era Instagram” e “Jane Austen do precariado”.
A eficácia de se dividir gerações e definir o que é ou não parte de uma “cultura millennial” (a geração é comumente fixada entre os que nasceram de 1981 a 1996) é muitas vezes questionada. Não há, afinal, uma linha cultural clara que separe uma criança que nasceu no fim de 1996 de outra nascida no início de 1997. Uma das possíveis maneiras de explicar o sucesso de Rooney é dizer que a autora deu uma cara literária a essa figura diversa e contraditória – um grupo caracterizado pela natividade digital e maior acesso à educação superior, mas também pelo desemprego e dificuldades para sair da sombra dos pais. Filhos dos chamados baby boomers (1946-64), vindos após a geração X (1965-80) e precedendo a geração Z (1997-2012) – todas as datas são as convenções mais aceitas para esses grupos –, os millennials, ou geração Y, em Rooney, assumem facetas sociais, políticas e culturais bem definidas e precisas. Como numa espécie de bingo geracional, é possível marcar vários temas que orbitam o grupo e aparecem em seus romances: internet; questões identitárias e de privilégio; capitalismo tardio; saúde mental; crise política; apocalipse climático; falta de perspectiva econômica e incerteza quanto ao futuro; fim da juventude; narcisismo; reconhecimento ético; relacionamentos abertos; sensação de ser ao mesmo tempo especial e um fracasso. Em termos mais específicos, seus personagens, além de usarem apps de paquera e trabalharem em galpões de grandes varejistas digitais, também têm o costume de baixar filmes usando BitTorrent, pesquisarem os próprios nomes no Google, pagar aluguéis caros demais, brigarem por meio de mensagens de texto no celular, frustrarem-se ao pensar em casamento ou filhos e terem relacionamentos amorosos ambíguos e complicados.
As tramas de Rooney se desenrolam sobretudo a partir de jovens casais em angústias contemporâneas, cada uma das partes representando algum desses pontos citados acima com maior especificidade. Cenas em que Alice discute participações em eventos internacionais são contrapostas com descrições de Felix arrumando caixas de papelão no emprego que odeia, por exemplo. O contraste recorrente na autora também aparece em Pessoas Normais, seu romance anterior, no qual os protagonistas Connell e Marianne encarnam desigualdades financeiras e sentimentais. Jovem humilde, inteligente e requisitado na escola, Connell se sente intimidado por Marianne, cuja família emprega sua mãe como faxineira, a ponto de esconder o caso dos amigos. Antes popular no colégio, o rapaz tem dificuldades para se encontrar na faculdade, onde Marianne começa a se destacar – o desequilíbrio rende altos e baixos num relacionamento marcado pela posição social que ocupam.
A diferença de origem social entre os protagonistas de Pessoas Normais assume facetas mais múltiplas em Belo Mundo, Onde Você Está, mas a atenção dada por Rooney a dinâmicas de poder não arrefece. Eileen, melhor amiga de Alice desde a faculdade, trabalha numa revista literária e mal consegue pagar o aluguel em Dublin, enquanto Simon, mais velho e popular entre as mulheres, é conselheiro de um pequeno grupo de parlamentares de esquerda. O casal se conhece desde criança – vive uma espécie de amor escondido, desaprovado pelos demais, e a diferença de idade é potencializada por diferenças religiosas: Simon é bastante católico e chega a levar Eileen à igreja. Todos os personagens de Rooney representam, como microcosmos em cruzamento constante, as contradições de problemas atuais que tocam desde o comportamento online até o apocalipse climático. Somos tentados a vê-los algumas vezes, inclusive, como se fossem porta-vozes dessas discussões, num romance de tese do século XIX.
Mas se consistisse apenas em pontuar todas as características geracionais que pudessem, os livros de Rooney seriam apenas catálogos dos problemas mais discutidos pelos jovens nos anos em que saíram. Em seus romances, a autora alia as tramas a uma forma de escrever também millennial, modo feito para ser direto, viciante e sincero. A autora compõe histórias incrivelmente fáceis de ler. Com capítulos e frases curtas, rapidez fluida dos acontecimentos e franqueza aforística dos diálogos, sua escrita tem dinâmica parecida com um feed de Twitter, como já sugeriu a crítica literária norte-americana Becca Rothfeld. “Olhando na internet, não vejo muitos ideais pelos quais vale a pena morrer”, Eileen diz a Alice, a certa altura. A frase – em sua concisão, seu misto de virtude performática e exaspero – é típica de personagens de Rooney. Há a sensação perene de que, como no espaço curto de um tuíte, tudo que a autora escreve tenta ser o mais bem encaixado, com a maior potência na menor duração.[1]
Talvez em nenhuma outra história que Rooney tenha escrito, porém, haja mais exacerbação de temas relacionados à sua geração do que em Belo Mundo, Onde Você Está. Ainda que nos dois romances anteriores o cenário já estivesse lá, é no último que quase tudo ganha um significado ou fundo que conversa diretamente com preocupações geracionais escolhidas a dedo. Se a cena inicial já traz elementos muito próprios do tipo de interação que dará o tom das relações e seus atritos até o fim do livro, a maneira como outros temas aparecem o tempo todo, muitas vezes ingenuamente, sugere uma espécie de pastiche ou ironia – elementos mais que definidores de um bom feed de Twitter.
A preocupação com temas típicos de sua geração aparece mais claramente nos e-mails que Alice e Eileen trocam durante todo o livro, correspondência que ocupa capítulos inteiros e torna o romance um bocado epistolar. Em um deles, Alice discute os males do capitalismo tardio ao relatar sua ida a uma loja de conveniências, o que a fez pensar nas famílias pobres que produziram as centenas de mercadorias expostas: “Senti tontura pensando nisso. Eu realmente passei mal. Era como se de repente me lembrasse de que minha vida era parte de um programa de televisão – e todos os dias pessoas morriam fazendo o programa.” Na resposta, Eileen concorda com a amiga e oferece uma rápida análise sobre os meios de produção: “As pessoas acham que o socialismo é sustentado pela força – a expropriação forçada da propriedade –, mas eu queria que simplesmente reconhecessem que o capitalismo também é sustentado por essa mesma força na direção contrária, a proteção forçada da organização de bens já existentes.” Há ainda espaço para doses de compaixão e fatalismo. Ao se perguntar sobre a possibilidade de ações políticas mudarem o mundo, Eileen diz: “[…] se tivéssemos que morrer pelo bem da humanidade, aceitaria feito um cordeirinho, porque não fiz jus à minha vida nem a aproveitei.”
Os grandes problemas geracionais conduzidos de forma aforística, constante e intensificada são definidores de Belo Mundo… de forma exemplar, ainda, quando há comparação entre períodos. A chamada “guerra geracional”, que coloca boomers contra millennials, e estes contra membros da geração Z, por exemplo, é fonte perene de discussões nas redes sociais atualmente. A relação aparece na nostalgia pela praticidade dos mais velhos e é reproduzida por Alice ao comentar a monogamia heterossexual difundida entre eles: “Pelo menos ela era um jeito de fazer as coisas. […] O que nós temos agora no lugar? Nada.” O motivo de os boomers terem saudade de sua juventude é ainda mais claro segundo Eileen, já que eles são de um tempo “que veio antes do começo da agonia do mundo natural”, período anterior à destruição das sociedades pelo “marketing de massa” e surgimento da uberização. A reconciliação com a geração dos pais, no entanto, parece eternamente perdida. Alice sente que “um abismo de sofisticação” a separa dos pais, tornando “impossível que eles me toquem”. Perguntando-se se é uma pessoa melhor que eles, a personagem responde que “tem certeza que não, embora talvez tenha mais sorte”, de modo que é ainda mais difícil “escrever sobre eles”. Em tom fatalista, diz em outros e-mails que viver no mundo atual é reconhecer que “o fracasso é geral” e que talvez estejam perto do fim, “no último ambiente iluminado antes das trevas, dando testemunho de alguma coisa”.
A forma insistente de abordar problemas contemporâneos, unindo capitalismo tardio às angústias de envelhecer e se sentir menos bonita que quando adolescente, fez com que a ficção de Rooney tenha por vezes sido vista como “representacional”, preocupada em pincelar vários temas geracionais de uma única vez, sem se aprofundar em nenhum deles. Como apontou a escritora norte-americana Lauren Oyler em sua resenha de Pessoas Normais, tudo apenas representa ou tangencia discussões, uma espécie de contorno que funciona guiando os personagens no enredo com “consciência de classe” e “dinâmica de gênero”. O resultado é um livro “planejado, mas não muito; estiloso, mas não muito; político, mas não muito; moderno, mas não muito”. A escritora Laura Erber, resenhando Belo Mundo… na Folha de S.Paulo, definiu essa tendência como pretensiosa. “Discursos sobre desigualdade, crise climática e relógio biológico são como enxertos que, embora tratados a partir de uma perspectiva subjetiva, acabam nos distanciando dos personagens por seu caráter artificioso e forçado”, ela escreveu. Tentar inserir temas tão importantes de forma tão simples, de modo a compor uma moldura frágil para os personagens, seria um crime literário dos piores, além de não contribuir em nada com a resolução dos problemas abordados.
Mas essa característica também pode ser lida como símbolo do que seria uma literatura millennial. No exagero de temas geracionais polvilhados rapidamente em doses pequenas e com aprofundamento irrisório, a autora parece trazer propositalmente o problema da impotência, da incomunicabilidade e da alienação. Em outras palavras, o que move a obra é justamente a angústia de uma geração que quer muito fazer algo para melhorar o lugar em que vive enquanto encontra seu espaço no mundo, mas não sabe como, ou se sente incapaz de tomar essa atitude. Uma geração que, no limite, só consegue estender sua frustração a pequenas manifestações de descrença, raiva e ressentimento quanto aos problemas contemporâneos. As personagens de Rooney possuem sempre um desencanto grande e variado demais para permitir que suas angústias sejam desenvolvidas com eloquência, o que se reflete também na escrita fragmentada do romance.
Essa tensão, ainda, é fundamentalmente metalinguística, já que Rooney, uma autoproclamada marxista, faz suas preocupações sociais se espelharem nos personagens, e tem em Alice, a escritora de sucesso, uma inegável representação de si mesma. De certa forma, o dilema de Rooney e de Alice é o mesmo de grande parte dos jovens de sua geração: ambas parecem desejar uma função clara e eficaz para si mesmas contra os males do mundo, algo que combata as desigualdades, faça a diferença na prática e mire os problemas estruturais que encontram o tempo inteiro. Em vez disso, se ressentem de estar escrevendo livros sobre “pessoas de mentira”, algo que pode ser encarado como fútil. A contradição aparece o tempo todo tanto nas falas de Rooney em palestras e entrevistas quanto nos e-mails de Alice para Eileen. Em um deles, a personagem afirma que qualquer “talento insignificante” que ela possa ter vai ser sempre procurado como mercadoria, restando-lhe apenas muito dinheiro e nenhum talento até que “a próxima escritora vistosa de 25 anos com uma crise psicológica iminente apareça”. Vista de relance, a vida pessoal de Rooney parece evocar angústias existenciais similares. Detentora de uma fortuna, ela vive hoje com o marido num casarão no interior da Irlanda, espécie de retiro que também é praticado por Alice ao se ausentar dos grandes centros após crises de saúde mental. A depender da opinião, esse autoexílio da autora pode soar tanto como um tipo de hipocrisia aristocrática quanto como uma sábia decisão de se resguardar enquanto produz literatura interessada em tratar problemas atuais que a afligem.
Talvez se antecipando às críticas que Belo Mundo… receberia, Alice diz para Eileen que o problema do romance contemporâneo euro-americano é que “ele se vale da supressão das realidades vividas pela maioria dos seres humanos da Terra”, de modo que “inserir essa pobreza, essa miséria, lado a lado com as vidas dos ‘personagens principais’ de um romance seria considerado de mau gosto ou apenas um fracasso artístico”. A protagonista finaliza o raciocínio afirmando que os romances funcionam “suprimindo a realidade do mundo” para que nos importemos apenas em saber se os personagens ficam juntos no fim. Diz também que sua própria obra é “a mais criminosa nesse sentido”. Seguindo esse raciocínio, a personagem se compromete a não escrever nenhum outro livro.
A forma mais tentadora de se consumir os romances de Rooney é de fato pelos casos amorosos que movem a trama. Nos três livros que a lançaram ao estrelato, o que mais chamou a atenção do público são as idas e vindas de casais problemáticos, área em que o interesse da autora está na eterna dinâmica de poder entre os parceiros – das mensagens de texto ao sexo. A forma como essas pessoas se comunicam e manifestam amor atinge o ápice nos diálogos cortantes e pensados com esmero, frequentemente vistos como o ponto alto dos livros. Esse elemento já aparece com força desde o primeiro romance da autora, Conversas Entre Amigos, cujo enredo traz a complicada relação amorosa entre um casal mais jovem formado por duas mulheres, Frances e Bobbi, e outro mais velho e casado, Melissa e Nick, cujas partes começam a se ligar. Enquanto Frances e Bobbi têm sentimentos antigos uma pela outra, a chegada de pessoas mais experientes na relação causa um desequilíbrio em que também estão envolvidas aspirações literárias, incertezas profissionais e frustrações sentimentais. Há um trabalho meticuloso em complicar esses relacionamentos, variá-los com dúvidas renovadas.
É inegável que Rooney se importa muito com suas “pessoas de mentira” e tem tanto interesse quanto nós em saber como vão terminar. Ao mesmo tempo, quando essas idas e vindas amorosas são intermediadas com pontas sobre apocalipse climático e desemprego, a autora parece questionar a própria estrutura do que seria um “romance millennial”, colocando em questão todas as contradições que a decisão de escrever um livro assim pode gerar. É como se durante todas as 330 páginas de Belo Mundo… Rooney estivesse fazendo uma expedição sobre as vantagens e desvantagens de compor uma história contemporânea. Ao mesmo tempo, ela parece não ter muita certeza do que isso quer dizer, nem se vale a pena.
Rotulada como a voz de uma geração que não sabe bem o que quer, a autora parece ter decidido, em seu terceiro livro, extrapolar todas as etiquetas que o adjetivo millennial pode exibir para testar os limites desse formato. Tanto quanto a sorte dos pares românticos, ela se interessa também pela sorte desse tipo de literatura, seus pontos mais celebrados e características que inspiram menos confiança. Mais ainda, ela se interessa em saber se esses romances oferecem qualquer pista sobre o que essa geração quer encontrar, ou mesmo se dá contornos mais claros aos seus representantes, ao menos tanto quanto seus leitores gostam de afirmar. A extrapolação dos temas geracionais e sua redutibilidade são trabalhadas por alguém que sabe o que está fazendo e, no jogo da representação jovem, escolheu uma abordagem que preza pela ironia, pela autocrítica e pela metalinguagem como formas de contar uma história. Essas características devem ser compreendidas para além do verniz de profundidade que os personagens apresentam e, ao contrário do que parte da crítica identificou como problemas, devem ser aceitas como peças fundamentais num livro que extrapola o simples enredo.
Como era de se esperar de uma boa representante de sua geração, Rooney não tem as respostas, mas apenas as angústias que se estendem pela obra. Se as tramas juntam desencontros amorosos e uberização, elas nunca sugerem que é este o formato correto de discutir o mundo contemporâneo – o pastiche na verdade aponta que não há maneira certa. Mais ainda, a abordagem de Rooney sugere que não estamos nem perto de um formato definido, ainda que o mercado editorial possa rotular escritores e obras assim para sempre. Resta, por outro lado, a investigação dessas definições por autores que – ainda como bons jovens frustrados e como Alice no encontro com Felix – têm horror a serem definidos, preferindo jogar com esses modelos em vez de se encaixarem neles.
O fim do livro oferece respostas à angústia geracional? Ao menos em Belo Mundo… o destino dos dois casais é feliz, conformista e um tanto brega, como se a solução para todos os problemas fosse agir como os pais e vislumbrar um desfecho de último capítulo de novela. Seria a resposta para toda a frustração geracional apenas se casar, ter filhos, ir à igreja e se acostumar com uma vida calma nos subúrbios de uma grande cidade? Para Eileen e Simon, a felicidade passa por aí, sim. Alice e Felix também ficam juntos após aceitarem suas condições díspares de intelectual e trabalhador braçal. Essas conclusões óbvias depois de tanto fatalismo carregam uma dose de ironia – como se a autora tivesse desistido de procurar uma resposta, e, outra vez, brincasse não só com os caminhos do romance como também com a geração que pretende retratar (ou que pretendem que retrate). O exaspero do apocalipse termina com um dar de ombros; as dúvidas sexuais e a inventividade amorosa desembocam em escolhas conjugais bem convencionais. É uma atitude irônica, mas que também tem sinceridade, e que pode ser resumida numa pergunta que Alice, ressentida com a vida, faz a Eileen: “Não somos uns bebês azarados por termos nascido quando o mundo acabou?”
Para quem lê Rooney apenas como um sintoma da angústia millennial resumida em jovens casais complicados, a resposta à pergunta de Alice é simples e afirmativa. Para levar o esforço da autora à última instância, no entanto, é preciso tratar essa dúvida como Rooney faz – com ironia, crítica e metalinguagem, potencializando-a. Se essa não é a forma definitiva de representar o contemporâneo na literatura jovem, ela parece, até agora, ao menos uma das mais poderosas.
[1] Rooney não é a única autora a tentar criar uma forma literária que capte as nuances da geração millennial – as norte-americanas Lauren Oyler e Patricia Lockwood, e a britânica Olivia Laing, entre outras, também o fazem –, mas ela certamente é a que teve maior impacto comercial até hoje. No Brasil, a exploração literária dessas temáticas geracionais ainda é incipiente, embora autoras como Natalia Timerman, Carol Bensimon e Natalia Borges Polesso compartilhem algumas das preocupações literárias de Rooney.
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