ANDRÉS SANDOVAL_2018
Rubinho resiste
Um condomínio em pé de guerra
Roberto Kaz | Edição 147, Dezembro 2018
Corre, na 47ª Vara Cível do Rio de Janeiro, uma pendenga judicial entre um condomínio – o Conjunto Cidade de Copacabana – e um gato. “O animal de estimação, carinhosamente batizado de Rubinho, em homenagem ao piloto brasileiro de Fórmula 1, já se encontra no condomínio há mais de oito anos”, diz o texto da ação impetrada em setembro por seu dono, o comerciante Pedro Duarte Correia, que tem uma loja no 1º andar do conjunto. No requerimento de vinte páginas, Correia defende o direito de ir e vir do felino. Alega que Rubinho é manso, está vacinado e sempre circulou pela área comum da galeria comercial “para esticar suas patas, não tendo sido nunca importunado”. O parágrafo seguinte dá o tom do drama: “Entretanto, essa paz expirou-se na reunião de condôminos e, pior, por reclamação de uma única pessoa.”
A origem da briga remonta ao fim de abril, quando o Conselho de Administração do condomínio baixou uma norma proibindo “o trânsito de animais e pessoas sem camisa” pelas áreas comuns da galeria. Dez dias depois, Correia recebeu uma notificação da administração com imagens da caminhada ilegal de Rubinho, feitas por uma câmera de segurança; no mês seguinte, a transgressão foi punida com uma multa de um salário mínimo. Houve quem visse no endurecimento do condomínio a influência da administradora Ede Lamar Silveira Carvalho Passos, que assumiu a vice-presidência do Conselho em fevereiro. “A Ede resolveu se vingar do seu Pedro em cima do gato dele”, alegou a advogada e ativista Patrícia von Kap-Herr, que organizou uma manifestação em defesa de Rubinho.
O Condomínio Conjunto Cidade de Copacabana ocupa quase um quarteirão na Zona Sul do Rio e reúne galeria, hospital, teatro, igreja, supermercado e mais seis prédios residenciais. A governança funciona num regime parlamentarista. Primeiro, os condôminos escolhem seus respectivos gerentes. Os moradores do bloco A elegem o síndico daquela unidade, os lojistas do 2º andar apontam seu representante e assim por diante. Depois, os nove síndicos (seis dos edifícios e três da galeria) se reúnem para decidir quem vai ocupar a presidência do Conselho – uma espécie de primeiro-ministro do conjunto.
Correia era presidente do Conselho, oito anos atrás, quando adotou Rubinho. “Eu ia todo dia visitar o terceiro pavimento, para acompanhar uma obra na igreja”, contou. “E o gato, que morava lá, ficava me seguindo.” À época, o 3º andar era quase todo tomado por estoques de lojas e oficinas de marcenaria – que contavam com uma pequena brigada felina para combater roedores. Um dia, durante uma vistoria, Correia reparou que Rubinho estava espirrando. “Peguei, levei ao veterinário, dei remédio e vacina. Castrado ele já era.” O animal passou a morar em sua loja de artesanato, a Arte e Palha. “Ele sabe de onde veio”, disse o proprietário. “Se quisesse, voltava pra lá.”
Rubinho é um gato sem raça, branco e cinza, que passa a maior parte do tempo deitado sobre a bancada da loja, numa caixa de papelão acolchoada e decorada com adesivos de Jair Bolsonaro. À tarde, frequenta a Foto Tikara Revelações e Ampliações, que, apesar do nome, só vende material elétrico e de construção. Todo dia, caminha cerca de 50 metros por entre os passantes até chegar ao balcão da loja. “O Rubinho é uma pessoa muito especial”, disse a proprietária da Foto Tikara, Tereza Torres, que ultimamente tem levado o gato para sua casa, também em Copacabana, nos fins de semana. “Foi um pedido do seu Pedro”, contou. “O condomínio o acusou de maus-tratos.”
Por dezessete anos, Correia foi síndico do primeiro piso da galeria – o térreo, que abriga o supermercado, armarinhos, salões de beleza, restaurantes por quilo e lojas de traquitanas que vendem de chave de fenda a Papai Noel inflável. Passos, sua antagonista no caso Rubinho, era síndica de dois blocos residenciais e do 2º andar da galeria, que abriga o teatro, as galerias de arte e os antiquários que deram fama ao local, conhecido popularmente como Shopping dos Antiquários.
Em fevereiro, Correia alegou idade avançada – ele tem 84 anos – para não tentar a reeleição. O momento coincidiu com a chegada de Passos, de 64 anos, à vice-presidência do Conselho de Administração. Dois meses depois, surgiu a norma contra a circulação dos animais. “Bicho passeando sozinho é no mínimo preocupante”, concordou o comerciante Eduardo Fuks, de 60 anos, sucessor de Correia na sindicância do primeiro piso. “Mas não gostei da forma como tudo foi feito. O gato está aqui há anos, e nunca ninguém se importou.”
Depois da multa, Correia passou a respeitar a norma. Tentou fazer Rubinho caminhar com coleira e guia, mas, dada a dificuldade, viu-se obrigado a prendê-lo em sua loja. Noticiado, o caso atraiu a atenção de protetores dos animais. Houve um protesto com cartazes em frente à galeria (“Copacabana inteira ama o gato Rubinho”; “Sra. Síndica, deixe o gato Rubinho em paz”) e uma petição online assinada por 7 400 pessoas. Em paralelo, Correia conseguiu um laudo veterinário que atestava uma possível depressão do felino – o que acabou contribuindo para que uma decisão em caráter liminar, expedida em setembro, garantisse o livre trânsito de Rubinho pela galeria.
“Quero que provem onde tem perseguição”, reclamou Passos, enquanto mostrava uma notícia da extinta Veja Rio intitulada “Gato feroz obriga loja de Copacabana a colocar avisos na entrada”. O texto, de 2017, contava que Rubinho havia atacado um chihuahua no corredor do shopping, o que obrigara Correia a imprimir um aviso alertando para o risco que correriam outros cães que entrassem em sua loja. “Claro que ele é arisco”, continuou Passos. “Ficava preso na loja de sexta a segunda.” Ela disse agir em defesa dos condôminos e do próprio animal. “O bicho pode ser esmagado na escada rolante, ou pode atacar alguém, já que aqui passam 10 mil pessoas por dia. E, se houver um processo contra o condomínio por causa do gato, não é o seu Pedro, e sim os proprietários que vão pagar.”
O caso aguarda julgamento em primeira instância.