CREDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Salmão, aqui, não!
A guinada de um chef cuiabano durante a pandemia
João Batista Jr. | Edição 174, Março 2021
O restaurante japonês da vez em São Paulo tem 4 m2 e fica num box de estrutura metálica, revestido de madeira compensada, no corredor de uma galeria na Avenida Paulista. Para ocupar um dos quatro lugares do balcão é preciso fazer reserva, mas a fila de espera dura um mês. Quem tem pressa pode tentar uma das duas mesas pequenas com dois lugares cada, que são ocupadas conforme a ordem de chegada. O local funciona apenas das 12 às 15 horas e das 18 às 20 horas.
Sob o comando de Wdson Duarte Vaz, o Sushi Vaz se tornou ponto de peregrinação de seguidores da boa gastronomia. O pequeno estabelecimento nasceu em março de 2019 como mais um desses fast-foods especializados em gororobas muitas vezes saborosas, mas zero autênticas, como temaki de cream cheese e hot roll agridoce. Vendia também espetinho de frango. Os negócios iam bem até começar a pandemia – e sofrerem uma reviravolta. No caso, para melhor.
Com o restaurante fechado de março a setembro de 2020, Vaz se viu obrigado a fazer delivery para minimizar os prejuízos (o aluguel do diminuto ponto é 5 mil reais por mês). Sua clientela, antes composta por funcionários de bancos, escritórios e comércios da região, além de turistas em busca de comida rápida e barata, mudou. “Eu tive de oferecer algo diferente”, diz o chef de 36 anos.
Vaz decidiu se especializar exclusivamente em sushis clássicos. Os preços subiram, mas os clientes aplaudiram a guinada. “Teve dias que eu não conseguia atender tanta gente. Como o restaurante estava fechado, eu preparava tudo na cozinha da minha casa.” Os pedidos aumentaram ainda mais depois que ele enviou opções de sushi a alguns críticos gastronômicos que fazem sucesso no Instagram, como Teddy’s Favorites, que tem 424 mil seguidores, muitos de poder aquisitivo robusto. “Quando estávamos para reabrir o restaurante, já tínhamos fila de espera de uma semana”, conta Nice Vaz, mulher do chef e gerente do negócio.
Com a porta de ferro prestes a ser levantada de novo, foi a hora de pensar no cardápio para a clientela criada durante a pandemia. A mudança mais radical, que se mostrou acertada, foi não trabalhar mais com a opção “salmão” – o que recebeu amplo apoio. “Esse peixe vendido no Brasil não tem tanto sabor, tem muito corante e, se colocado perto do atum, passa vergonha”, diz Vaz.
Entraram no cardápio opções de sushi de atum azul, pargo, linguado, carapau, buri, camarão, ostra, lula e polvo. O menu degustação, com um total de dezesseis peças de sushi, é o mais pedido e custa 240 reais. O restaurante serve diariamente 20 kg de peixe – tudo comprado no dia. Além dos sushis, oferece o saboroso tamagoyaki, omelete em formato de rocambole, e uma opção de sashimi.
Filho de um vendedor de tratores e de uma funcionária pública, Wdson Vaz nasceu em Cuiabá, cidade mais conhecida pelas churrascarias do que pelos restaurantes asiáticos. A gastronomia não foi a primeira opção profissional dele. Nem a segunda. Vaz prestou vestibular para engenharia sanitária, sem sucesso. Depois tentou geologia, mas também não conseguiu entrar na faculdade pública. Resolveu, então, se aconselhar com um tio que mora em São Paulo. Por telefone, leu para ele a lista de cursos disponíveis na Universidade de Cuiabá, a Unic, uma escola particular. O tio sugeriu: “Por que não tenta gastronomia?” Foi o que ele fez.
Como a escola ficava dentro do Pantanal Shopping, o estudante, que sempre teve apreço por comida japonesa, decidiu se oferecer para estagiar em um restaurante self-service de comida asiática da praça de alimentação. “Eles toparam na hora, até porque não seria remunerado.” Seu trabalho consistia em descamar peixe, descascar lascas de gengibre e enrolar temakis com muito cream cheese. “Na minha santa inocência, eu imaginava que tudo aquilo era parte da autêntica culinária japonesa.”
Vaz passou por outros restaurantes japoneses de Cuiabá, todos com cardápios semelhantes, até que, em 2012, teve uma revelação, ao assistir ao canal de gastronomia Eater, no YouTube. “Descobri técnicas de preparo de sushi e me dei conta de que eu não sabia nada de comida japonesa.”
Decidido a aprender mais sobre a culinária que fazia palpitar seu coração, ele se mudou com a mulher para São Paulo. O casal foi morar na casa do tio que havia aconselhado o curso de gastronomia. Um dia, vasculhando a internet, Vaz digitou a seguinte combinação no Google: restaurante+japonês+tradicional. Uma das primeiras opções que apareceram foi o sofisticado Shigueru. Ele bateu à porta do restaurante, contou a sua história e, no dia seguinte, começou um período de teste como auxiliar de cozinha. “Recebi logo uma dica de um colega de lá: ‘Jamais diga que você foi chef, eles vão rir na sua cara.’”
Em seu novo ofício, Vaz aprendeu a cortar uma grande variedade de peixes que antes tinha visto apenas na internet. “Em Cuiabá, eu manuseava o salmão de cativeiro, o atum magro e a tilápia tradicional do Brasil mesmo.” Um ano depois, Vaz foi contratado para o sofisticado Nagayama, onde chegou ao posto de subchef. Em 2018, passou para a cozinha do Nobu, o restaurante norte-americano, metido e caro, que abrira uma filial em São Paulo.
Enquanto dava expediente no Nobu, ele criou o Sushi Vaz. Com um investimento de 80 mil reais (sendo 60 mil emprestados de um amigo), equipou o espaço com exaustor, fogão de uma boca e forno – e abriu as portas. O Nobu fechou em dezembro de 2019, e o pequeno restaurante virou a atividade principal do chef.
Hoje, o Sushi Vaz atrai estrelas da gastronomia, como o chef Carlos Bertolazzi, e artistas, como o cantor e ator Daniel Boa-ventura, além de muitos empresários. Clientes abonados já propuseram a Vaz investir na ampliação de seu negócio. Mas ele rejeita toda proposta. Quer crescer sozinho e está em busca de um novo ponto, no Centro de São Paulo. “Pergunto aos amigos: vocês conhecem algum porão para alugar?” De estatura baixa, com leve sotaque cuiabano e aparelho nos dentes, Vaz tem tatuado em seu pescoço esta frase, em letra cursiva: “Liberdade sempre.”