ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Salvador jurássica
Obsessão de prefeito com dinossauros vira piada na Bahia
Clara Rellstab | Edição 186, Março 2022
O som ambiente do bairro do Stiep, em Salvador, sofreu uma mudança drástica no último ano. Além do barulho dos carros que seguem para o Centro da cidade ou em direção às fábricas e refinarias da Região Metropolitana, os moradores agora são despertados por rugidos também. Rugidos de dinossauros. Dois tiranossauros, seis velociraptores, três dilofossauros, um braquiossauro, um pteranodonte e um anquilossauro. A turma, esculpida célula por célula com argila e finalizada em fibra de vidro, está espalhada por uma área verde de mais de 16 mil m² que agora passou a se chamar Lagoa dos Dinossauros.
Os bichos foram doados por um empreendimento comercial cujo nome a prefeitura não divulgou. “Implantamos diversas réplicas de dinossauros, contando sua história, com sonorização. Ficou muito bacana. Ficou belíssimo!”, disse o prefeito Bruno Reis (União Brasil), na inauguração do local, em 5 de janeiro de 2021. O projeto de revitalização do parque, que teve início com o ex-prefeito ACM Neto (União Brasil) e custou 9 milhões de reais, tornou-se uma das principais bandeiras políticas de Reis.
O espaço virou o queridinho das crianças soteropolitanas, chegando a registrar 35 mil visitantes no mês de inauguração. Entusiasmado, Reis anunciou no dia 6 de janeiro passado a aquisição de mais quinze dinossauros.
A aventura pré-histórica do prefeito é, agora, uma das piadas favoritas nas redes sociais. “Você teve algum problema com algum calango na infância, foi? Alguma lagartixa caiu em cima de você? O que foi que aconteceu para estar com essa agonia com Parque de Dinossauros?”, brincou o humorista baiano Seu Pimenta, do Porta dos Fundos, em mensagem enviada ao Instagram de Reis. “Os ônibus todos jurássicos, a saúde paleolítica e sua dicção mesozoica. Vai descer pterodáctilo trazendo cesta básica quando chover?”
No Twitter, o teor das mensagens enviadas ao prefeito é parecido. Citando pesquisa divulgada pelo portal de notícias g1, o usuário @mdmorais_ escreveu: “meu deus homem você cumpriu até agora 9 promessas de 54 da sua campanha e tá aqui falando de Parque de Dinossauros?” O @souoalam disse: “os dinossauros vão levar a gente até em casa? Vão comer os assaltantes de ônibus quando formos roubados? Então não me venha com essa parceiro.” Já o perfil @guxfierce analisou: “vc ta fazendo roda-gigante, parque de dinossauros e ônibus com luz de natal. vc ta parecendo uma criança se divertindo.”
Há motivos de sobra para as chacotas com os dinossauros e o descontentamento com os bichos-propaganda de Reis. Entre 2020 e 2022, Salvador teve a frota de ônibus reduzida em 30%. Não reintegrou até agora os coletivos retirados da rua e ainda anunciou que a tarifa de 4,40 reais deve aumentar neste mês de março. A prefeitura também reajustou o IPTU em 10,74% e fechou pelo menos 44 unidades das escolas municipais de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além disso, Salvador alcançou em 2021 a maior inflação em dezenove anos – na casa dos 10%. A piauí procurou Reis, mas ele preferiu não conversar com a revista, tanto mais agora, quando está metido num imbróglio causado por sua decisão de não vacinar as duas filhas contra a Covid.
O paleontólogo paulista Luiz Eduardo Anelli, doutor em geociências pela USP e autor de mais de dez livros sobre dinossauros, tem uma visão menos inflamada sobre a Lagoa dos Dinossauros. Para ele, as esculturas, apesar de lembrarem “bonecos de parques dos anos 1970 nos Estados Unidos” e estarem ultrapassadas anatomicamente, são uma boa oportunidade para ensinar às crianças tanto sobre o Jurássico (período entre 200 milhões e 155 milhões de anos atrás) quanto sobre as mudanças climáticas.
“Os dinossauros nasceram num mundo com a geografia e o clima completamente diferentes do nosso, mas, quando desapareceram, 170 milhões de anos mais tarde, o mundo havia mudado muito. Eles oferecem uma oportunidade de aproximar as crianças da ciência”, defende. Anelli só lamenta que nenhum dos dinossauros escolhidos pela prefeitura tenha sido habitante do território onde fica hoje o Brasil. “Veja só, nós temos os dinossauros mais antigos do mundo. Os primeiros dinossauros que existiram nasceram no Brasil. Foi uma oportunidade perdida, não é?”
O pesquisador citou como exemplo de boas réplicas de dinossauros as que faz o escultor baiano Anilson Borges. Aficionado do filme Jurassic Park, Borges se profissionalizou no tema e povoou Santa Inês, a cidade onde vive, no sertão baiano, com dezesseis esculturas dos animais, a maior parte de espécies cujos fósseis foram encontrados no Brasil.
O escultor contou que foi consultado pela Prefeitura de Salvador para o projeto da Lagoa dos Dinossauros, mas a parceria não foi adiante, “por problemas de agenda”. Os doze bichos acabaram sendo feitos pela Companhia de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Desal), autarquia da prefeitura que é responsável pela manutenção e execução de parques, mobiliários e passarelas da cidade. Borges, que segue informações científicas para realizar suas esculturas, classificou as do parque como “genéricas”.
Curiosamente, apesar de Salvador e Santa Inês homenagearem os dinossauros, até hoje nenhum fóssil foi encontrado em terras baianas – a maioria das descobertas ocorreu no Maranhão, Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mas Anelli garante que “os dinossauros estiveram sempre em todos os lugares e não é porque não foram encontrados na Bahia que não existiram lá”.
A Bruno Reis e outros políticos que queiram um dinossauro baiano para chamar de seu, Anelli deixa esta dica: procurar seus restos mortais na bacia sedimentar do Recôncavo Baiano, que tem rochas do Cretáceo (período entre 144 milhões e 66,4 milhões anos atrás). “É muito possível que, no futuro, os paleontólogos encontrem dinossauros por lá.”