ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2011
Sanguinários, arriba!
De sombrero, bota e pistola, somos nosotros, mi compa
Elisa Martins | Edição 57, Junho 2011
A indumentária lembra mais cantores sertanejos, com chapéu e botas de caubói, do que funkeiros de boné e cordões de ouro. Adicione-se o gosto pelas armas, caminhonetes e mulheres, não necessariamente nessa ordem. É assim que se toca a música da moda no norte do México, terra de tradições e fazendas, mas também de senhores das drogas. Lá, os cartéis do tráfico ditam o ritmo que atende pelo nome de “narcocorrido”, uma crônica da violência em versos como:
Con cuerno de chivo y bazuka en la nuca
volando cabezas al que se atraviesa
somos sanguinarios locos bien ondeados
nos gusta matar
O nome da música é Sanguinarios del M1, de um grupo chamado Movimiento Alterado. Ela soa como poesia realista para milhares de fãs. Aos críticos, o cantor Alfredo Rios, conhecido como “El Komander”, premiado pelo melhor corrido do ano (El Katch), dispara: “Os narcocorridos são satanizados devido ao cenário de violência no país. Mas eles só contam a verdade. Não entendo por que as notícias dos jornais também não são censuradas. Defendo a música: o corrido é uma tradição mexicana.”
Desde os tempos de Pancho Villa e da Revolução Mexicana, o gênero “corrido” narrava as façanhas de gente valente, em versos de violência e glória. Ele é um sincretismo dos romances espanhóis dos séculos XIII e XIV, das polcas e das tradições astecas. A origem é um mistério.
Hoje, no lugar dos sombreros enormes e dos rifles, entraram personagens com roupa country e um nacionalismo mais para gangsta rap do que para Chitãozinho e Xororó. São homens nascidos no norte rural que empunham a sanfona com autoridade, enquanto cantam a morte de um traficante local querido, o sufoco de um mexicano que tenta cruzar a fronteira ou a dor de amor como a de Camelia, que matou o desgraçado que ousou machucar seu coração. A melodia parece sertaneja, embora não haja no Brasil um gênero que se compare a ela.
Alguns chefes do tráfico procuram os cantores para terem as suas histórias imortalizadas em um corrido, até porque a vida deles não costuma durar muito. Sem esclarecer a ocupação do protagonista, a letra de Kiki Urias, do grupo Los Tucanes de Tijuana, diz:
Por que mataron al Kiki?
todos hemos preguntado
no tenía cuentas con nadie
era hombre muy apreciado
Tal vez sería por envidia
de los dueños del mercado
De olho nas letras mais escancaradas, o governo mexicano resolveu apertar o cerco. Há um mês, o governador Mario López Valdez decretou a proibição da difusão de narcocorridos em bares, casas noturnas e salões de festa do estado nortenho de Sinaloa, nome de um dos cartéis de drogas mais poderosos do país e berço de Joaquín “El Chapo” Guzmán, o traficante mais cabrón do México.
Segundo Valdez, que agora quer que a medida seja estendida a todo o México, o ritmo enaltece criminosos e incentiva atos violentos. “Não conheço ninguém que, bêbado, não seja valente, rico e apaixonado, e se anda armado a essas horas da noite…” A pena é pesada para os donos de bar e bebuns de plantão: o estabelecimento que descumprir a ordem pode perder a licença de venda de bebidas alcoólicas.
O porta-voz de Segurança Pública da Presidência, Alejandro Poiré, fez coro à medida: “Narcocorridos são apologia do delito.” O músico e pesquisador Elijah Wald compara os traficantes aos heróis da época de Pancho Villa. “Eles querem ter um corrido não por serem traficantes, mas por se considerarem os valentões da atualidade”, diz. Não são de hoje os vínculos entre crime e música. Wald dá o exemplo dos músicos de jazz de Chicago dos anos 20 que tocavam para Al Capone. Já a associação de um corridista a um cartel não é tão clara. Nem é fácil fazer com que reconheça que recebeu dinheiro para contar as proezas de um fora da lei.
Em meio à guerra que já deixou 37 mil mortos desde que o presidente Felipe Calderón assumiu o poder, em 2006, os corridistas são alvos tão fáceis quanto os demais, sejam civis, traficantes, policiais ou militares. Recentemente, um cantor de música regional foi morto durante uma apresentação; outro, ao sair dela, morreu em uma emboscada parecida com a descrita em 100 Balazos al Blindaje:
Las calles de Culiacán, donde a gusto
me paseaba
Parecían el mismo infierno, al venirse
la emboscada
La humareda de los rifles a la gente
amedrentaba.
Como muitos cantores do gênero, El Komander mora nos Estados Unidos, onde tem um grupo fiel de fãs: os imigrantes mexicanos. Muitas letras falam de orgulho, do homem que pode tudo, daí a sua popularidade numa comunidade marginalizada e saudosa de casa. Juan Carlos Ramírez-Pimienta, professor da San Diego State University, admirador e pesquisador de narcocorridos, define o fascínio do estilo em poucas palavras: “Quem escuta uma canção vive uma fantasia de três minutos onde tem poder e ninguém se mete com ele. Para os que vivem com tantos problemas econômicos e sociais, isso é muito forte.”
A plateia dos shows inclui médicos, engenheiros, professores, gente que canta as letras de cor e leva seus “compas”, abreviação de “compadre”. Os que defendem o gênero, aliás, não falam em “apologia” ao tráfico, recorrem ao eufemismo “contribuição histórica”. Com a palavra, Ramírez-Pimienta: “Os narcocorridos contam quem trabalha para tal cartel, são produções culturais necessárias para descrever essa guerra dos últimos cinco anos. Não são completamente verídicos, mas junte os relatos dos narcocorridos, das autoridades e dos jornalistas e eis o que acontece no México.”
Talvez a forma mais simples de encarar os narcocorridos esteja na definição de El Komander: “É apenas música.” Algumas são de qualidade duvidosa, outras são passáveis. Tudo feito para divertir. Falta de pretensão e atualidade são motivos do sucesso. Y tiro arriba, mi compa!
Conheça as músicas
“Contrabando y traición”, do grupo Tigres del Norte