IMAGEM: PEDRO DE ANDRADE ALVIM
Sardanapalo
Babilônios cabotinos contracenarão com garbosas falanges assírias?
Zuca Sardan | Edição 29, Fevereiro 2009
(SARDANAPALO) – Haja paciência!… Quanto tempo faz, que, por impróvidos problemas de Estado, não podemos mais fruir, eu e minhas três dondocas, de nossos conjugais folguedos no frondoso jardim suspenso da Vovó!…
(MANDRA) – Eis que adentra em nosso luxuoso salão o General Xamor.
(SARDANAPALO, bocejão) – Que ventos te embalam, Xamor?…
(NAZDA, surdina) – Nosso crocodilo Raxar o bocou pelo pé… Qua-Qua-Quaaaa…
(XAMOR) – Ai! Meu pé, ai!, Grão Sardanapalo, Glória da Mesopotâmia, AAAI!!!
(SARDANAPALO) – Rara invocação, Xamor… Diz-me, pois, a que vens, afinal?
(XAMOR, passo um sapo pro Raxar, que sossega) – Oh, gralhas infaustas! Oh, inexorável Fatalidade!…
Nabopolassar se aproxima, com seu poderoso batalhão.
(SARDANAPALO) – Esses babilônios, vãos cabotinos!… Não podem contracenar com as nossas garbosas falanges assírias, que a teu indômito comando, General Xamor, e pra minha glória supina, conquistaram Egito, Babilônia e
Palestina!…
(XAMOR, pigarrinho) – Bons tempos aqueles, Sardanapalo, em que luzíamos nos Médio e Próximo Orientes!… Mas, de há tantos anos bajulados pela Fortuna, nossos soldados se tornaram desleixados, devassos, beberrões…
(SARDANAPALO) – Uma vergonha, Xamor!… Oh, decadência!…
(XAMOR) – Querem te imitar, Sardanapalo!… Mas sem aquela tua elegância…
(SARDANAPALO) – Só o Rei tem direito a ser tirânico e devasso. Aos súditos, cabe o dever de se mostrarem sempre fiéis, cordatos, obedientes e… trabalhadores.
(XAMOR, suspirão) – Entretanto… enquanto conversamos, Nabopolassar…
(SARDANAPALO) – Ouço lá uma bulha… Enfim, aos soldados cabe a sagrada missão de se manterem ferozes, heróicos, e de, no fim, morrer pelo Rei.
(XAMOR) – Assim foi. Os poucos que sobraram… fugiram. E Nabopolassar…
(BARULHOS) – BRONG! BROOOOOOOOOOOOOONNNG!…
(SARDANAPALO) – O Castelo está desmoronando… Passa-me a taça, Nazda…
(XAMOR, pigarrinho) – Os persas estão forçando a porta do salão, Majestade…
(SULEIMA) – Caem paredes… CRASH!! POFF!! PAFF!!!
(SARDANAPALO) – Verte-me do tinto persa, Nazda. Belo púrpura…
(XAMOR) – A porta ainda resiste, mas os lustres desabam, os móveis dançam, as paredes racham… adensa-se a fumaceira de incêndio. Que faremos?…
(SARDANAPALO, ergo a taça) – Que nos venha o Pintor Delavigne…
(DELAVIGNE, entro com pincéis, palheta, tela, cavalete) – Salve, Sardanapalo!…
(SARDANAPALO) – Delavigne, pinta agora a minha morte nas chamas…
(DELAVIGNE, aprumo a tela, esgrimo o pincel) – Às minhas costas, a porta da sala que o Público assedia. Ao centro da composição, tu, Rei Sardanapalo, em pose airada…
(SARDANAPALO) – Muito bem. Morrerei bebendo vinho. Mas ninguém comerá minhas viúvas. Tu, Xamor, pega a Sulaima pelo pescoço, fecha a carranca e alça o punhal.
(XAMOR, pego Sulaima, que esperneia) – Corto-lhe a cabeça, Majestade?
(SARDANAPALO) – Ainda não, deixa o Delavigne fixar o flagrante.
(NAZDA e MANDRA, corremos à volta, esbaforidas) – SOCORRO!! SOCORRO!!
(SARDANAPALO, admiro o quadro) – Excelente, Delavigne… e o Público?…
(DELAVIGNE) – O Público contempla o quadro, mas do lado de fora da tela.
(SARDANAPALO) – Ledo engano… a porta rachou, o Público já irrompe pela tela, e o teto… desaba… CAPOOOONGAAAAAAAAA… Baixa a cortina, Mandra…