ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Sentado em Copacabana
As melhores cadeiras de porteiro da cidade
Roberto Ferreira | Edição 73, Outubro 2012
Vestindo terno grafite, gravata grená e abotoaduras peroladas, Carlos Henrique Palheiros Roquette podia passar por um vendedor de enciclopédias caído direto da era pré-internet. Numa esquina de Copacabana dominada por banhistas a caminho da praia e idosos voltando das compras, estava decididamente deslocado. Formado em direito, Roquette ganhou a vida como guia turístico. Tirou aquela sexta-feira para atualizar um roteiro temático que ele criou há 28 anos: um passeio pelo “Rio das cadeiras de porteiros”.
Roquette atua no segmento das excentricidades urbanas, que tem público cativo no exterior. “Londres tem um roteiro de escritores suicidas e outro dedicado a Jack, o Estripador. Só aqui no Brasil isso ainda não é comum”, lamentou. “O turista que gosta de ver coisas bizarras fica sem opção, e esse é o meu diferencial”, explicou, ajeitando os óculos quadrados de aros grossos.
Cruzando a rua Santa Clara em direção à Cinco de Julho, Roquette não tardou a encontrar o que procurava: um porteiro sentado numa cadeira à frente de um prédio. Cumprimentou-o, se apresentou e perguntou de quem era a peça. Assustado, o porteiro respondeu que ganhou de presente de um morador, havia mais de trinta anos, para que pudesse passar algum tempo do lado de fora, observando o movimento. Ao notar o interesse do interlocutor, fez questão de virar a cadeira de pernas para cima e mostrar o único remendo que ele mesmo fez quando a lateral do assento rachou. “Essa é uma cadeira maciça, provençal, mas com espaldar eclético”, sentenciou o guia. “Hoje em dia não se fazem mais cadeiras tão boas.”
Parado em frente ao prédio, como se estivesse falando a um grupo de turistas imaginários, Roquette evocou a Copacabana da virada da década de 60 para a de 70, antes que aumentasse a preocupação com a segurança. “Nessa época, os porteiros guardavam os prédios sentados em cadeiras do lado de fora, muitas vezes dadas pelos proprietários de algum jogo desencontrado”, contou.
Roquette se lembra com nostalgia de exemplares requintados que costumava avistar na infância. “Era muito curioso ver aquelas cadeiras lindíssimas, com pé palito, acostadas em frente aos prédios. No início dos anos 80, ainda havia muitas delas.” É preciso estratégia para encontrar essas raridades. “A dica é procurar nas ruas laterais, e não nas principais”, revelou o guia. “É nelas que os tesouros estão guardados.”
A pérola seguinte veio já no prédio ao lado: uma cadeira de estilo espaguete, inspirada no modelo desenhado em 1979 pelo italiano Giandomenico Belotti e copiado mundo afora na década seguinte. Seu nome se deve aos fios plásticos coloridos com aparência de macarrão que formam o assento e o espaldar. No exemplar avistado por Roquette, alguns fios já estavam arrebentados sob um porteiro um pouco acima do peso.
Cheio de sorte e de si, o guia apreciou uma cena ao longe, já na rua Constante Ramos: dois porteiros conversavam através de uma grade, cada qual na sua cadeira. Aproximou-se e puxou assunto, dizendo fazer uma pesquisa sobre o Rio antigo. Uma das cadeiras era de palhinha, com os pés entalhados e acabamento em folha de latão dourado. A outra era de estofado vinho e estava meio capenga. “Esta aqui mostra que o costume sobreviveu, apesar da qualidade inferior do material”, avaliou Roquette, apontando para a segunda. “Diz muito sobre a perda dos valores da sociedade atual.”
O roteiro das cadeiras de porteiro foi criado em 1984, por encomenda de um casal de velhinhos nostálgicos do Rio de Janeiro de antanho. Para tristeza do guia, o passeio nunca mais foi solicitado. “É uma pena”, lastimou. “Ver a cidade sob essa perspectiva é muito interessante.”
Não é o único roteiro original que ele propõe aos grupos de turistas que contratam seus serviços a 120 reais a hora, conforme recomenda a tabela da Embratur. Outro passeio de sucesso é o “Rio das Árvores Assassinas”, da estirpe de um fícus que ele avistou na rua Anita Garibaldi. “Essa árvore mata todas que estão ao seu redor, ela se abraça à outra e a destrói todinha”, disse. “As pessoas acham que a natureza é uma beleza, mas tem crime para todo lado.” O roteiro envolve a visita a árvores no Parque do Flamengo, no Jardim Botânico, no Parque Lage e no Passeio Público.
Ao cabo de uma manhã em busca de cadeiras de porteiro, Roquette tomou nota dos endereços de seis exemplares dignos de serem acrescentados ao roteiro. A atualização é parte dos preparativos para a celebração no ano que vem dos seus trinta anos de carreira. Ele pretende condensar seus melhores roteiros num único passeio, o “Rio Bizarro”. Para isso, será preciso passar em revista o tour pelas estátuas homoeróticas e averiguar se alguma delas foi substituída, recolher novas histórias para o roteiro de fantasmas cariocas e checar se haveria demanda no “Rio para Colecionadores de Cabelo”.
“Alguns desses roteiros não têm mais de dois lugares para visitar, mas pelo caminho vou contando curiosidades, os gringos adoram”, contou Roquette. Na semana anterior um argentino procurou o guia querendo conhecer os grafites mais antigos do Rio. Não era tarefa das mais fáceis, mas ele honrou a encomenda. “Achar os novos é fácil, já os mais velhos é só para quem tem o costume de andar a pé, observando a cidade”, contou.
Na esquina da rua Constante Ramos com a Barata Ribeiro, a atenção de Roquette foi atraída por um quiosque fixo com um freezer horizontal exibindo alcatras e um varal formado por linguiças e asas de frango. Era um açougue no meio da rua. Como é que ele nunca tinha notado aquilo antes? O guia sacou novamente o caderninho do paletó. “Isso é ótimo para incluir no ‘Rio Bizarro’.”
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