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Sexo e outras distrações
O homem botava a coisa dele na coisa dela, deixava lá um tempinho e daí eles tinham um bebê. O que seriam essas coisas inespecíficas – Dedo dele na orelha dela? Chapéu dele na caixa dela?
Bill Bryson | Edição 10, Julho 2007
Em 1957, Peyton Place, o filme mais quente dos últimos tempos, ou pelo menos assim os trailers candidamente nos convidavam a imaginar, foi lançado para uma nação expectante, e minha irmã decidiu que iríamos assistir. Por que eu era considerado parte da aventura, não faço idéia. Talvez fornecesse algum tipo de álibi. Talvez o único momento em que ela podia dar uma saidinha despercebida de casa fosse quando me pajeava. Só sei que fui informado de que iríamos caminhar até o cinema Ingersoll, no sábado depois do almoço, e que era para eu não dizer a ninguém. Era muito excitante.
No caminho, minha irmã disse que muitos personagens do filme – provavelmente a maioria – estariam fazendo sexo. Minha irmã àquela altura era a principal autoridade mundial em assuntos sexuais, pelo menos no que me dizia respeito. Sua especialidade particular era detectar celebridades homossexuais. Sal Mineo, Anthony Perkins, Sherlock Holmes e o dr. Watson, Batman e Robin, Charles Laughton, Randolph Scott, Liberace, é claro, e um homem na terceira fileira da Orquestra de Lawrence Welk que me parecia bem normal – foram todos desmascarados pelo seu olhar penetrante. Ela me disse que Rock Hudson era gay em 1959, muito antes que qualquer um tivesse adivinhado. Ela sabia que Richard Chamberlain era gay antes dele, acho. Ela era do outro mundo.
“Você sabe o que é sexo?”, perguntou, assim que passamos para o recesso do bosque, caminhando em fila indiana pelas árvores, ao longo da trilha estreita. Era um dia invernal e eu lembro com clareza que ela usava um casaco novo de lã vermelha, bacana e um chapéu branco felpudinho, amarrado no queixo. Eu a achava muito bacana e madura. “Não, acho que não sei” – eu disse, ou algo similar.
Então ela contou, em tom grave e com o tipo de fraseado cuidadoso, que deixava claro tratar-se de informações privilegiadas tudo o que havia para saber sobre sexo, embora, como ela tivesse apenas 11 anos naquela época, seu conhecimento talvez fosse um tantinho menos enciclopédico do que me pareceu. Enfim, a essência do negócio, como eu entendi, era que o homem botava a coisa dele na coisa dela, deixava lá um tempinho e daí eles tinham um bebê. Lembro de matutar o que seriam essas coisas inespecíficas – dedo dele na orelha dela? Chapéu dele na caixa dela? Como saber? Enfim, faziam essa coisa nus, e quando você se dava conta, eram pais.
Para falar a verdade, eu não dava muita bola para o modo como os bebês eram feitos. Estava bem mais interessado na aventura secreta, empreendida às escondidas de nossos pais, e pela andança no bosque. Aos 6 anos, dava para me aventurar discretamente no bosque, de quando em quando, brincar de guerra à vista da rua e sair novamente com uma sensação de contentamento – ou de franco alívio – por adentrar o dia claro e a luz do sol. O bosque dava aflição. O ar lá era mais denso, mais sufocante; os barulhos, diferentes. Podia-se entrar no bosque e não sair mais. Nunca se consideraria usá-lo como passagem. Era vasto demais para esse propósito. Ser conduzido através dele, então, por uma confidente toda bacana, enquanto recebia informação privada, ainda que esta fosse de todo inexpressiva para mim, era de arrepiar. Passei a maior parte da longa caminhada admirando a majestade sombria do bosque e atento a lobos e casinhas feitas de doces.
Como se não fosse excitação bastante, quando chegamos à avenida Grand minha irmã me levou para um caminho secreto, entre dois prédios de apartamentos, passando pelos fundos da Drogaria Bauder, na Ingersoll – nunca me ocorrera que a Drogaria Bauder tivesse fundos –, de onde emergimos quase do lado oposto ao do cinema. Isso era tão impossivelmente estiloso que eu mal podia suportar. Sendo a Ingersoll uma rua muito movimentada, minha irmã pegou-me a mão e nos guiou com habilidade para o outro lado – tarefa que também me pareceu incrível. Duvido que jamais eu tenha ficado tão orgulhoso em estar associado a outro ser humano.
No guichê, quando a moça dos ingressos hesitou, minha irmã disse-lhe que tínhamos um primo da Califórnia fazendo um papel no filme e que havíamos prometido à nossa mãe, uma mulher ocupada, de certa importância (“ela é colunista do Register, né?”), que iríamos assistir ao filme como representantes dela, e que providenciaríamos um relatório completo depois. Talvez não fosse a mais convincente das histórias, mas minha irmã tinha um rosto de anjo, jeito sagaz e aquele chapéu felpudinho e inocente – uma combinação da qual não se podia duvidar. Então a vendedora, após um momento de incerteza alvoroçada, deixou-nos entrar. Também fiquei orgulhosíssimo de minha irmã por isso.
Depois de tanta aventura, a fita em si foi um pouco anticlimática, especialmente quando minha irmã contou que não tínhamos na verdade um primo no filme, ou mesmo na Califórnia. Ninguém ficava pelado e não havia dedos em orelhas ou dedos do pé em caixas de chapéu, nem nada. Apenas montes de gente infeliz falando com abajures e cortinas.
Logo depois, por acaso, tive uma experiência adicional que lançou mais uma luzinha no assunto sexo. Chegando da brincadeira certo sábado, e descobrindo minha mãe ausente de seus domínios costumeiros, decidi impulsivamente recorrer a meu pai. Naquele dia ele acabara de voltar de uma longa viagem à costa Oeste – o Campeonato Mundial entre White Sox e Dodgers, se bem me lembro – e tínhamos bastante coisa para botar em dia. Então, corri para o quarto dele, esperando encontrá-lo desarrumando a mala. Para minha surpresa, as venezianas estavam abaixadas e meus pais estavam na cama engalfinhando-se sob os lençóis. Mais espantoso ainda, minha mãe vencia. Meu pai estava obviamente em algum apuro. Fazia um ruído, como um animalzinho preso.
– O que você está fazendo?, perguntei.
– Ah, Billy, sua mãe está examinando meus dentes – meu pai respondeu rápido, ainda que de modo não muito convincente.
Ficamos todos quietos por um momento.
– Vocês estão nus aí debaixo?, perguntei.
– Ora essa, sim, estamos.
– Por quê?
– Bem, – disse meu pai, como se essa fosse uma história que iria longe, – … ficamos com calor. Dá calor isso de dentes, gengivas, coisa e tal. Olha, Billy, estamos quase acabando aqui. Por que não vai para baixo? Já, já descemos.
Acho que é para ficar traumatizado com essas coisas. Não lembro de ficar nem um pouco perturbado, embora lá se fossem alguns anos até eu deixar minha mãe olhar a minha boca de novo. Foi uma surpresa, quando eu enfim me liguei, perceber que meus pais faziam sexo – sexo entre os pais sempre parece levemente inacreditável, claro –, mas também senti uma espécie de alívio, porque fazer sexo não era fácil nos anos 50.
No casamento, com o homem por cima e a mulher rangendo os dentes era legalmente admissível, mas quase todo o resto era proibido na América daqueles tempos. Quase todo estado tinha leis proibindo qualquer forma de sexo considerada remotamente fora dos padrões: sexo oral e anal, evidente; homossexualidade, óbvio; até sexo normal e polido entre casais aquiescentes, porém não casados. Em Indiana, dava até catorze anos de prisão ajudar, ou instigar um menor de 21 anos, a “cometer masturbação”. A Arquidiocese Católica Romana do mesmo estado declarou, mais ou menos na mesma época, que sexo fora do casamento não apenas era pecaminoso, sujo e favorecia a reprodução, mas também fomentava o comunismo. Nunca se especificou como uma transa no monte de feno ajudava a marcha incansável do marxismo, mas pouco importava. A questão era que, uma vez que uma ação fosse considerada fomentadora do comunismo, não dava para chegar nem perto.
Já que os legisladores não se punham a discutir esses assuntos às claras, volta e meia não era possível saber o que, exatamente ,estava sendo banido. Kansas tinha (e pelo que sei, ainda tem) um estatuto dedicado a punir, severamente, qualquer um “condenado pelo crime detestável e abominável contra a natureza cometido com humano ou com animal”, sem indicar, sequer de maneira vaga, que crime detestável e abominável contra a natureza poderia ser esse. Terraplanar uma floresta? Chicotear a mula? Não havia jeito de saber.
Quase tão mau quanto fazer sexo era pensar em sexo. Quando Lucille Ball, em I love Lucy, ficou grávida por quase toda a temporada de 1952-3, o programa não pôde usar a palavra “grávida”, com medo de incitar espectadores suscetíveis à ginástica isométrica de sofá. Em vez disso, descrevia-se Lucy como “esperando” – uma palavra, parece, menos emocional. Mais perto de casa, em 1953, em Des Moines, a polícia invadiu o Ruthie’s Lounge e acusou a dona, Ruthie Lucille Fontanini, de entregar-se a um ato obsceno. Era um ato tão perturbador que dois suboficiais e um capitão da polícia fizeram uma viagem especial para vê-lo, como na verdade fazia a maioria dos homens em Des Moines, vez por outra, ou assim parecia. O ato obsceno de Ruthie, descobriu-se, é que ela, com o devido estímulo de um recinto cheio de beberrões felizes, equilibrava dois copos no seu peitoril de blusa justíssima, enchia-os com cerveja e os conduzia sem entornar até uma mesa de admiradores.
Tudo indicava que Ruthie, em seus bons tempos, era jogo duro. “Foi casada dezesseis vezes com nove homens”, segundo George Mills, ex-repórter do Des Moines Register, num maravilhoso livro de memórias. Um dos casamentos de Ruthie terminou apenas dezesseis horas depois, quando Ruthie acordou e encontrou o novo marido vasculhando sua bolsa em busca da chave do cofre. Seu hábito de usar o peito como bandeja pareceria um talento menor numa época em que o correio era entregue por foguete, mas tornou-a nacionalmente famosa. Um par de montanhas na Coréia foi chamado “as Ruthies” em sua homenagem e o diretor hollywoodiano Cecil B. De Mille visitou o Ruthie’s Lounge para observá-la em ação.
A história tem final feliz. O juiz Harry Grund retirou as acusações de obscenidade. Ruthie, por fim, casou-se com um bom homem chamado Frank Bisignano e estabeleceu-se numa pacata vida de dona de casa. As últimas informações davam conta de que foram casados e felizes por mais de trinta anos. Gostaria de imaginá-la trazendo-lhe ketchup, mostarda e outros condimentos no peito toda noite, mas é claro que é só conjectura.
Para aqueles de nós que tinham interesse em ver mulher pelada, é claro que havia fotos na Playboy e em outros periódicos masculinos de reputação inferior, mas estes era quase impossível adquirir legalmente, mesmo se você pedalasse até uma das mercearias caidaças no lado leste, abaixasse a voz duas oitavas e jurasse por Deus ao funcionário impassível que nascera em 1939.
Às vezes, na drogaria, se seu pai estivesse ocupado com o farmacêutico, você podia dar uma rápida folheada nas páginas. Era uma operação aflitiva, pois a estante das revistas era vista de muitos cantos da loja. Além disso, ficava logo na entrada e visível da rua através de uma grande vidraça, o que o deixava vulnerável em todas as frentes. Uma das amigas da sua mãe podia passar, vê-lo e dar o alarme – havia uma linha para a polícia num orelhão bem na frente, talvez colocado ali com esse objetivo. Ou um empacotador de supermercado espinhento segurar seu ombro por trás e denunciá-lo em alto e bom som. Ou seu próprio pai alcançá-lo de forma inesperada, enquanto você estava distraído, tentando freneticamente localizar as páginas em que Kim Novak era vista relaxando num tapete felpudo – então, na prática, havia quase nenhum prazer e pouquíssimo esclarecimento nesse exercício. Essa era uma época, não se esqueça, na qual se podia ser preso por carregar cerveja embaixo da camisa ou cometer um crime inespecífico contra a natureza. Inconcebíveis, então, as conseqüências de te pegarem segurando fotografias de mulher pelada numa drogaria de família, mas você podia ter certeza de que envolveria o espocar de flashes, manchetes no jornal e muitos milhares de horas de serviço comunitário.
No geral, portanto, era preciso se virar com propagandas de roupa íntima, ou com anúncios lustrosos em revistas. Maideoform, um fabricante de sutiãs, divulgou nos anos 50 uma série bem conhecida de anúncios, nos quais mulheres se imaginavam semivestidas em lugares públicos. “Sonhei que estava em uma joalheria vestindo o meu sutiã Maidenform”, dizia o cabeçalho dum, acompanhado por uma foto mostrando uma mulher que usava chapéu, saia, sapatos, jóias e um sutiã Maidenform – tudo, em suma, menos uma blusa – numa vitrine da Tiffany, ou um lugar desses. Havia algo profundamente erótico – e, suponho, nada saudável – nessas fotos. Era lamentável, mas Maidenform tinha um instinto infalível para escolher modelos um tanto entradas em anos e não superatraentes, e, em todo caso, os sutiãs da época estavam mais para utensílios cirúrgicos do que para incitações à fantasia. O desperdício de um conceito erótico tão promissor dava desespero.
Apesar das deficiências, a proposta era muitíssimo imitada. Sarong, um fabricante de cintas tão pesadonas que pareciam à prova de bala, seguiu linha similar com uma série de anúncios mostrando mulheres apanhadas por golpes de vento inesperados, revelando suas cintas in situ, para espanto horrorizado delas, mas para deleite furtivo de todos os machos num raio de cinqüenta metros. Tenho um anúncio de 1956, mostrando uma mulher que acaba de desembarcar de um vôo da Northwest Airlines, e cujo casaco de pele se abriu de forma inconveniente com uma lufada e revelou-a vestindo um modelo 124 da cinta Sarong em náilon (disponível em todas as casas do ramo por 13,95 dólares). Mas – e eis o que me perturba, desde 1956 – a mulher claramente não usa saia ou nenhuma outra coisa entre a cinta e o casaco, o que levanta questões prementes relativas ao modo como estava vestida quando embarcou no avião. Terá voado sem saia todo o trajeto de (digamos, para fins de argumentação) Tulsa a Minneapolis, ou terá tirado a saia no caminho – e por quê?
Por acaso, tínhamos em Des Moines a estátua mais erótica do país. Fazia parte do grande monumento estadual à Guerra Civil. Chamada Iowa, mostrava uma mulher sentada, segurando os seios desnudos nas mãos, colhidos por baixo, de um jeito espantosamente provocante. Diziam que o gesto procurava representar um oferecimento simbólico de alimento, mas o que ela faz mesmo é convidar todo homem que passa a ter vontade de escalar a mulher e agarrá-la. Às vezes íamos de bicicleta até lá nos sábados para encará-la por baixo. “Erguida em 1890”, dizia uma placa na estátua. “E os deixando erguidos desde então”, costumávamos zombar.
A outra única opção era espionar as pessoas. Um menino chamado Rocky Koppell, cuja família fora transferida de Columbus para Des Moines, morou um tempo num apartamento do Hotel Commodore. Ele descobriu, nos fundos do quarto de dormir, um buraco na parede, através do qual ele podia observar a empregada no cômodo ao lado se vestindo e, vez por outra, participando de uma honesta troca de fluidos com um dos zeladores. Koppell cobrava 25 centavos para espiar pelo buraco.
Um lugar onde, sabia-se, nunca se veria carne feminina nua era nos filmes. As mulheres se despiam nos filmes de tempos em tempos, mas elas sempre passavam para trás de um biombo para fazê-lo, ou vagavam para outro quarto depois de tirar os brincos e, distraídas, soltar o botão de cima da blusa. Mesmo se a câmera acompanhasse a mulher, sempre baixava o enquadramento timidamente no momento crítico, daí tudo o que se via era um roupão caindo pelos tornozelos e um pé entrando na banheira. Não dá sequer para dizer que era decepcionante, porque não havia expectativas a serem decepcionadas.
Quem tinha irmãos mais velhos, ouvira falar de um filme chamado Mau Mau, lançado em 1955. Era um documentário respeitável sobre o levante Mau Mau, no Quênia. Mas o distribuidor decidiu que o filme não era comercial o bastante. Contratou um time de atores e técnicos locais, e filmou cenas adicionais num laranjal, do sul da Califórnia. Elas mostravam mulheres “nativas” de topless, esquivando-se de homens com facões. Ele emendou as cenas extras mais ou menos a esmo na fita. O resultado foi uma sensação comercial, particularmente entre os garotos de 12 a 15 anos. Infelizmente, eu só tinha 4 anos, em 1955.
Certa vez, quando eu tinha uns 9 anos, construímos uma casa na árvore dentro do bosque e mais ou menos automaticamente, a usamos para tirar tudo na frente uns dos outros. Isso não era lá muito excitante, visto que o grupo consistia em uns 24 menininhos e só uma garota, Patty Hefferman, que já aos 7 anos pesava mais que uma escavadeira das grandes, e não era a idéia de Madame Eros de ninguém. Ainda assim, por uns biscoitos Oreo, estava disposta a ser examinada, de qualquer ângulo, pelo tempo que qualquer um quisesse, o que lhe conferia certo valor antropológico.
A única garota na vizinhança que todos queriam ver nua era Mary O’Leary. Era a criança mais linda em milhões de milhões de galáxias, mas não tirava a roupa. Brincava conosco alegremente na casa da árvore enquanto a diversão fosse saudável, mas, quando as coisas ficavam suculentas, partia escada abaixo e dizia, com uma fúria contida, que era quase de chorar, que éramos grosseiros e odiosos. Isso me fez admirá-la muito, muito mesmo. Com freqüência, eu largava a brincadeira também (pois, na verdade, não dava para encarar a Patty Hefferman muito tempo e depois ainda comer a comida da minha mãe) e a acompanhava até em casa, louvando-a com ênfase por sua virtude e modéstia.
“Esses caras são nojentos”, eu dizia, convenientemente, não admitindo que eu mesmo era um desses caras.
A recusa dela em participar era, dum jeito esquisito, a coisa mais estimulante em toda aquela experiência. Eu adorava, venerava Mary O’Leary. Costumava sentar ao seu lado no sofá quando ela assistia a tevê e encará-la em segredo. Era a coisa mais perfeita que eu já tinha visto – tão macia, limpa, sorriso em flor, cheia de luz rósea. E não havia nada mais perfeito e jubiloso na natureza do que aquele rosto no micro-instante anterior à sua risada.
Naquele verão, minha família foi passar o Quatro de Julho na casa dos meus avós, onde mais uma vez eu viveria a experiência desanimadora de observar tio Dee transformar comida em reboco voador. Pior ainda, a televisão dos meus avós estava fora de combate, aguardando uma peça nova – o bobo-alegre do homem do conserto dali era incapaz de ver lógica em manter válvulas sobressalentes no estoque – então eu tive de passar o longo fim de semana lendo na modesta biblioteca dos meus avós, que consistia, na maior parte, de Seleções, romances de Warwick Deeping e uma caixona de papelão cheia de Ladies’ Home Journals. Foi um fim de semana árduo.
Quando voltei, Buddy Doberman e Arthur Bergen estavam esperando perto de casa. Mal cumprimentaram meus pais, tão ansiosos estavam para uma conversa particular comigo. Esbaforidos, disseram que na minha ausência a Mary O’Leary fora para a casa da árvore e tirara a roupa – cada pedaço de pano. Fizera-o livremente, até mesmo com uma espécie de despojamento sonhador.
– Foi como se ela estivesse em transe – disse Bergen, carinhosamente.
– Um transe feliz – acrescentou Buddy.
– Foi legal mesmo – disse Bergen, com seu estoque de memórias carinhosas nem de longe esgotado.
É claro que me recusei a acreditar numa palavra sequer. Tiveram de jurar por Deus uma dúzia de vezes, e pela morte da mãe, em uma pilha de bíblias, antes que eu estivesse preparado para suspender um pouquinho a minha descrença natural. Acima de tudo, tiveram de descrever cada etapa do acontecimento, algo que Bergen foi capaz de fazer com clareza admirável. (Ele tinha, como se gabaria anos depois, uma memória pornográfica.)
– Ora, vamos pegá-la e fazer de novo, disse eu.
– Ah, não, Buddy explicou. Ela disse que não iria fazer mais. Tivemos de jurar que nunca pediríamos de novo. Esse foi o trato.
– Mas isso não é justo, eu disse, espumando e horrorizado.
– O “engraçado”, continuou Bergen, é que ela disse que vinha pensando em fazer isso há um tempão, mas um dia em que você não estivesse, porque não queria te ver zangado.
– Zangado? Zangado? Você está de gozação? Zangado? Tá de gozação? Tá de gozação?
Fiel à palavra, Mary O’Leary nunca mais chegou perto da casa da árvore.
Pouco depois, num momento inspirado, tirei todas as gavetas do armário do meu pai para ver o que havia, se é que havia, nos fundos. Eu costumava desmantelar seu quarto duas vezes por ano – quando ele ia para o treinamento de primavera e para o Campeonato Mundial – à cata de cigarros perdidos, dinheiro solto e provas de que eu era mesmo do planeta Electro; talvez uma carta do Rei Volton ou do Congresso de Electro, prometendo alguma recompensa polpuda por me criar em segurança e confirmando que meus menores caprichos deveriam ser realizados.
Nessa ocasião, como eu tinha mais tempo disponível que de hábito, tirei as gavetas até o fim para ver se havia algo embaixo ou atrás, e então achei a modesta muamba de mulhas do meu pai, compreendendo duas revistas finas, uma chamada Dude, a outra Nugget. Eram superbregas. As mulheres pareciam Pat Nixon ou Mamie Eisenhower – o tipo de mulher que você paga para não ver pelada. Fiquei horrorizado, não porque meu pai tivesse revistas masculinas – um progresso completamente bem-vindo, a ser encorajado de todas as maneiras possíveis –, mas porque escolhera muito mal.
Ainda assim, eram melhores do que nada e mostravam, afinal, mulheres despidas. Levei-as à casa da árvore, onde, na ausência de Mary O’Leary, foram muito valorizadas. Quando as devolvi ao lugar de origem, dez dias depois, logo antes que ele voltasse para casa, estavam visivelmente manuseadas. Era difícil não perceber que haviam sido desfrutadas por um público mais amplo. Faltava a página de uma, e quase todas as ilustrações agora traziam comentários à margem ou balõezinhos, muitos de natureza cândida, feitos por uma multiplicidade de mãos jovens. Nos anos que se seguiram, muitas vezes imaginei o que meu pai fazia com essas emendas espirituosas, mas, por alguma razão, nunca parecia a hora certa para perguntar.