CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2024
Sexta sem Rei
Fãs comemoram o aniversário de Roberto Carlos diante de sua casa
Thallys Braga | Edição 212, Maio 2024
Da varanda de sua cobertura em um prédio de cinco andares na Urca, o cantor Roberto Carlos se deleita com a vista do Cristo Redentor, da Ponte Rio-Niterói e do tráfego entre o Flamengo e o bairro da Glória. Ao se apoiar no parapeito e olhar para baixo, o Rei avista os barquinhos ancorados nas águas tranquilas da Baía de Guanabara e o movimento dos pedestres na calçada junto à mureta da Urca. É ali que, todo ano, no dia do seu aniversário, os fãs se reúnem para prestar homenagens com esperança de ganhar um aceno do ídolo.
Ao meio-dia de 19 de abril, sexta-feira, vinte pessoas encostadas na mureta da Urca miravam o topo do edifício do cantor, em cuja varanda só se viam vasos com plantas fustigadas pelo Sol. Um homem idoso estendeu uma toalha de renda na calçada e organizou ali um mosaico com vinis, CDs, cassetes e fotografias de Roberto Carlos. Havia também uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e um cartaz com os dizeres: “Homenagem de Miguel e Leila. São Roque de Minas – MG.”
Os admiradores sabiam que o cantor não estava em casa, pois ele tinha um show agendado para aquele dia no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. “Eu quis vir mesmo assim só para sentir a energia dele”, disse a trabalhadora doméstica Lucinalva Barbosa, com o punho fechado sobre o seio esquerdo. Ela veio de Bonsucesso, Zona Norte do Rio, com a filha de 24 anos, Roberta, que desde os 6 a acompanha nas visitas anuais à casa do Rei. O plano das duas era ficar ali por uma hora, conversar com outros fãs e voltar para casa, mas houve um imprevisto.
“Gente, pelo amor de Deus, me escuta”, pediu a atriz Selma Rosa, em voz alta. Um homem que tocava Cama e mesa no violão congelou as mãos. Todos se calaram e viraram para Rosa. “Estão dizendo que o show de São Paulo foi cancelado. O Roberto pode voltar para o Rio ainda hoje.”
A prefeitura paulistana cancelou a apresentação do cantor porque o Corpo de Bombeiros avaliou que o local não poderia receber as 3 mil pessoas que compraram os ingressos. A novidade desconcertou os fãs na Urca, animados com a possibilidade de Roberto Carlos voltar ao Rio, e Lucinalva Barbosa decidiu ficar ali até o fim do dia. A filha Roberta bufou, cruzou os braços e sentou na mureta. Às 15h40, um carro preto chegou à entrada da garagem do prédio do cantor, e Selma Rosa correu na direção dele. O motorista abaixou o vidro e disse algo inaudível para quem estava do outro lado da rua.
“Descobri tudo”, anunciou a atriz, retornando ao grupo de fãs. O motorista no carro era um vizinho do cantor. “Ele disse que o Roberto volta mesmo de São Paulo hoje à noite.” A notícia despertou a alegria de todos, exceto a de um homem magro e careca com aparência cinquentona. “Não vou poder ficar aqui até tarde. Hoje ainda tenho que ver a Larissa Manoela”, lamentou. Ele havia comprado ingressos para o musical A noviça rebelde, com a atriz, em um teatro no Centro da cidade.
Já Selma Rosa não tinha nenhuma prioridade além de homenagear Roberto Carlos naquele dia. “Eu venho aqui há 25 anos. Me chamam de musa da Urca”, ela contou. “Já fui em shows do Roberto no Canecão, no Maracanãzinho, fui chamada para os especiais dele na Globo.” Há uma teoria entre os fãs de que a equipe do cantor instalou uma escuta na mureta da Urca para monitorar as conversas deles, e Rosa acredita nisso: “No aniversário dele de 81 anos, eu quis tirar a prova real. Falei: ‘Roberto, eu te amo, você está no meu destino. Não adianta fugir de mim.’ Na mesma hora, ele apareceu lá na varanda e jogou um beijo.”
Uma roda se formou ao redor da fã para ouvir as suas histórias. “O meu marido morreu durante a pandemia, sou viúva igual ao Roberto. Minha conexão com ele é espiritual.” Lucinalva Barbosa a interrompeu: “O que é aquilo ali, minha gente?” Quando todos se viraram, houve uma rápida catarse coletiva. Gritos. Bocas abertas. Braços para o alto. Um outro cabeludo apareceu na Urca, vestindo terno azul, calça jeans, sapatos brancos e segurando uma rosa de plástico. “Deixa de bobeira, gente, é só o Marquinhos”, disse Selma Rosa, impaciente.
Para chegar até a Urca, o sósia Marquinhos Oi Oi, uma versão mais enrugada de Roberto Carlos, pegou um ônibus em São Paulo três dias antes. “Eu venho há nove anos. É o maior barato, as senhoras ficam loucas quando me veem.” Duas mulheres idosas cutucaram o seu ombro para pedir uma selfie. “Dizem por aí que o Roberto tem ciúme de mim”, comentou Oi Oi.
No final da tarde, um ônibus municipal fez a curva na Avenida Portugal, e três senhoras vestindo camisetas de Roberto Carlos embarcaram nele para ir embora. Marquinhos Oi Oi cantava: Eu quero ter um milhão de amigos… A vida dele é imitar Roberto Carlos. Se pagarem “muito bem”, pode interpretar o Fábio Jr: “Os dois são parecidos, eu só tenho que mudar de roupa.”
A calçada foi se esvaziando, até que restaram apenas Selma Rosa, o sósia e um violonista. “Eu fico no Rio até domingo, então vou voltar aqui amanhã. O Roberto não me escapa”, disse o violonista. Rosa ficou nervosa: “A equipe dele sabe do que nós falamos aqui. Se ouvirem você dizendo isso, é capaz dele não aparecer amanhã.”
O vento frio que começou a soprar na Urca à tarde ficou mais forte ao cair da noite, mas Rosa não quis arredar o pé dali. Todos os outros fãs haviam partido. “Eu consegui coisas que ninguém conseguiu por causa da minha persistência.”
A sua vida atingiu o apogeu naquela mureta, em um dia ordinário do ano passado: “Eu estou sentada, tomando cerveja, quando olho para o lado e vejo vindo um carro vermelho.” Era o Audi R8 de Roberto Carlos. “Ele me reconheceu. Parou o carro, apontou para mim e me lançou aquele olhar fixo.” A amiga que acompanhava Rosa havia saído para buscar mais cerveja, então o episódio não teve testemunhas. “Eu travei, fiquei sem reação. O Roberto seguiu com o carro e eu continuei paralisada.”
Ela sonha com o reencontro desde então. Se acontecesse naquela sexta-feira, saberia exatamente o que lhe dizer. Mas, às onze da noite, era evidente que Roberto Carlos não apareceria. Selma Rosa voltou para casa, e a Urca dormiu sem o Rei.