ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Teias inclusivas
Evento leva cultura nerd à periferia de São Paulo
Tatiane de Assis | Edição 192, Setembro 2022
Quem imaginaria que um moleque de quebrada ia conhecer a China?”, gabou-se Vito Giuseppe, de 29 anos, em sua conversa com o público no palco ao ar livre da Fábrica de Cultura Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Falava como astro internacional do futebol – e para o público reunido na PerifaCon, Giuseppe está bem perto disso. Conhecido como kNgV no universo gamer, ele é um craque dos campeonatos de Counter-Strike, popular jogo de tiro.
Nascido em Belém do Pará, filho de pai italiano e mãe brasileira, kNgV passou a maior parte da adolescência em São Paulo. Joga em competições de Counter-Strike desde os 15 anos e já fez parte de equipes internacionais, como a sueca Red Reserve e a norte-americana Immortals. Com esta, ganhou o segundo lugar num campeonato mundial realizado em 2017, em Cracóvia, na Polônia.
Vito kNgV foi uma das estrelas da PerifaCon, que se apresenta como a primeira convenção nerd das favelas. Trata-se de uma versão mais modesta, mas mais inclusiva, da Comic Con Experience (CCXP), realizada também em São Paulo. A próxima edição será em dezembro. Enquanto o ingresso na CCXP custa 260 reais (a meia, 130 reais) e o passaporte (já esgotado) que dá acesso a todas as atrações chega a 1 260 reais, o evento em Brasilândia teve entrada gratuita.
A primeira PerifaCon ocorreu em 2019, no distrito do Capão Redondo, criada por sete jovens vindos de diferentes regiões periféricas de São Paulo: Mateus Ramos, Matheus Polito, Luíze Tavares, Igor Nogueira, Andreza Delgado, Gabrielly Oliveira e Pedro Okuyama. A motivação primeira deles foi ampliar o acesso dos jovens à cultura geek, pop e nerd.
Nos dois anos seguintes, por causa da pandemia, houve apenas eventos virtuais. Em 2022, foi acordado que a produtora cultural Andreza Delgado tocaria a direção criativa do evento com o irmão, o fotógrafo Jef Delgado, de 23 anos, conhecido por registrar shows de nomes importantes do rap brasileiro, como Emicida e Racionais MC’s. “Fico feliz por ter encontrado meu lugar”, diz Andreza sobre a PerifaCon. “Mas a verdade é que o evento não dá retorno financeiro ainda.” Ela tem um podcast de entrevistas, o Lança a Braba, é colunista do UOL e diretora executiva do game Ghetto Zombies. Em janeiro deste ano, Andreza alugou com Jef um escritório no bairro Chácara Klabin para tocar a sua empresa de produção de eventos, a Irmãos Delgado.
Em sua edição em Brasilândia, a PerifaCon atraiu 10 mil pessoas. Abriu suas portas às 9 horas do dia 31 de julho, um domingo ensolarado e frio. A exemplo da mesa em que kNgV falou de sua experiência profissional no Counter-Strike, outras palestras e painéis apresentaram os caminhos para a mobilidade social e a empregabilidade abertos pelo universo nerd.
No prédio da Fábrica de Cultura, Tainá Félix, do estúdio Game e Arte, falou sobre a produção independente de games. “Não tem oportunidade só para quem é desenvolvedor. Você pode se descobrir fazendo trilha de um game ou gerenciando uma equipe de produção”, disse ela, para uma plateia com muitos adolescentes. Do lado de fora, formava-se uma fila para tirar fotos com um rapaz que fazia cosplay do Homem-Aranha.
Um dos ambientes mais disputados da PerifaCon, no térreo da Fábrica de Cultura, era o de venda de livros. Cerca de sessenta pessoas se apinhavam na sala com janelões de vidro para examinar títulos das mais diversas editoras, da gigante Companhia das Letras à independente Veneta. A maioria delas oferecia desconto. Mesmo assim, não era todo mundo que podia comprar os lançamentos. “Gostei pra caramba do livro dos Racionais MC’s, Sobrevivendo no Inferno, mas achei caro. Qualquer 20 reais pra gente é muita coisa”, reclamou Gustavo Morais, de 21 anos, que mora no Grajaú e saiu direto de um baile funk em Paraisópolis para o evento em Brasilândia.
Alguns conhecidos de Morais estavam entre os participantes da PerifaCon, como os artistas visuais Juan Calvet e Deley, que vendiam ilustrações no Beco dos Artistas. À tarde, boa parte do público confluiu para esse local em que um dos estandes era ocupado por João Pinheiro e Sirlene Barbosa, autores da biografia em quadrinhos Carolina, sobre a escritora negra Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo (1960). “Este é um lugar com mais gente parecida comigo”, disse Pinheiro, ao observar a diversidade de pessoas no local.
O promotor de vendas Tiago Miguel Oliveira dos Santos, de 40 anos, conferia as atrações da PerifaCon acompanhado dos três filhos. “Sempre procuro abrir o leque de opções na formação deles”, disse. Morais vive em Santo André, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, e soube do evento pelo Twitter. “A gente já ficou muito em casa, agora é hora de dar as caras, né?”, disse Santos, sem tirar a máscara vermelha que usava, com o símbolo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).